Sobre o centro - Degas e Klee
Conheço o diagrama cromático de Klee há anos, mas só
agora me apercebi de outros desdobramentos que aumentam sua
complexidade. Será sua estrutura topológica? Creio que sim. Há
deformações e transformações contínuas tanto como em Cézanne,
mas dentro de outra abordagem. No diagrama elaborado por Klee
há um eixo vertical para os brancos e pretos, e suas gradações, e em
torno dele, uma circularidade cromática baseada nas cores por ele
consideradas primárias, o azul ou ciano, vermelho ou magenta e
amarelo, onde fim e começo se encontram e se interpenetram por
uma circularidade dinâmica, gerando as secundárias laranja, verde
e violeta. Não percebia sua dinâmica porque Klee não conseguiu se
livrar dos conceitos de cores primárias e do cinza neutro, os quais
descartei. E, também, não explorou o fenômeno do rompimento
do tom e nem de um certo cinza, como Cézanne. Cito o aforismo
de Klee: “O crepúsculo incerto do centro.” Este o coloca entre os
grandes pensadores das questões cromáticas. Diderot dizia que em
cada dez pintores há somente um colorista. Digo mais, são poucos
os pintores que, além de coloristas, são também pensadores. Afinal,
a cor é enigmática, e enfrentá-la é uma tarefa das mais complexas.
Pelas cores, Klee interroga a centralidade, e esta está também presente
em Degas como uma questão, além de cromática, de espacialidade.
(Ver figura IV).
Para irmos mais adiante vale vermos a reprodução de um
pastel do Degas. Nele uma mulher está no centro do quadro, mas
não está no centro do espaço; está tão dentro de si que talvez esteja
fora de tudo. Mas ela está iluminada, dentro da sua juventude, por
uma luz azul que não é a mesma do ambiente noturno. Será que
não nota essa outra luz? Será que a luz que lhe espreita não é aquela
que procuramos? Uma que ilumine o outro lado de nossas vaidades?
Mas há, no fundo, atrás dela, uma sombra vertical que coincide com
o eixo do quadro, sombra esta tão misteriosa... Há no pastel, ainda,
no lado direito, a mulher sentada, mais velha e mais vivida que a
olha de dentro de uma sombra com um chapéu enfeitado por um
buquê de flores estranhamente iluminado e, do lado esquerdo, uma
outra, alheia a tudo, com um chapéu também com enfeites em cores
bem contrastantes. Lá fora, o movimento apressado de passantes,
um deles, um homem com um fato preto, meio encoberto por uma
coluna, caminhando sempre para o mesmo destino de todas as
noites. O que vemos se ficarmos só com as formas perceptuais? Mas
se entrarmos nas formas estruturais afirmaremos com certeza que
realmente são vários os espaços e os tempos em várias dimensões.
Uma linha estrutural horizontal, considerando esses pontos focais
periféricos, dá aquilo que Cézanne diz que é a extensão. Diz ainda
este mestre que as verticais dão a profundidade, que, no caso do
pastel de Degas, aparecem nas colunas e, misteriosamente, no eixo
vertical central da estrutura subjacente do suporte, muito forte na
construção desse pastel.
Mas voltemos aos adornos femininos. Eles se parecem com
esses pontos focais periféricos que dão à mulher de azul uma posição
como a de um “crepúsculo incerto do centro.” Das formas
estruturais passamos, quase sem sentir, para as formas poéticas.
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