quarta-feira, 12 de junho de 2013

Anotação de José Maria Dias da Cruz

"Para os que têm o culto se si mesmo, as convicções substituem e fé."
George Braque

Meu interesse pela pintura se manifestou muito cedo. Aos 11 anos pintei meu primeiro quadro a óleo. Como em casa tínhamos uma boa biblioteca vi muitas reproduções de bons artistas. Analisava-as minuciosamente. Mais tarde comecei a ler alguns escritos desses próprios artistas que estudara, entre eles o Tratado da Pintura de Leonardo da Vinci e os pensamentos de Braque que muito me marcaram. Assim me habituei a consultar as fontes primárias. Como nossa casa era frequentada por muitos artista e críticos (Pancetti, Santa Rosa, Iberê Gamargo, Flávio de Aquino e muitos outros) mostrava meus trabalhos e comentava os livros que lia e era bem orientado. Em 1956 viajei para Paris e nas visitas ao Louvre me deparei com Poussin, Cézanne.

Em 1967 pintei meu primeiro formulário. Assim dei início a meu projeto plástico. Pensei em ir além de um olhar contemplativo. Pensei bem mais em uma lógica que me levasse a questões mais conceituais. Os formulários se desdobraram nas naturezas mortas. Nessas procurei investigar espaços plásticos menos representativo. Nessas também dei início ao estudo das cores. Passei a me interessar bastante pelas harmonias assonantes como eram definidas pelas teorias cromáticas baseadas em um círculo cromático que considerasse as cores primárias e secundárias, etc. Como estava interessado em investigar espaços mais conceituais que representativos percebi que tinha que estudar mais os coloridos que as cores. Ou seja, estudar mais a lógica dos coloridos. Entendi a observação de Sêneca que diz que em cada dez pintores apenas um é colorista. E percebi que hoej se pensa muita mais em cada cor do que propriamente nos coloridos.

Reli o Tratado da Pintura do Leonardo da Vinci. Percebi que suas observações sobre as seis (e não quatro, como alguns teóricos afirmamcores simples podiam me levar aos coloridos na medida em que ele se referia muito mais a esses do o que a cada cor em si. Para Leonardo essas cores tinham uma ordem que nos permitia as passagens das luzes para as sombras. Percebi também que as minhas convicções começaram a se abalar. Descartei, então, o círculo cromático absoluto. As harmonias assonantes me levaram a investigar o rompimento do tom. Consegui redefini-lo não mais como misturar pigmentares, o que me levou, em 1967, a descobrir o cinza sempiterno. Passei a compreender melhor a frase de Cézanne na qual ele afirma que somente um cinza reina na natureza. Entretanto a frase do Leonardo sobre o serpenteamento era para mim ainda incompreensível. Debruçei-me sobre ela. Somente nesses últimos anos percebi a relação entre o cinza sempiterno e o serpenteamento. Hoje já não tenho convicção de nada. Elas foram substituídas pela fé. Quanto mais sinto que me aproximo do cinza sempiterno, mais sinto que dele me afasto. Afinal ele é inacessível. A dúvida se instala. Agora penso no mito da caverna de Platão. E, entre outros, nos seguintes pensamentos de Braque. “A verdade existe, inventa-se somente a mentira.” “Explicar uma coisa é substituir a coisa pela explicação.” E penso também na complexidade da arte contemporânea.

José Maria Dias da Cruz – Florianópolis, janeiro de 1913

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