10 - Elasmovisor
As plataformas continentais, os bancos
oceânicos e as fossas abissais com profundidade
de cerca de 10.000 m constituem em conjunto
uma pequena porção do fundo do oceano. A
maior parte deste fundo é a planície abissal, cuja
profundidade varia entre 4.000 e 6.000 m
(REVELLE). A denominação “abissal” é indício de
quanto estas profundidades impressionam ao ser
humano. “Abismo” significa, entre outras coisas,
“tudo que é insondável, misterioso, assombroso”
(Houaiss & VILLAR). No entanto, o aspecto “abissal”
do oceano é uma impressão subjetiva do ser
humano, uma impressão que não corresponde
com a realidade objetiva. Na verdade a extensão
vertical do oceano é pequena, tanto relativamente
como em termos absolutos.
Tomando-se 5.000 m como a
profundidade da planície abissal do oceano, dois
cálculos revelam quão pequena é esta
profundidade em relação com a extensão
horizontal do oceano. A distância entre a costa
nordeste do Brasil e o continente da África é de
cerca de 5.000 km. Tomando-se esta cifra como
medida da largura do Oceano Atlântico, constatase
que a profundidade da planície abissal é cerca
de 0,1% da largura deste oceano. O Oceano
Atlântico tem as proporções de uma lâmina
retangular com largura de 1 m e espessura de 1
mm.
No equador, a circunferência da Terra
é de 360 graus de longitude, e um minuto de um
grau de longitude é aproximadamente 1,852 km
(BARETTA-BEKKER, DUURSMA & KUIPERS). Com a
expressão 360x60x1,852=2πr segundo HALE,
calcula-se que o diâmetro da Terra no equador é
cerca de 13.000 km. Portanto a profundidade de
5.000 m da planície abissal é cerca de 0,04% do
diâmetro da Terra. Em escala reduzida, o oceano
corresponde a uma lâmina de água de 0,4 mm
de espessura sobre a superfície de uma esfera
sólida de 1 m de diâmetro.
Distâncias verticais são experimentadas
pelo ser humano de maneira exagerada, em
comparação com distâncias horizontais da mesma
magnitude. Um penhasco com altura de 200 m, e
uma profundidade de 200 m no mar,
impressionam ao ser humano, ao passo que no
plano horizontal uma distância desta mesma
magnitude é sentida como sendo pequena,
correspondendo a uma caminhada de apenas
dois a três minutos. Na estrada asfaltada, um
trecho de 5 km é experimentado como curto,
podendo ser percorrido com um veículo
motorizado em menos de quatro minutos. Em
campo aberto, num dia claro, enxerga-se a olho
nu um edifício ou uma árvore à distância de 5.000
m, e o mesmo acontece na superfície do mar com
um navio a esta distância. Ora, o ser humano a
bordo de um barco no oceano, num dia claro,
enxergaria objetos e cardumes de peixes no
fundo da planície abissal e em toda a coluna d’água,
se esta fosse transparente e iluminada como o ar.
Então porque é que a profundidade de 5.000 m
é considerada como “abissal”, enquanto uma
distância de 5 km no plano horizontal é sentida
como pequena? Distâncias verticais, tanto em terra
Oceano pequeno
Carolus Maria Vooren
firme como no oceano, impressionam ao ser
humano não por causa da magnitude absoluta
das mesmas, mas por causa da dificuldade inerente
ao deslocar-se no plano vertical, e por causa da
magnitude das mudanças ao longo do gradiente
vertical de fatores ambientais como luminosidade,
temperatura, pressão atmosférica e hidroestática,
e intensidade do vento. Também em termos
absolutos, a distância entre a superfície do oceano
e a planície abissal é pequena. O oceano é uma
extensa porém rasa camada de água sobre a
crosta terrestre.
As forças exercidas sobre o oceano
pelos ventos, pela rotação da Terra, e pelos
campos gravitacionais do Sol e da Lua, empurram
ou puxam as águas do oceano principalmente em
direção tangencial e por isto, fazem com que o
lençol de água que é o oceano, flui sobre a crosta
terrestre. Com a visão das dimensões verdadeiras
do oceano, os fenômenos causados pela ação
destas forças são mais facilmente compreendidos.
Tais fenômenos são os correntes das marés, os
grandes correntes de superfície, e os desníveis
na superfície que dão origem aos grandes contracorrentes.
Ao mesmo tempo, o complexo sistema
de correntes que existe dentro da totalidade do
fino e curvo lençol de água que é o oceano, assume
um aspecto quase que microscópico, como se tudo
isto estivesse acontecendo dentro de um poço de
chuva. O enredo ordenado e dinamicamente
estável de tantos correntes extensos e simultâneos
dentro de tão fino lençol de água, causa admiração.
O tubarão-azul Prionace glauca possui distribuição
mundial nos oceanos temperados e tropicais, e
seu circuito migratório no Atlântico Norte abrange
todo esta porção do oceano entre as latitudes de
10o N e 47o N (VOOREN). Este tubarão é um exemplo
de um animal que se orienta dentro do raso labirinto
de correntes que é o oceano, como que dentro
de uma paisagem contínua e variada com extensão
de milhares de quilômetros.
