domingo, 22 de março de 2015

Bernardo Magina - Marginalidade do artista



Marginalidade do artista

 A assemblage “Marginalidade do Artista”, de José Maria Dias da Cruz, é um trabalho fundador. Coloca-se como base para que outros artistas possam enriquecer e fortalecer suas pesquisas. Só poderia ter sido feito por um autêntico professor.
 Primeiramente, ele prega uma interdisciplinaridade em suas investigações que passa pela filosofia, pela ciência, pela teologia, mas que tem seu centro no campo da arte, não se restringindo à Pintura, mas criando um elo com a poesia. Deste modo, evita conclusões que ditem regras e leis, formulando proposições àqueles que de algum modo compões seus trabalhos artísticos através de uma visualidade. Isto é essencial para o caráter de inovação intrínseco às artes. Não se pretende apenas operar a sabedoria do olhar, principalmente em relação às cores, objeto de estudo de José Maria durante sua longa carreira, como se fosse uma ferramenta disponível de um software. Assim se fez durante muito tempo com os estudos newtonianos acerca da cor que resultaram no círculo cromático tradicional. Este é assertivo, não admite variações e questionamentos por parte da prática. São decorados por aqueles que os utilizam e seguidos como uma tabela, as cores ali poderiam ser substituídas por números, ali há regras de uso.
  O professor, nesta assemblage e em outras que desbrava este campo, prefere se colocar à margem de um conhecimento dado como pronto e inquestionável. Volta a Cezanne e a Leonardo neste trabalho, mas sabe-se que muitos outros coloristas como Poussin, Ticiano, De Chirico, Diebenkorn e Oiticica não utilizam as cores como uma ferramenta para preencher formas.  Tratam-nas através de suas próprias percepções e só assim é possível estudá-las, visto que na natureza não há supremacia das formas sobre as cores ou vice-versa, elas convivem em um grande bailado diante de nossas retinas.
  O rompimento do tom: a passagem de uma cor em direção a uma oposta é um fenômeno que só pode ser apreendido através da observação da natureza. Ou seja, é preciso tempo. Esta e outras questões analisadas são pensamentos que servem como base para que outros artistas contemporâneos, seja qual for o meio utilizado por eles, possam pensar a composição de seus respectivos trabalhos.
  José Maria se depara com os enigmas do olhar sem o intuito de resolvê-los, mas visando lidar com eles. Em outras assemblages, ele usa palavras como clave, matiz, valor, tom e acordes que remetem aos estudos musicais. O músico pode até ser um excelente teórico, mas as composições não precisam ser feitas somente seguindo os princípios estudados. Quanto mais conhecimento o artista tiver acerca do repertório disponível, melhor para ele.
 Há um fenômeno visual que José Maria nomeia de Recorrência Pressentida que é uma questão rítmica. É uma indução que influencia o artista visual para que a partir de uma tonalidade depositada sobre a superfície, crie-se uma lógica espacial. Isso não influencia no tema ou na maneira que este é tratado na obra. Continuando a analogia com a música, é como se Miles Davis ao tocar uma primeira nota em um improviso de jazz, logo soubesse a próxima que está por vir. Outro exemplo: é possível perceber quando a bateria de uma escola de samba atravessa a canção e prejudica a execução. Não à toa, seus integrantes são chamados de ritmistas. É válido ressaltar que é possível sair do script se isso for feito de forma intencional como nas paradinhas.
  Ou seja, o artista visual não precisa mais criar, como no academicismo, de acordo com regras, mas se tiver noção de que há uma pesquisa visual de muitos anos que pode servir para qualquer (des)construção nos dias de hoje, ele pode empoderar suas obras. A própria assemblage de José Maria é um exemplo de como um trabalho contemporâneo que mistura literatura com pintura pode se valer deste conhecimento por ela trazido à tona. Sua pesquisa é um presente para outros artistas.

Bernardo Magina – Rio - 2015

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