quarta-feira, 25 de março de 2015

Antropologia das cores

ARTIGO CORES E CULTURAS – MARSHALL SAHLINS
Em seu já clássico Basic Color Terms [2], Berlin e Kay apresentam as seguintes descobertas: apesar da capacidade dos seres humanos discriminarem milhares de perceptos de cor, as línguas exibem apenas um número limitado de “termos básicos de cor”, que variam de dois a onze; estes termos apresentam uma ordem de surgimento regular e cumulativa em todas as culturas, sendo, portanto possível dispor as línguas naturais em uma seqüência progressiva, na qual as que pertencem ao mesmo estágio discriminam as mesmas tonalidades básicas; sendo que os referentes empíricos dos termos básicos em um espectro cromático são muito semelhantes de uma sociedade para outra.
Com o aparente universalismo dos termos básicos das cores e sua ordem regular de aparecimentos nas línguas, esta obra acabou sendo utilizada como um sustento do “determinismo biológico” e uma crítica ao relativismo cultural. No entanto, Sahlins reinterpreta os resultados encontrados por Berlin e Kay, argumentando que estes mostram a utilização social da cor não apenas para significar diferenças objetivas da natureza, mas principalmente para comunicar distinções significantes da cultura.
Uma seqüência progressiva dos termos básicos de cor nas línguas naturais foi organizada por Berlin e Kay em sete estágios. Estes autores se abstiveram de unir às suas descobertas uma base na fisiologia da percepção, o que foi realizado por Sahlins, levando a conclusão de que:
“o surgimento dos termos básicos de cor nas línguas naturais segue uma lógical natural- perceptual. Essa lógica é composta de várias tendências evolutivas gerais, em particular:
1) do geral para o específico, isto é, da disinção claro/escuro para as discriminações de tonalidade;
2) do mais evidente para o menos – por exemplo, vermelho antes de outros tons;
3) do simples para o complexo, isto é, das cores isoladas para as mistas” [3] . O primeiro estágio, em que existem termos apenas para o branco e preto, corresponde a distinção claro/escuro, baseada na mais elementar da respostas fisiológicas a um fluxo luminoso. O segundo estágio apresenta uma distinção de tonalidade representada pelo vermelho. Ao surgimento regular do vermelho é possível alegar bases biológicas. O vermelho é a mais saliente experiência de cor para o olho humano, com qualidades singulares de atração, aproximação e penetração, fenômeno conhecido como aberração cromática.
No estágio III e IV surgem o verde e o amarelo, sem ordem regular. Em seguida, no estágio V, o azul. Estas três cores ligam-se ao vermelho, formando um sistema de dois pares complementares. Estas são vistas como únicas, não ligadas a qualquer outra tonalidade, enquanto que as outras cores são percebidas como uma combinação de duas destas cores primitivas não complementares. Esta condição singular das cores “primárias” tem uma justificativa física: são as únicas que mantêm a tonalidade constante ao longo de variações de luminância. Além disso, a complementaridade do verde/vermelho e azul/amarelo, junto ao branco/preto, encontra respaldo fisiológico na teoria do processamento opositivo, segundo a qual o processamento neural da sensação da cor organiza-se como um complexo triádico de processos binários contrastivos, que correspondem exatamente aos pares acima.
No estágio VI surge o marrom, exceção a regra da percepção composta que, como as cores primárias, parece não ser misturado. Finalmente o estágio VII é representado pelo roxo, rosa, laranja e cinza.
As cores são, como sustenta Sahlins, códigos semióticos, signos aplicados a estruturas de significado pelas quais pessoas, grupos, objetos e ocasiões são diferenciadas e combinadas em ordens culturais. As cores possuem significância cultural como códigos de valor social, econômico e ritual, o que foi relegado a uma posição secundária nas teorias anteriores, que tomaram a classificação da cor apenas como nomeação de diferenças objetivas apresentadas aos sentidos. Citando Saussure,o autor argumenta que esta concepção reduz a linguagem à mera nomenclatura, o conceito ao percepto e a cultura à natureza.
A perspectiva de Sahlins é a de que o real é sistematicamente construído num determinado modo cultural. A cultura é compreendida como um fenômeno característico, como meios e modalidades simbólicos de construção de mundos humanos.
