A Lagosta de Delacroix
Este
texto é o resultado de conversas que mantive durante uma semana com
Elaine Pauvolid, Paula Laranjeira e Orlando Mollica sobre um quadro de
Dalacroix que eu denomino A Lagosta. Portanto eles são co-autores.
Nesse quadro de Delacroix há uma discussão bem complexa sobre a vida e a morte, e o curioso é que a morte, está
representada pelos animais em primeiro plano: as lagostas, a lebre e os
pássaros pintados em "cores vivas", menos um réptil anfíbio, uma
salamandra, que esta viva. E a salamandra é um ser mítico que está bem
presente no imaginário de alguns povos. No lado direito, abaixo, há um
plano, com uma mancha escura acima, que pode ser um muro, e nosso olhar
não consegue ir além dele. No lado esquerdo, em contraponto, há um outro
espaço, este com linhas inclinadas, como se esboçasse um caminho que
nos possibilitasse chegar ao segundo plano onde se nota, em tons mais
brandos, bem distantes, uns cavaleiros, portanto, uma representação de
coisas vivas. Curioso esse contraste. Há ainda as questões cromáticas.
Predomina um contraste alaranjado-violáceo que potencializado faz surgir
um esverdeado, e isso era teorizado pelo pintor que afirmava que na
natureza tudo se resumia ao acorde laranja, verde e violeta. Repare que
os esverdeados no quadro, menos evidentes, estão todos rompidos. Ganham
alguma evidência induzidos pelos alaranjados e violáceos. Portanto o
colorido se afirma e acaba, assim, dialogando com as formas e daí
enfatiza o narrativo, mas deixando-o subordinado à plasticidade.
Delacroix, me parece, nos aponta para o enigmático e, como já disse, nos
faz pensar na nossa própria condição, ou no miserere, isto é, na
imperfeição própria dos homens. Por isso que digo que é uma pintura
para pintores. Curioso é se constatar que um dos quadros mais comentados
e reproduzidos de Delacroix seja A Liberdade Guiando o Povo. Logo
depois o pintor, desencantado, se refugia em seu atelier onde nunca mais
pintou quadros panfletários.
Para terminar seguem umas frases retiradas de um e-mail que me foi enviado pelo artista plástico Orlando Mollica:
"É a forma romântica de se expressar ante a uma realidade política de esfacelamento social: uma Revolução que prometia tudo e que acabou muito mal.
Esse anti-climax que rolou no começo do século XIX e provocou, ou melhor, acirrou o ânimo dos românticos, abasteceu fortemente a criatividade desses artistas. Com Delacroix não foi diferente.
Mas, a bem da verdade, com o capitalismo ainda e cada vez mais forte e impiedoso, vide crise européia, USA, Oriente Médio, África, os milhões de miseráveis e desempregados espalhados desde o primeiro ao último mundo, e o planeta batendo pino, a atualidade de visões céticas e sinistras como a de Delacriox ainda são muito atuais."
José Maria Dias da Cruz
Abril - 2011
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