Escalas cromáticas,
quantidades.
Para Leonardo são
seis as cores simples, muito embora, diz
ele, os filósofos não considerem nem o branco e nem o preto como
cores, pois segundo eles, uma é a totalidade delas e outra a
ausência.
As cores simples, então, segundo Leonardo, são seis e obedecem
a uma ordem: a primeira, o branco para as luzes; a segunda, o
amarelo; a terceira, o verde; a quarta, o azul; a quinta, o
vermelho;
e a sexta, o preto para as sombras. Fala assim de uma passagem
gradativa, com uma ordem, entre um claro e um escuro passando
por valores cromáticos.
Nas passagens dos
diversos intervalos há uma relação que é
sempre a mesma. Somos levados a pensar quantitativamente, na
medida em que se estabelece uma noção de ritmo baseado em uma
recorrência pressentida. Em uma escala com seis intervalos temos
que o primeiro é mais claro que o segundo, na mesma medida em
que o segundo é mais claro que o terceiro, etc.
Se considerarmos
as cores concretas adjetivas, e também
livres do poder das palavras, teremos vários claros, vários
amarelados,
esverdeados, azulados, avermelhados e escuros. Serão quase
infinitas as escalas que poderíamos construir. O que vale dizer,
são
quase infinitos também os coloridos. Para nós, homens, apenas
uma fração deles nos é dada à percepção.
O pensamento plástico
Falamos
anteriormente de um pensamento plástico. Podemos
constatar um conflito entre o discurso verbal e a percepção
visual. O filósofo Mário Guerreiro indaga se “devemos concordar
com a ideia de que o percebido só se faz passando pelo crivo da
nomeação, como se a linguagem estivesse filtrando a percepção,
canalizando-a no sentido de só poder captar certos padrões em
detrimento de outros.” Digo que o pintor tem que lidar com as
duas abordagens das cores. Mas, pensando plasticamente, não faz
sentido a nomeação. Por exemplo, um terra de sombra queimada,
um vermelho de cádmio claro, um magenta, um castanho, um rosa
claro são todos avermelhados. E, assim, plasticamente os diversos
azulados, amarelados e esverdeados e os claros e escuros, as cores
simples de Leonardo além dos brancos e pretos.
Se observarmos,
lado a lado, dois vermelhos e dois verdes,
notaremos, tanto nos primeiros como nos segundos, desvios para
os amarelados ou azulados. Se repetirmos a experiência com dois
amarelos e dois azuis, notaremos que ambos os pares se desviam
para os avermelhados ou esverdeados. Dessa forma não mais
precisamos
nomear as cores a partir de seus específicos matizes. Um
magenta será para nós um vermelho-azulado, um terra de sena
queimada, um vermelho-amarelado. E o mesmo para os diversos
amarelos ou azulados. Nossa percepção ficará, se livre das
nomeações,
mais aguçada. Para fins práticos podemos construir um
diagrama em quadrantes a partir dessas simples percepções que
poderão representar vários coloridos. Abole-se, portanto, um
círculo
cromático absoluto, ficamos mais livres para observarmos as
sutilezas cromáticas de Cézanne e notamos sua singularidade face
a seus contemporâneos.
Há ainda os
contrastes simultâneos. Uma mesma cor pode
ter inumeráveis tonalidades conforme aquelas de suas vizinhas, a
qualidade da luz, os rompimentos contínuos, etc. Assim poderemos
dizer que, plasticamente, temos os claros, os escuros, os
avermelhados,
os esverdeados, os amarelados e os azulados – as cores
simples de Leonardo. Claro, um pensamento plástico não elimina
para o pintor o pensamento verbal. Ele tem que saber como lidar
com os dois. E certamente com outros, como o pré-lógico, o táctil,
o auditivo, o mágico, etc.
Nomes
Um trecho de uma
crônica de Manuel Antônio de Almeida,
denominada “Nome”, pode nos propor algumas reflexões, por isso
transcrevo-o.
“Dizem
os gramáticos, gente detestável nestes tempos de
discordâncias,
que o nome é uma voz com que se dá a
conhecer
as coisas. Quando nos tempos de colégio minha
memória,
rebelde às exigências do decurião, recusava
guardar
no seu arquivo esta triste definição, é que meu
espírito,
agora o conheço, pressentia-lhe já todo o absurdo
e
falsidade. Nunca em verdade uma mentira tão grande se
escreveu
em letra redonda.
Aquilo
que as coisas menos se dão a conhecer é pelo seu
nome.
O nome é hoje, e não sei se o deixou de ser em
algum
tempo, a primeira mentira de todas as coisas: é
como
o cunho do pecado original impresso sobre tudo
que
existe. A tradição da torre de Babel parece-me errada
até
certo ponto; o que ali se confundiu não foram as
línguas, foram os nomes das
coisas.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário