domingo, 3 de fevereiro de 2013

Poussin e Caravaggio



Anotações –  Um quadro de Poussin



Estou discutindo com amigos essa quadro do Poussin. São coisas pertinentes, ainda hoje, e como epígrafe seguem uns versos do Armando Freitas Filho:

1 VII 98
Amanhece. O céu se esclarece
mas não resolve o noite
que ainda não largou o mar.

Impressionante esse quadro (ver quadro nesta página), a estrutura formal, cromática e narrativa em perfeito
equilíbrio. A figura da virgem tem um manto azul, o caimento da veste sobre o
peito é um rompimento deste azul, um tom mais amarelado, portanto. A roupa
da virgem é um rompimento de vermelho que cria uma instabilidade e reversibilidade, pois ficamos sem saber quando aquela veste sobre o peito deixa de ser amarelada e passa a ser esverdeada, mas está lá toda uma unidade cromática, isto é, os pares avermelhado esverdeado e amarelado azulado prenunciando o cinza sempiterno e o surgimento de todo um colorido. Há a condição da cor sendo dentro de um colorido que nunca nos permite saber quando ela é ela mesma, mas há, também, um constante confronto com as cores abstratas substantivas, que subsistem por si só.
Na figura feminina à direita outra unidade cromática, outro colorido, diferente em seu aspecto, mas com a mesma estrutura cromática do da virgem e o que os une é uma lógica cromática, e falamos aqui em qualidades. O quadro se organiza com diversas unidades. Estas unidades são acordes cromáticos imperfeitos, isto é tendem para o infinito. E há os claros e escuros, e a passagem entre eles se faz pelos mesmos cinzas sempiternos. A imagem de Cristo nos dá, virtualmente, uma consciência desse cinza sempiterno (percebe-se bem, os tons avermelhados e esverdeados) e é ele, o cinza, que organiza o quadro, ou seja, uma infinidade de acordes cromáticos que nos mostram as cores simultaneamente entre o permanente e o transitório, entre o agora e o além, e os serpenteamentos, um ponto que se desloca pelo espaço animando-o e possibilitando-nos um olhar desmedido. Há um tempo de vida e há um tempo de morte, ou, uma seqüência infinita entre vida, morte e ressurreição. E é impressionante a convivência de várias geometrias, como a euclidiana, a das medidas (as modulações são exatas), a topologia, (o véu que cobre a cabeça da mulher que segura a mão de cristo parece com uma
representação de uma fita de Moebius) os fractais (pela possibilidade dos serpenteamentos e do cinzas sempiternos entre as várias unidades cromáticas) e por aí vai. Observe-se que a sombra do véu dessa mulher desce e passa para uma tonalidade oposta – um tom esverdeado – e cria um espaço plástico multidimensional que nos possibilita ver um entrelaçamento de mãos (a dessa mulher e a do Cristo). São muitos os intervalos, passagens, dimensões...
E temos ainda que responder essa afirmação tão desconcertante do Poussin:
"Caravaggio foi posto no mundo para acabar com a pintura."
Caravaggio era também genial. Aquela Natureza Morta, que está em Milão! O espaço é frontal, há uma linha de terra, e por ela Caravaggio cria uma consciência de um espaço plástico ortogonal e planar, este que tanto inquietou Mondrian.

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