"Para os que têm o culto se si mesmo, as convicções substituem e fé."
George Braque
Meu interesse pela pintura se manifestou muito cedo. Aos 11 anos pintei
meu primeiro quadro a óleo. Como em casa tínhamos uma boa biblioteca vi
muitas reproduções de bons artistas. Analisava-as minuciosamente. Mais
tarde comecei a ler alguns escritos desses próprios artistas que
estudara, entre eles o Tratado da Pintura
de Leonardo da Vinci e os pensamentos de Braque que muito me marcaram.
Assim me habituei a consultar as fontes primárias. Como nossa casa era
frequentada por muitos artista e críticos (Pancetti, Santa Rosa, Iberê
Gamargo, Flávio de Aquino e muitos outros) mostrava meus trabalhos e
comentava os livros que lia e era bem orientado. Em 1956 viajei para
Paris e nas visitas ao Louvre me deparei com Poussin, Cézanne.
Em 1967 pintei meu primeiro formulário. Assim dei início a meu projeto
plástico. Pensei em ir além de um olhar contemplativo. Pensei bem mais
em uma lógica que me levasse a questões mais conceituais. Os formulários
se desdobraram nas naturezas mortas. Nessas procurei investigar espaços
plásticos menos representativo. Nessas também dei início ao estudo das
cores. Passei a me interessar bastante pelas harmonias assonantes como
eram definidas pelas teorias cromáticas baseadas em um círculo cromático
que considerasse as cores primárias e secundárias, etc. Como estava
interessado em investigar espaços mais conceituais que representativos
percebi que tinha que estudar mais os coloridos que as cores. Ou seja,
estudar mais a lógica dos coloridos. Entendi a observação de Sêneca que
diz que em cada dez pintores apenas um é colorista. E percebi que hoej
se pensa muita mais em cada cor do que propriamente nos coloridos.
Reli o Tratado da Pintura do Leonardo da Vinci. Percebi que suas
observações sobre as seis (e não quatro, como alguns teóricos
afirmamcores simples podiam me levar aos coloridos na medida em que ele
se referia muito mais a esses do o que a cada cor em si. Para Leonardo
essas cores tinham uma ordem que nos permitia as passagens das luzes
para as sombras. Percebi também que as minhas convicções começaram a se
abalar. Descartei, então, o círculo cromático absoluto. As harmonias
assonantes me levaram a investigar o rompimento do tom. Consegui
redefini-lo não mais como misturar pigmentares, o que me levou, em 1967,
a descobrir o cinza sempiterno. Passei a compreender melhor a frase de
Cézanne na qual ele afirma que somente um cinza reina na natureza.
Entretanto a frase do Leonardo sobre o serpenteamento era para mim ainda
incompreensível. Debruçei-me sobre ela. Somente nesses últimos anos
percebi a relação entre o cinza sempiterno e o serpenteamento. Hoje já
não tenho convicção de nada. Elas foram substituídas pela fé. Quanto
mais sinto que me aproximo do cinza sempiterno, mais sinto que dele me
afasto. Afinal ele é inacessível. A dúvida se instala. Agora penso no
mito da caverna de Platão. E, entre outros, nos seguintes pensamentos de
Braque. “A verdade existe, inventa-se somente a mentira.” “Explicar uma
coisa é substituir a coisa pela explicação.” E penso também na
complexidade da arte contemporânea.
José Maria Dias da Cruz – Florianópolis, janeiro de 1913
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