A cor na cultura não é um processo de reconhecer, mas sim de relacionar. Os termos de cor equivalem à abstração de aspectos perceptíveis de acordo com um critério arbitrário de significância. A associação entre objetos da mesma cor é uma convenção formal, já que a cor é escolhida entre uma série de outras características possíveis para estabelecer relações entre as coisas.
O daltônico surge como um argumento a favor da tese de Sahlin. Ao mesmo tempo em que as pessoas enxergam diferenciando tonalidade, os daltônicos diferenciam as cores baseados no brilho, de forma que não é preciso que tenham a mesma experiência substantiva do objeto para participar plenamente da mesma sociedade, do mesmo universo de sentido. A maneira como a cor é percebida importa menos que seu significado.
O que fora relegado a um segundo plano por análises como a de Berlin e Kay, Sahlins traz para o centro. É preciso considerar o que as cores significam nas sociedades humanas, como indaga o autor, “é necessário comprovar que as cores expressam diferenças entre vida e morte, nobre e pebleu, puro e impuro? Que distinguem metades tribais e clãs, direções da bússola e valores de troca de duas enfiadas de contas que, noutros aspectos, são semelhantes?” [4].
Isto não significa que os fatos biológicos da determinação da cor sejam ignorados. Estes compreendem os traços distintivos mínimos no plano dos objetos pelos quais as diferenças de significado são assinaladas. Os termos de cor sofrem restrições referenciais biológicas ou perceptivas, na medida em que são implicadas como significantes em campos de sentido.
Sahlins aponta uma nova via interpretativa possível para a seqüência TBC para além de uma simples progressão cumulativa de termos, quando afirma que “as unidades da diferenciação evolutiva não são termos, mas relações entre termos” [5]. Em seu primeiro estágio, argumenta Sahlins, temos a construção de um quadro dicotômico entre o contraste claro/escuro, “talvez universalmente significativo e, em geral, simbolizador de oposições fundamentais da vida social – puro e impuro, vida e morte, sagrado e profano, masculino e feminino, e assim por diante” [6], esta oposição é constituída por outros tipos de contrastes dos quais posteriormente emergem os próximos estágios escala TBC.
É auspicioso notar que Sahlins evoca Cassirer -nos fornecendo uma pista de sua argumentação vindoura- “A linguagem não entra em um mundo de percepções objetivas já realizadas, meramente para acrescentar sinais exteriores e arbitrários a objetos individuais; ela é, em si mesma, um mediador por excelência, o instrumento mais importante e valioso para a construção e a conquista de um verdadeiro mundo de objetos” [7], sendo assim a não existência de termos para outras cores não quer dizer, segundo Sahlins, que a realidade seja apreendida como um antigo filme de cinema, mas apenas que as cores não sejam diferenciadas uma das outras, para que o argumento seja melhor visualizado é bom termos em mente as lições deixadas por Wittgenstein (nominalmente citado no artigo) onde aprendemos que termos únicos são utilizados para designarem experiências ímpares.
Dando continuidade a esta nova interpretação da escala TBC, Sahlins explica a introdução do vermelho (Estagio II) como o elemento constituinte de uma relação tripartite, sendo o vermelho ora passível de se assemelhar ao branco em oposição ao preto, ora passível de se assemelhar ao preto em relação ao branco, a explicação para tanto é a “capacidade de manter a saturação ao longo de uma vasta gama de valores de luminosidade” [8]. Sahlins alerta para o fato de que este papel dúbio do vermelho nas relações, fatalmente leva a um quadro cultural onde alguns dos valores atribuídos ao vermelho são eles mesmos opostos entre si, salientando a introdução de duas novas dicotomias (branco/vermelho e preto/vermelho) ao arsenal simbólico disponível ao processo de criação cultural.
Victor Turner nos apresenta um ensaio sobre a classificação das cores no ritual Ndembu [9], sociedade que tem termos primários unicamente para branco, preto e vermelho. documentando, ainda que de forma superficial, uma série de sistemas rituais que fazem uso desta mesma tríade, portanto correspondentes ao Estágio TBC em que concentramos a nossa atenção no momento, razão pela qual nos deteremos por algum tempo à uma descrição sistemática de seus dados etnográficos com vias de melhor explicitar os argumentos de Sahlins [10].
Turner afirma que as formas de dualismo que encontrou em suas investigações do simbolismo ritual Ndembu estavam, na verdade, contidas em um modo de classificação mais amplo, de caráter tripartido. Esta forma de classificação está relacionada com as cores branco, vermelho e preto.
