terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Pedro Rocha Lima




Pedro Rocha Lima

Psiquiatra, Analista Junguiano e Homeopata

Resumo

O artigo estabelece relações entre o pensamento newtoniano e a Física Quântica, caos, cosmo e fractais. Nesse contexto, localiza a relação entre obras de arte e seu espectador, enquanto possibilidade de morte e renascimento, situando o universo de fractais, que se renovam, como um manancial de criatividade no inconsciente coletivo.

FRACTAIS: UNIDADES ARQUETÍPICAS DO CAOS?

"Hesitar como a cachoeira, que ainda hesita ao precipitar-se...

"(Nietzche, em Assim falou Zaratrusta)

O termo fractal foi cunhado em 1975, por Benpôt Mandelbrot, um dos pioneiros da então emergente ciência do caos.

Mandelbrolt precisava de um termo para expressar seus conceitos sobre forma e dimensões . Seu filho retornava da escola e Mandrelbrot, folheando um dicionário de latim, esbarrou mo termo fractus – do verbo frangere (fraturar) – daí, concluiu: fractal, isto é, algo que se origina de uma estrutura que se quebra, se desfaz: nuvens, por exemplo, um rio que se precipita em cachoeira, um fluxo de trânsito que se congestiona, uma bolsa de valores que se desestruturam em crise, um ego que se dissipa ou cinde diante de conteúdos inconscientes, terremotos, maremotos... Enfim, são inúmeros os exemplos de situações caóticas (ou não lineares ou instáveis) que poderíamos enumerar.

A ciência clássica desde sempre manifestou um quase horror aos fenômenos. Físicos (experimentação e matemáticos (teoria) têm como primado: "Quanto dura? Qual o tamanho?"

Desde sempre a ciência ocidental procurou desvendar os segredos da natureza para então de apossar-se e controlá-la para usá-la sob seus propósitos, nem sempre ecologicamente defensáveis; já agora o pensamento científico, principalmente através da intuição, inaugura e desbrava um obscuro setor da natureza, inaugura-se uma nova dependência na evolução histórica do saber: o caos determinístico.

A natureza, uma vez surpreendida em seus "mistérios", torna-se refém dos mais diversos propósitos do homem. Na China e no Japão, entende-se natureza como "o que existe por si mesmo", isto é, algo cuja identidade dá-se "por si mesmo".

O homem ao "conquistar" a natureza não estabelece um "encontro", no sentido existencial do termo, ao contrário, o faz de forma invasiva, predatória; enfim, nada ecológica.

O advento do caos determinístico, que de início encontrou forte resistência no meio acadêmico mundial, poderá ensejar uma postura menos onipotente e mais amistosa do homem face à natureza.
Dizia Noël Rosa: No século do progresso, o revólver teve ingresso para acabar com a valentia." (a valentia do malandro, à época, era a navalha, de preferência Soligem, alemã...)

Parodiando o sambista, poderíamos enumerar os "ingressos" que têm ocorrido na história da ciência: a soberania do tempo absoluto das leis de Newton cedeu lugar à relatividade (espaço/tempo). Posteriormente a Física Quântica chega para desfazer, no nível subatômico, a diferença absoluta entre sujeito e objeto. (a natureza – também atômica – do instrumento que mede interfere na evolução e aferição do fenômeno observado. A própria linguagem convencional, instrumento adequado à comunicação de fenômenos macro físicos (newtonianos) mostra-se ineficaz quando se trata de descrever, relatar fenômenos quânticos (subatômicos), onde a incerteza é o apanágio.

Por último, mas não o derradeiro, a emergente ciência do caos destrona a pretendida e aspirada precisão laplaciana da mecânica celeste. Diz-se que Laplace, em 1773. Questionado por Napoleão onde ficava Deus, em suas abordagens das perturbações do sistema solar pelas influências interplanetárias teria respondido: "Sir, não precisei desta hipótese..." Mas tarde Einstein diria: ‘Deus é sutil, mas não malicioso".

Mas porque tudo isso em uma revista de arte terapia? Vejamos: a psicologia junguiana embasa, de forma significativa, a psicologia transpessoal e esta, por sua vez, cresce na vertente dita holística e, exatamente, a holística vai abranger todas as diferenças, inclusive as ditas caóticas.

No momento em que os "hardwares" parecem superar os "softwares" somos todos remetidos à reflexão: continente maior, menor ou igual ao contigente?

Suponhamos o litoral brasileiro cuja costa se estende por cerca de 7408km, medido, digamos, através de um satélite, em determinada altitude; e suponhamos depois sucessivas medições da extensão da costa a partir de aproximações mais detalhadas ( por exemplo, com a objetiva mais potente de um microscópio); reentrâncias etc., até chegar às cadeias de moléculas, farão com que a extensão supra se estenda-se para o infinito, enquanto a superfície quadrada se mantém a mesma. Do mesmo modo, estima-se que os alvéolos pulmonares do homem ocupem uma área superior a de uma quadra de tênis. Suponhamos um pedágio de estrada da ordem de R$1,09: ao término de um fim de semana, a fração aumentará significativamente a cifra total recolhida.

