quarta-feira, 12 de junho de 2013

Auto-retrato de Marques Rebelo

Auto-retrato de Marques Rebelo

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Estávamos às vésperas do Centenário. Machado de Assis sofria um momentâneo esvaziamento. A importância de Lima Barreto não era reconhecida, muito menos que isso. E ambos ganharam com o Modernismo. Monteiro Lobato crescia como um Maupassant dos pobres, na obra de Rui Barbosa, o gênio nacional, encontrara a jeito o Jeca Tatu para citar num discurso contra o Brasil oligárquico. E recitava-se muito Olavo Bilac e havia muitas conferências literárias sobre o Pé, a Mão, a Luva, a Linha Reta, a Linguagem das Cores... veio a semana de Arte Moderna acabar com tais jogos florais e fiquei no sereno, batendo palmas. Crescido o movimento, foi um acordar de inteligências por esse Brasil a fora. Algumas não eram tão inteligentes quanto imaginávamos, mas sempre será assim nos períodos de renovação – muitos oportunismos, muitos gatos por lebre... A Academia de Letras, reduto da fossilização, servia de mira à juventude, afinal não tão iconoclasta. Atirei minhas flechas. Com Walter Benevides e Bastos Leite brilhei à frente de um jornalzinho quinzenal, que se apagou em seis meses – mais flechas perdidas! Comunicava-me com jovens de todos os cantos do país e quantas revistas! Acompanhei a rapaziada de Verde e tudo que sobrou da aventura foi a amizade de Francisco Inácio Peixoto e Gulhermino Cesar. Ah, gracioso período de tanta poezinha fulera! Por fim desconfiei que a poesia não seria meu forte e voltei à propsa, cujos ensaios rasgara. Desfrutava-se o edificante clima do governo Bernardes com estado de sítio permanente, violações de domicílios, proibição de reuniões e ajuntamentos na rua, mais de duas pessoas conversando já era olhado como comício, depuração de deputados e a invenção da censura da Imprensa, da futura delegacia de Ordem |Política, então a 9a. Delegacia Auxiliar, onde algumas alguns presos suicidaram-se atirando-se das janelas, do campo de concentração da Clevelândia e dos tenentes comissionados,isto é, sargentos que passavam àquela patente para cobrir os claros do oficialato, desfalcado com as expulsões em massa verificadas na escola de Guerra. Foi quando apareceu em cena o famoso Tenente Jesus.

A Pátria precisava dos meus serviços e lá fui eu me apresentar ao Forte de Copacabana. Naquele tempo ainda havia percevejos nos quartéis e ainda há pessoas qie têm alergia ao DDT! Um pouco de artilharia de costa é importante na vida de um paisano e o telêmetro é aparelho fascinante! Capitão José Agostinho dos santos – o comandante era uma flor. Capitão Honorato o Pradel, que o substituiu, mostrava-se pessoa decente. O Capitão Calmon, médico e que fora bom jogador do Fluminense, era uma jóias de criatura. Tenente Pedro Geraldo caprichava em ser um pouco tesudo, porem, depois de algum tempo entrava na nossa simpatia. Mas tenente Jesus, comissionado, era o diabo! Uma das suas diabruras consistia em acreditar em exercícios físicos e querer que se ficasse musculoso à força. Decepcionei um pouco quando venci, com meu físico miúdo, todas as competições de fundo contra qualquer espécie de latagão e ainda quando marquei alguns golzinhos nas peladas do Forte. Mas o diabo do homem era insaciável. Exigiu proezas de equilibrista. Resultado- caí de uns 11 metros de altura. Ainda bem que a água lá em baixo amoleceu o tombo, contudo sempre seu para quebrar o espinhaço. Como diagnosticava o Paru, que partilhava das minhas perneiras particulares e especiais – as famosas Paraná – em dias de ver a namorada.

A longa imobilidade e o sofrimento – dores terríveis e não morri por mero acaso – devolveram-me à leitura intensiva e analgésica, descerravam-se a cortina da legítima ficção. E assim entrei realmente no palco literário, mas varrendo do espírito a supertição de que há males que v~em para o bem, meu terreno Jesus.
Quando consegui voltar a andar, tina a novela Oscarina no bolso, fixação da vida de soldado. Schmidt, que usava pince-nez com fitinha presa a lapela. Levou-a para São Paulo e lá saiu na Feira Ilustrada. Depois que saiu fiquei desconsolado – achei-a uma porcaria. E modifiquei-a toda. Lembro-me ter descoberto que ela acabava antes da última página e tudo ficou direitinho – tais são os mistérios da criação. Fato engraçado é que o caro Ribeiro Couto achava melhor a versão inicial...

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