Embora o fato de elementos brancos e vermelhos serem usados com muita freqüência na ornamentação ritual sugerisse que apenas estas cores eram ritualmente significativas, Turner percebeu que os valores simbólicos destas duas não podem ser polarizados. Apesar de ambas se oporem em certas situações, cada uma delas pode representar o mesmo objeto, como o mesmo sexo, por exemplo, de forma que seus significados se interpenetram. Neste sistema de classificação existe um terceiro elemento, a cor negra, oposto tanto ao branco quanto ao vermelho.
Na cosmologia Ndembu, o significado destas três cores é relacionado ao mistério dos três rios. Este mistério faz parte dos ensinamentos secretos de ritos de circuncisão e de confraria funerária. Estes rios - o rio da alvura, do rubor e do negro - têm a nascente comum em Deus e permeiam todo o universo de fenômenos sensoriais com suas características especificas. A cor de um objeto é a evidência de que contém aquele principio do ser, de forma que uma coisa adquire sua significação ritual a partir da cor que possui.
A etnografia de Turner é uma boa analise do que as cores significam em uma sociedade, afinal, como diz Sahlins: “elas não significam fichas de Munsell” [11].
Turner reúne o que seus informantes aprenderam, através de ritos de vários tipos, sobre os significados destas três cores. O vermelho representa diversas categorias de sangue que agem para o bem e para o mal: sangue de animais derramado pelo caçador, sangue de parturição e menstruação, sangue do assassinato e da bruxaria. O branco representa a bondade, saúde, pureza, alimentação, generosidade, autoridade, vida, entre uma série de outras características positivas. Já o negro representa maldade, sofrimento, doença, bruxaria, morte (às vezes representa a “morte” de uma situação indesejável).
Estes significados atribuídos ao branco e ao negro mostram que estes podem ser colocados em uma série de pares antitéticos. Desta forma, ao abstrair os contextos rituais e sociais, o branco e o negro se configuram como oposição, enquanto que nos ritos o branco aparece freqüentemente em par com o vermelho.
O negro é freqüentemente negligenciado nos rituais, o que Turner considera como resultado de seus significados negativos, já que o uso de um símbolo negro no ritual equivaleria, na concepção Ndembu, a evocar a morte, a esterilidade e a bruxaria. Quando se desenvolve uma classificação bipartida entre o branco e o vermelho, com ausência do negro, o vermelho pode vir a assumir atributos do negro. Assim quando a classificação tripartite cede lugar a uma classificação binária, o vermelho pode se configurar não apenas como complemento, mas também como antítese do branco. Segundo Turner, faz parte da essência da polaridade que qualidades contrárias sejam atribuídas aos dois pólos.
Embora Sahlins tenha descrito o Estágio II da TBC com a presença de duas novas díades no conjunto estrutural: vermelho versus branco e vermelho versos preto, Turner não reconhece diretamente esta última. Apesar de descrever o branco e o preto como pares antitético e o vermelho e o branco como sistema binário, não o faz em relação ao que seria a díade preto versus vermelho.
Nos casos em que o branco e o vermelho são complementares, diz Turner: “provavelmente estamos diante de uma relação triádica em que o negro é “membro nulo” [12]. No entanto, a negligencia do negro nos rituais, como já foi discutida a cima, não significa sua ausência no pensamento. “O branco e o vermelho emparelhados, sob distintos aspectos do masculino e do feminino, da paz e da guerra, do leite e da carne, são conjuntamente a “vida” (wumi); ambos se opõem ao negro, enquanto morte e negatividade” [13]. Nos estágios III (“a” e “b”), IV (“a” e “b”) e V [14], temos esta tripartite reinventada como um sistema quaternário com a introdução das cores verde, amarelo e azul. As quatro tonalidade denonimadas Urfaben (azul, vermelho, amarelo e verde) se relacionam através de um processo continuo de oposição e assemelhação, “Cada uma delas se opõe, experiencialmente, a seu próprio próprio complemento: o vermelho não pode coexistir com o verde no mesmo percepto, nem o amarelo com o azul. Cada um, no entanto, requer seu complemento mediante u contraste simultâneo no espaço adjacente, ou uma pós-imagem sucessiva. Cada uma das quatro cores “primitivas”, por conseguinte, só pode misturar-se visualmente com duas das três restantes (...) o vermelho, por exemplo, se assemelha-se ao amarelo na oposição ao verde (e ao azul), ou ao azul na oposição ao amarelo (e ao verde).”[15].
Uma grande gama de exemplos práticos de derivações culturais deste estágios podem ser pensadas a partir das mais ordinárias relações, como o sinal de trânsito (verde, amarelo e vermelho), representações simbólicas de saúde (vermelho rosado) e doença (verde ou amarelo), para ficarmos apenas nas mais obvias e acessiveis citadas no texto original.
O autor reserva-se o direito de encerrar neste ponto da escala TBC sua (re)interpretação da mesma, uma vez que parece considerar consolidado a sua hipotese de que “em si mesmas, essas estruturas perceptuais são desprovidas de significado, são meras combinatórias formais de oposição e correlação. Como tais, são apenas a matéria-prima da produção cultual” [16]. Acredito que antes de continuarmos, se faz necessária uma breve pausa na argumentação do autor para incidirmos sobre as proposições teóricas de Algumas Formas Primitivas de Classificação [17], que acredito - sobretudo sob a luz de uma recente e estimulantes (re)leituras [18]- serem de extrema importância para a elucidação de nossas conclusões subseqüentes.
Como explicitei acima, ao ser informado por leituras contemporâneas da obra, tomo como sendo que a maior colaboração desta para antropologia moderna, se encontra para além de uma datada teoria sobre a determinação social das classificações, ou uma perspectiva evolucionista sobre a origem e a evolução da função classificatória, o que emerge do texto de Durkheim e Mauss é uma “sofisticada distinção descritiva e analítica da categoria 'classificação primitiva', mostrando na etnografia, algumas de suas 'formas' ou 'tipos' ” [19].
Tal conceito – utilizado aqui sem uma conotação evolucionista que terminaria por caracteriza-lo como uma etapa da evolução social e intelectual da humanidade, mas - esboçado pela dupla de autores da seguinte forma “para aqueles que designamos como primitivos, uma espécie de coisas não é apenas um objeto de conhecimento, mas corresponde antes de tudo a uma certa atitude sentimental, toda sorte de elementos afetivos concorrem para a representação que se faz dela” [20], em outros termos, podemos dizer que as classificações primitivas seriam híbridos que perpassariam concomitantemente por campos jurídicos, religiosos, estéticos, psicológicos, mágicos e assim por diante, em oposição as ditas categorias puras (ou cientificas).
Como um exemplo ilustrativo desta colocação Gonçalves pensa a tradição de estudos sobre alimentação no Brasil “de um lado um autor como Josué de Castro, estudando a alimentação do ponto de vista da “fome” ou da “nuctrição”; de outro o etnógrado Luis da Câmara Cascudo, estudando o “paladar” e suas asssociações sociais, morais e mágico-religiosas.” [21]
Tendo em vista esta noção de “classificação primitiva”, retornemos ao texto base deste estudo. Fica claro no texto de Sahlins a caracterização dos perceptos fisicos de cor enquanto categorias puras, que em si mesmas seriam desprovidas de significancia própria, no entanto, no entanto as representações possíveis para uma cor como o vermelho, apenas seriam socialmente relevantes ao serem perpassadas por toda uma sorte de elementos afetivos (ainda que informados pelas categorias naturais intrínsecas a cor). No caso da cor supra-citada, não é de se estranhar, segundo o autor, a associação do vermelho enquanto uma cor associado a sexualidade exacerbada nas sociedades ocidentais (algo bom para se pensar tendo em vista as características físicas da cor, previamente descritas neste estudo). Esta colocação abre margem para a celebre máxima da antropologia pós-Levi-strauss “é que também as cores são boas de se pensar (ou para pensar)” [22].
Finalizando todo este(ou apenas iniciando um novo) debate, Sahlins conclui que as estruturas mentais - que permitem a apreensão das cores ainda que não sejam significadas pelo aparelho humano – não se constituem em “imperativos da cultura, mas como seus implementos “ [23] opondo (mas não necessariamente) a posição de Turner. Enquanto que para este a experiência cultural básica emergiria da experiência corporal humana, para Sahlins, esta se constituiria como “um conjunto de meios e posssibilidades organizacionais à disposição da iniciativa cultural humana, que continua livre para utiliza-lo ou não.” [24], pois se não “De que outra forma explicar, na cultura, a presença de estruturas universais que, no entanto, não se acham universalmente presentes?” [25].