A superestimação psicológica das
distâncias verticais explica a maneira
despreocupada e sem-cerimônia como o ser
humano deposita seu lixo no oceano. Exemplo
disto é o despejo de lixos militar e radiativo. Lixo
militar inclui explosivos, pesticidas, desfolhantes,
gás mostarda e outros materiais para a guerra
biológica e química (GESAMP, DOYLE). No final da
2a Guerra Mundial, lixo militar da Alemanha foi
despejado em grande escala nos mares da
Europa. Trinta e seis navios alemães carregados
com o total de 168 mil toneladas de material da
guerra química foram afundados a 600 m de
profundidade nas águas próximas à cidade de
Arendal, na costa sul da Noruega. O local é um
Literatura consultada:
BARETTA-BEKKER, Johanna G., Egbert K. DUURSMA & Bouwe
R. KUIPERS. 1992. Encyclopedia of Marine Sciences.
Berlin: Springer Verlag. 311p.
DOYLE, Alister 2004. Lixo de guerra no mar. Zero Hora,
Porto Alegre, 04/04/2004.
GESAMP 1976. Review of harmful substances. UN
Joint Group of Experts on the Scientific Aspects of
Marina Pollution (GESAMP), Reports and Studies No.
2, 80 p. New York: United Nations.
HALE, L.J. 1965. Biological Laboratory Data. London:
Methuen & Co. Ltd. 147 p.
HEATH, G. R., C. D. HOLLISTER, D. R. ANDERSON & M. LEINEN.
1983. Why consider subseabed disposal of high-level
radioactive wastes? In PARK, P. Kilho, Dana R. KESTER,
Iver W. DUEDALL & Bostwick H. KETCHUM (Eds.), Wastes in
the Ocean Vol. 3, Radioactive wastes in the Ocean.
New York: John Wiley & Sons p. 303-326.
HOUAISS, Antônio & Mauro de Salles VILLAR. 2002. Dicionário
Houaiss da Lingua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva.
2922 p.
NEILSOM, Robert M. Jr. & Martin W. KENDEIGH. 1983.
Analysis and evaluation of a radioactive waste package
retrieved from the Atlantic Ocean. In PARK, P. Kilho, Dana
R. KESTER, Iver W. DUEDALL & Bostwick H. KETCHUM (Eds.),
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Ocean. New York: John Wiley & Sons p. 237-268.
REVELLE, Roger 1969. The Ocean. P. 3-13 In FLANAGAN,
Denis (Ed.), The Ocean. San Francisco: W. H. Freeman
and Company.
VOOREN, Carolus Maria. 2000. Quanto tempo até que um
tubarão-azul seja capturado? Elasmovisor Junho 2000:
3-5.
dos maiores depósitos de lixo químico do mundo.
Pescadores da região têm sofrido danos
permanentes à saúde pelo contato com gás
mostarda vazado de recipientes capturados nas
suas redes, e hoje não se sabe o que será mais
perigoso: retirar este lixo daquele local, ou deixar
que o material vaze e se dilua no oceano. Tais
lixões existem também no Mar Báltico e no Mar do
Norte. Greenpeace quer a retirada deste lixo da
guerra, mas os governos europeus preferem que
o material permanece como está nos mares: o
oceano, afinal, é grande... (DOYLE). Lixo radioativo
inclui combustível servido de reatores nucleares e
material oriundo da demolição de tais reatores no
fim da sua vida útil. NEILSOM & KENDEIGH descrevem
um lixão de material radioativo que existiu no ano
de 1983 no Oceano Atlântico a apenas 190 km da
costa dos EUA, na profundidade de 2.800 m. O
material radioativo era simplesmente jogado no
fundo do oceano, acondicionado em tonéis de aço
forrados internamente com uma camada de
concreto. HEATH e co-autores recomendam que
lixo radioativo seja depositado nas regiões centrais
do oceano, fora dos principais corredores de
navegação, e em profundidades de 5.000 a 6.000
m, fora do alcance de iniciativas ilegais de
recuperação do material.
Parece que as pessoas consideram
3.000 a 6.000 m como profundidades seguras
para o despejo de lixo perigoso no oceano, mas
quando tais profundidades são projetadas no
plano horizontal, percebe-se quão pequenas elas
realmente são. Quem se sentiria seguro com um
lixão de material bélico ou radioativo em terra firma
a uma distância de apenas 5 km da sua casa? E
quantos de tais lixões existem no oceano? É difícil
saber isto, porque dados sobre estes lixões são
pouco divulgados. Os seres vivos do oceano,
desde o fitoplâncton até tubarões, baleias,
tartarugas e aves, circulam a pequenas distâncias
de tais lixões, num ambiente que ao mesmo tempo,
pelo despejo direto e pelo aporte oriundo dos rios
e da atmosfera, recebe constantemente outros
poluentes tais como petróleo, plásticos, pesticidas
e águas de esgoto.
A impressão subjetiva de que o oceano
é infinito, conduz a superestimação, tanto da
capacidade do oceano de resistir a poluição, como
da magnitude dos recursos vivos do oceano. O
oceano é um ambiente absolutamente e
estreitamente limitado, constituído por um fino lençol
de água sobre a crosta terrestre. Ao mesmo tempo,
pela constante circulação das suas águas, ele é
um sistema único e integrado. O oceano é
pequeno. É esta a visão que deve determinar
atitudes e orientar o manejo ambiental do oceano
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