Verdades e mentiras e a dívida de Cézanne
Há um livro escrito na segunda metade do século passado
por um artista, cujo nome não mais me lembro, que se diz um
teórico da cor. (O livro sumiu, não sei como, perdi as referências).
O autor faz um resumo das diversas geometrias, desde a euclidiana
até as mais recentes, como a topologia e a geometria dos fractais.
Na introdução desta última ele diz: “A afirmação de que tudo na
natureza se compõe de esferas, cones e cilindros - a doutrina pragmática
de Paul Cézanne [...] não é correta. Nuvens não são esferas,
montanhas não são cones e troncos de árvores não são cilindros.”
Me acudam!!! O cara pensa em branco e preto!!! Coitado de Cézanne,
que pensava colorido.
No livro Histórias das cores, de Manlio Brusatin, está dito que
o homem contemporâneo praticamente só percebe os contrastes
claro-escuro e quente-frio, daí resultar na reconstrução da paisagem
urbana com muitos cromados, neóns, brilhos, etc. para compensar
essa pobreza perceptiva. A cor está mesmo recalcada na contemporaneidade.
Precisamos sentir mais os coloridos para entendermos
os aforismos de Braque: “A verdade existe, inventa-se somente a
mentira.” “Em arte somente uma coisa tem valor: o que não se pode
explicar.” Quando o artista está inventando uma mentira? Mas estas
vingam, transformam-se em dogmas que, como observa Gauguin,
desorientam não somente os artistas como também o público em
geral. Da mentira ao dogma, e deste à conclusão, diluindo a mentira
na massificação, atropelando a liberdade de reflexão.
Picasso diz: “Eu não procuro, eu acho.” Quem procura pode
achar alguma coisa, ou não achar nada, é claro, e sua afirmativa
tem um sentido. Um achar sem procurar nos leva a pensar em um
ato mecânico. Ou talvez em um pensamento sempre conclusivo.
Eu acho ou eu não acho. Mas Braque diz: “Um quadro está terminado
quando apagou a ideia” e “É preciso ter sempre duas ideias,
uma para destruir a outra.” Picasso inventa uma mentira. Braque
enfrenta o enigmático, mas não acha nada. Cézanne diz a Emille
Bernard: “Devo-lhe a verdade na pintura.” Não afirmou nem concluiu.
Assumiu uma dívida. Há uma contradição entre o pensamento
de Picasso e o de Braque. Mas antes disso observamos outra
contradição entre esses dois pintores. Do primeiro diremos que a
contradição ficou em um único nível de realidade e percepção. Na
medida em que se fechou em uma conclusão, afasta-se da verdade
em pintura, portanto. Do segundo diremos que a contradição se
anulou e se unificou, pois se direcionou no sentido da transparência
absoluta e, assim, o apagamento da ideia não a tornou conclusiva.
A verdade em pintura não é conclusiva. A dívida de Cézanne exclui
a conclusão.
Em arte não há um fim no sentido de uma perfeição. Vemos,
então, a aproximação de Braque com Cézanne.
A honestidade e a verdade em Cézanne
A uma pergunta hiperbólica de Emile Bernard, Cézanne respondeu
que não estava acostumado a muitas especulações teóricas.
Cézanne em verdade abominava a mentira, o embuste, e dizia que
“não basta ver, faz falta a reflexão”. Condenava o artista pelo afastamento
de seu verdadeiro objetivo. Cézanne sabia que a verdade é
honesta. E, mais, que é dificílimo alcançá-la. Ou, como diz Braque:
“A verdade não tem contrário.”
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