Auto-retrato de Marques Rebelo
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Estávamos às vésperas do Centenário. Machado de Assis sofria um
momentâneo esvaziamento. A importância de Lima Barreto não era
reconhecida, muito menos que isso. E ambos ganharam com o Modernismo.
Monteiro Lobato crescia como um Maupassant dos pobres, na obra de Rui
Barbosa, o gênio nacional, encontrara a jeito o Jeca Tatu para citar num
discurso contra o Brasil oligárquico. E
recitava-se muito Olavo Bilac e havia muitas conferências literárias
sobre o Pé, a Mão, a Luva, a Linha Reta, a Linguagem das Cores... veio a
semana de Arte Moderna acabar com tais jogos florais e fiquei no
sereno, batendo palmas. Crescido o movimento, foi um acordar de
inteligências por esse Brasil a fora. Algumas não eram tão inteligentes
quanto imaginávamos, mas sempre será assim nos períodos de renovação –
muitos oportunismos, muitos gatos por lebre... A Academia de Letras,
reduto da fossilização, servia de mira à juventude, afinal não tão
iconoclasta. Atirei minhas flechas. Com Walter Benevides e Bastos Leite
brilhei à frente de um jornalzinho quinzenal, que se apagou em seis
meses – mais flechas perdidas! Comunicava-me com jovens de todos os
cantos do país e quantas revistas! Acompanhei a rapaziada de Verde e
tudo que sobrou da aventura foi a amizade de Francisco Inácio Peixoto e
Gulhermino Cesar. Ah, gracioso período de tanta poezinha fulera! Por
fim desconfiei que a poesia não seria meu forte e voltei à propsa, cujos
ensaios rasgara. Desfrutava-se o edificante clima do governo Bernardes
com estado de sítio permanente, violações de domicílios, proibição de
reuniões e ajuntamentos na rua, mais de duas pessoas conversando já era
olhado como comício, depuração de deputados e a invenção da censura da
Imprensa, da futura delegacia de Ordem |Política, então a 9a. Delegacia
Auxiliar, onde algumas alguns presos suicidaram-se atirando-se das
janelas, do campo de concentração da Clevelândia e dos tenentes
comissionados,isto é, sargentos que passavam àquela patente para cobrir
os claros do oficialato, desfalcado com as expulsões em massa
verificadas na escola de Guerra. Foi quando apareceu em cena o famoso
Tenente Jesus.
A Pátria precisava dos meus serviços e lá fui
eu me apresentar ao Forte de Copacabana. Naquele tempo ainda havia
percevejos nos quartéis e ainda há pessoas qie têm alergia ao DDT! Um
pouco de artilharia de costa é importante na vida de um paisano e o
telêmetro é aparelho fascinante! Capitão José Agostinho dos santos – o
comandante era uma flor. Capitão Honorato o Pradel, que o substituiu,
mostrava-se pessoa decente. O Capitão Calmon, médico e que fora bom
jogador do Fluminense, era uma jóias de criatura. Tenente Pedro Geraldo
caprichava em ser um pouco tesudo, porem, depois de algum tempo entrava
na nossa simpatia. Mas tenente Jesus, comissionado, era o diabo! Uma das
suas diabruras consistia em acreditar em exercícios físicos e querer
que se ficasse musculoso à força. Decepcionei um pouco quando venci, com
meu físico miúdo, todas as competições de fundo contra qualquer espécie
de latagão e ainda quando marquei alguns golzinhos nas peladas do
Forte. Mas o diabo do homem era insaciável. Exigiu proezas de
equilibrista. Resultado- caí de uns 11 metros de altura. Ainda bem que a
água lá em baixo amoleceu o tombo, contudo sempre seu para quebrar o
espinhaço. Como diagnosticava o Paru, que partilhava das minhas
perneiras particulares e especiais – as famosas Paraná – em dias de ver a
namorada.
A longa imobilidade e o sofrimento – dores
terríveis e não morri por mero acaso – devolveram-me à leitura intensiva
e analgésica, descerravam-se a cortina da legítima ficção. E assim
entrei realmente no palco literário, mas varrendo do espírito a
supertição de que há males que v~em para o bem, meu terreno Jesus.
Quando consegui voltar a andar, tina a novela Oscarina no bolso, fixação
da vida de soldado. Schmidt, que usava pince-nez com fitinha presa a
lapela. Levou-a para São Paulo e lá saiu na Feira Ilustrada. Depois que
saiu fiquei desconsolado – achei-a uma porcaria. E modifiquei-a toda.
Lembro-me ter descoberto que ela acabava antes da última página e tudo
ficou direitinho – tais são os mistérios da criação. Fato engraçado é
que o caro Ribeiro Couto achava melhor a versão inicial...
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