quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013
Vida, morte e natureza mortas
Cota de arquivos (primeiira estrofe)
Quem sonhará
quando meu sono
não for mais leve ou pesaddo
mas de madeira e terra?
Armando Freitas Filho - Lar - Companhia da Letras
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Sobre as Naturezas Mortas
Anteriormente a qualquer relação filosófica, sociológica, psicológica ou antropológica, a primeira referência de morte com a qual me relaciono é com a morte da própria pintura.
O ato de pintar em pleno século XXI abarca não somente o peso histórico da tradição pictórica, mas também, principalmente após o modernismo, assim como os seres perecíveis, a pintura traz consigo a sua própria morte decretada, portanto, o meu trabalho pictórico, antes de qualquer outra coisa, nada mais é que um cadáver.
“Vanitas Vanitatum memento mori”, “Vaidade das Vaidades lembra-te que morrerás”, este aforismo originou um gênero de natureza-morta que fascinava a sociedade holandesa seiscentista que, sob influência do Calvinismo, condenavam o materialismo exacerbado. Em latim, vanitas significa vaidade, no sentido de algo vão, sem valor, e não no significado atual. Os holandeses calvinistas condenavam a espetacularização, a pompa e o luxo exacerbado, portanto contrários às manifestações da estética Barroca incorporada pela Contra-Reforma.
O pesquisador José Antonio Maravall analisa a cultura barroca, como sendo a primeira manifestação da idade moderna que se serve de recursos de ação massiva. O espetáculo cênico, as políticas de repressão dos Estados, os recursos de imprensa, inúmeros foram os mecanismos a serviço da dominação das massas.
As pinturas de gênero Vanitas, assim como a arte do período Barroco, possuem uma estreita relação com os cinco sentidos. O tato, o paladar, a visão, a audição e o olfato foram potencializados e estimados nas naturezas mortas barrocas com o intuito de valorizar moralmente a sensorialidade.
Esse sistema espetacularizado e hipersensibilizante do período barroco, pode ser relacionado ao período atual. Os excessos da cultura massificada contemporânea muito se assemelham aos artifícios de dominação utilizados pelos governantes do século XVII, porém, o espetáculo do hodierno satura os sentidos em prol do consumo exacerbado.
Bombardeados por uma cultura de excessos, que suprime de forma alienante a nossa sensibilidade, encontramo-nos como cadáveres andantes, transportamos nosso corpo inerte para aonde o signo do consumo nos envia. Absorvemos uma hiper-realidade falsária, as cores, as texturas dos outdoors, os hambúrgueres hiper-suculentos, os efeitos especiais, os (super)mercados, tudo aparece dramatizado e amplificado espetacularmente. O objeto hipertrofiado inflado de representações ilusórias ínsita o desejo de consumo dos indivíduos, que iludidos desejam, não somente o objeto e sua utilidade, mas sim a simulação da felicidade, o prazer, o status, que falsariamente ele exprime. “[...] os homens da opulência não se encontram rodeados, como sempre acontecera, por outros homens, mas mais por objetos [...] Como a criança-lobo se torna lobo à força de com eles viver, também nós, pouco a pouco nos tornamos funcionais.” Assim, imersos neste sistema de simulacros, consumindo os objetos ficcionais e superficiais seguimos fundando a nossa pseudo-existência e pouco a pouco nos tornamos vazios e inumanos como os objetos, vazios da existência humana, nos tornamos naturezas mortas.
Marcel Diogo
1. MARX,Karl. Introduction à la Critique de l’Économie Politique. Paris:Èditions Sociales, 1957.
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Como se houvesse na ocupação do pintor uma urgência que excede qualquer outra urgência.
Ele aí está. forte ou fraco na vida, porém soberano incontestável na sua ruminação
do munao, sem outra "técnica" a não ser a que seus olhos e suas mãos se
dão, à força de ver, à força de pintar, obstinado em tirar, desse mundo onde soam
os escândalos e as glórias da História, telas que quase nada acrescentarão às CÓleras
nem: às esperanças dos homens, e ninguém murmura. Que ciência secreta é,
pois, essa que ele tem ou procura? Essa dimensão segundo a qual Van Gogh quer
ir "mais longe"? Esse fundamental da pintura, e quiçá de toda a cultura ?
O Olho e o espírito - Merlaeu-Ponty - Os pensadores - Abril cultural
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