Esboço para uma geometria
das cores
A forma é mais
racional que a cor, esta não permite ser racionalizada.
Mas possui uma lógica que pode ser percebida pelo
pensamento plástico.
A geometria
sempre esteve presente na pintura. A cor permitiu-
me criar conceitos básicos ou elementares para construir outros
objetos e espaços plásticos mais complexos, e o mais importante
desses conceitos básicos foi um ponto. Cézanne disse que somente
um cinza reina na natureza e alcançá-lo é de uma dificuldade
espantosa. Estudando a obra desse mestre concluí que esse cinza,
o qual denominei como sempiterno, é um ponto potencialmente
ativo. É um pré ou pós-fenômeno, contém todas as cores de um
colorido. Isso, para mim, é uma base para uma geometria das cores,
com seus respectivos lugares (topos), temporalidade, intervalos,
etc.
Mas Cézanne afirmou que a linha não existe em absoluto na
natureza.
Isso me levou a estudar o serpenteamento vinciano. Leonardo
diz que devemos observar com muito cuidado os limites de cada
objeto e o modo como serpenteiam. Substitui a linha por esse
serpenteamento,
que nos dá uma sensação de volume. Observei mais.
Afirmei que a cor abstrata é substantiva, uma ideia, subsiste por
si
só, e que a cor concreta é adjetiva, sua condição é ser no colorido.
Por essa observação entendi Cézanne quando ele se refere à
natureza
em si e a sua própria (ou a minha). Entendi que são outros níveis
de realidade, de percepção da natureza, e não uma só, com valor
absoluto. Entendi mais: uma sutil referência ao pensamento mágico,
quando Cézanne afirma que ele é a consciência da natureza.
O que não posso
admitir é quando vejo o que a maioria dos
historiadores de arte fala da geometria em Cézanne. Que um rosto
é oval e os braços cilíndricos, por exemplo. Como o próprio Argan,
quando diz que para Cézanne uma laranja era simultaneamente
uma laranja e uma esfera, pois construía o espaço considerando
as formas geométricas históricas. É de uma simplificação
irritante.
Basta ver e refletir. Cézanne modula pela cor e nunca trata uma
laranja encerrando-a em uma esfera. Os limites dos corpos
serpenteiam
e, nesse serpenteamento, o espaço plástico, que para o
mestre em um quadro era sempre uma fração do espaço, anima-se.
É-nos interditado um espaço completo, que contenha todos os
coloridos. Esse espaço fracionado não morre por uma segunda
vez, como nos advertia Leonardo – diz ele que quando transpomos
para uma superfície do suporte uma natureza viva, matamo-las
por uma primeira vez, pois ela perde sua dinâmica. Cabe ao pintor,
com sua sabedoria, evitar que morra por uma segunda vez. E aqui
tento substituir uma linha com valor absoluto por uma outra, mas
uma dinâmica, que possui uma potência, e é por esta que tanto as
figuras
como o espaço se animam.
Do livro
O cromatismo cezanneano
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