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domingo, 22 de março de 2015

José Maria Dias da Cruz - sem título - o/s/t - 2015


Josá Maria Dias da Cruz - sem título - o/s/t - 50 x 60 cm - 2015


José Maria Dias da Cruz - Sem título- o/s/t - 50 x 60 cm - 2015


Bernardo Magina - Marginalidade do artista



Marginalidade do artista

 A assemblage “Marginalidade do Artista”, de José Maria Dias da Cruz, é um trabalho fundador. Coloca-se como base para que outros artistas possam enriquecer e fortalecer suas pesquisas. Só poderia ter sido feito por um autêntico professor.
 Primeiramente, ele prega uma interdisciplinaridade em suas investigações que passa pela filosofia, pela ciência, pela teologia, mas que tem seu centro no campo da arte, não se restringindo à Pintura, mas criando um elo com a poesia. Deste modo, evita conclusões que ditem regras e leis, formulando proposições àqueles que de algum modo compões seus trabalhos artísticos através de uma visualidade. Isto é essencial para o caráter de inovação intrínseco às artes. Não se pretende apenas operar a sabedoria do olhar, principalmente em relação às cores, objeto de estudo de José Maria durante sua longa carreira, como se fosse uma ferramenta disponível de um software. Assim se fez durante muito tempo com os estudos newtonianos acerca da cor que resultaram no círculo cromático tradicional. Este é assertivo, não admite variações e questionamentos por parte da prática. São decorados por aqueles que os utilizam e seguidos como uma tabela, as cores ali poderiam ser substituídas por números, ali há regras de uso.
  O professor, nesta assemblage e em outras que desbrava este campo, prefere se colocar à margem de um conhecimento dado como pronto e inquestionável. Volta a Cezanne e a Leonardo neste trabalho, mas sabe-se que muitos outros coloristas como Poussin, Ticiano, De Chirico, Diebenkorn e Oiticica não utilizam as cores como uma ferramenta para preencher formas.  Tratam-nas através de suas próprias percepções e só assim é possível estudá-las, visto que na natureza não há supremacia das formas sobre as cores ou vice-versa, elas convivem em um grande bailado diante de nossas retinas.
  O rompimento do tom: a passagem de uma cor em direção a uma oposta é um fenômeno que só pode ser apreendido através da observação da natureza. Ou seja, é preciso tempo. Esta e outras questões analisadas são pensamentos que servem como base para que outros artistas contemporâneos, seja qual for o meio utilizado por eles, possam pensar a composição de seus respectivos trabalhos.
  José Maria se depara com os enigmas do olhar sem o intuito de resolvê-los, mas visando lidar com eles. Em outras assemblages, ele usa palavras como clave, matiz, valor, tom e acordes que remetem aos estudos musicais. O músico pode até ser um excelente teórico, mas as composições não precisam ser feitas somente seguindo os princípios estudados. Quanto mais conhecimento o artista tiver acerca do repertório disponível, melhor para ele.
 Há um fenômeno visual que José Maria nomeia de Recorrência Pressentida que é uma questão rítmica. É uma indução que influencia o artista visual para que a partir de uma tonalidade depositada sobre a superfície, crie-se uma lógica espacial. Isso não influencia no tema ou na maneira que este é tratado na obra. Continuando a analogia com a música, é como se Miles Davis ao tocar uma primeira nota em um improviso de jazz, logo soubesse a próxima que está por vir. Outro exemplo: é possível perceber quando a bateria de uma escola de samba atravessa a canção e prejudica a execução. Não à toa, seus integrantes são chamados de ritmistas. É válido ressaltar que é possível sair do script se isso for feito de forma intencional como nas paradinhas.
  Ou seja, o artista visual não precisa mais criar, como no academicismo, de acordo com regras, mas se tiver noção de que há uma pesquisa visual de muitos anos que pode servir para qualquer (des)construção nos dias de hoje, ele pode empoderar suas obras. A própria assemblage de José Maria é um exemplo de como um trabalho contemporâneo que mistura literatura com pintura pode se valer deste conhecimento por ela trazido à tona. Sua pesquisa é um presente para outros artistas.

Bernardo Magina – Rio - 2015

José Maria Dias da Cruz - o/s/t - 60 x 60 cm - 2015


José Maria Dias da Cruz - sem título - o/s/t - 50 x 60 cm 2015


JM Dias da Cruz - sem título - o/s/t - 50 x 60 cm - 2015