Consideremos agora o binômio continente/contigente em função da obra de arte.
O continente (tela, por exemplo) ao ser contemplada, por um instante, absorve e anula todo o contigente de possibilidades oferecidas pela realidade do real, inclusive do contemplador envolvido pelo fascínio e êxtase. Quando tal acontece, a obra de arte afirma-se como tal, isto é, expressa a criatividade e causa impacto.

A partir do caos (palheta, pincéis, tintas e emoções) coordenado pelas mãos do artista emerge o cosmos impactante da obra de arte, que encontra um depositário adequado onde se processa, por um instante, a anulação da diferença entre continente e contigente o que, segundo o princípio da termo dinâmica, é a anulação da diferença entre dois sistemas, isto é, um estado de entropia máxima, enfim, extinção da vida (por um instante, é claro, no caso da obra de arte), seguida de renascimento e êxtase... Poderíamos então, metaforicamente, dizer que o impacto da obra de arte é tal que possibilita-nos morrer e renascer, isto é, caminhar extasiadamente entre o caos e o cosmos.

A Holística procura restaurar a harmonia dinâmica e instável entre o caos e o cosmos ( ou entre o ego e o inconsciente, se quisermos falar em termos psicólogos). A vida somente pode surgir e manter-se graças à instabilidade do mundo físico (daí a importância de valorizarmos o comportamento quântico da matéria) e a prevalência do tempo irreversível ("flecha do tempo" de I. Prigogine). Sartre assim se expressava: "como nascemos um dia e morreremos um dia, nascemos e morremos todos os dias." Sabemos, hoje, que a vida se mantém à custa de um processo permanente de termogênese a nível das microcôndrias celulares, do qual resultam os radicais livres (RL) Os RL quando em excesso dão origem às várias doenças degenerativas crônicas, hoje tão bem estudadas pela medicina molecular.

Tal digressão nos ilustra que o processo de oxi-redução estrutura e desestrutura átomos de diferentes moléculas, ou seja, há um ritmo permanente do caos ao cosmo (ordenação e desordenação e vice versa, a nível de nossa própria corporeidade). Criar intuição (ou recuperar intuição significa criar uma ponte entre a ciência clássica e o caos, pois a ciência clássica com sua racionalidade (pensamento/sensação) se estarrece e não "elabora" o caos.

A natureza é muito mais holística do que o homem pode imaginar, veja-se por exemplo, a expressão "efeito borboleta" , uma metáfora cunhada por Edward Lorentz, em 29 de dezembro de 1979, em conferência na Sociedade Americana para o Progresso da Ciência. Nessa ocasião Lorentz apresentou, sob o título de "predicabity: does of a butterflly’s wings in in Brazil set off a tornado in Texas?", uma alegoria para ilustrar e relação que existe entre os dois sistemas estáveis e instáveis, onde uma determinada cadeia de eventos pode provocar determinadas crises. Pontos instáveis, onde uma determinada cadeia de eventos pode provocar determinadas crises. Pontos caóticos gêneses estão em todos os lugares: na psiquê (neurose/psicose). No trânsito (congestionamentos), na saúde (epidemias/pandemias – AIDS), no sistema imunológico (doenças auto-imunes, cancer), nas bolsas de valores ("queda" e "boom"), na natureza (alterações meteorológicas, ciclones, maremotos, etc.).

O caos é considerado determinístico por ter uma unidade primordial, que é os fractal (que lhe concede um certo grau de ordenação). Uma vez deflagrado evento caótico, o fractal tende à dissipação e mais cedo ou mais tarde 1a estabilização ("não há tempestade que sempre dure" diz, em sua visão intuitiva, o nosso Homem simples do interior quando a situação não está boa...).

A dissipação da energia caótica faz-se segundo a orientação de um "atrator estranho" (também chamado caótico). Segundo Ruelle. Uma expressão psicanaliticamente "sugestiva".

Parodiando Höderlin, o poeta alemão: "Lá onde está o caos, nasce o cosmo."

Os físicos perceberam que os computadores poderiam, com muito maior rapidez e perfeição, produzir imagens seguindo os padrões da geometria fractal. A geometria fractal ingressou nos computadores através da união de números e imagens; daí o surgimento do "Conjunto de Mandeeelbrot*. Este conjunto, pela sua beleza, tornou-se quase um logotipo do caos. Apareceu em capas de anais de congressos, bem como em publicações de engenharia – a arte através do computador. E, tanto o conjunto de Mandelbrott" como as diversas produções fractais, encerram grande beleza e fascínio estético e vêm sendo gradualmente elucidados pelos matemáticos.

A existência Humana, nos termos históricos convencionais que conhecemos, flui e processa-se a partir do estado de consciência que a ciência clássica designa de normal. Isto é, nossa biografia constrói-se a nível macrofísico, macroscópico, rígida e estruturada pelo espaço e tempo absolutos newtonianos. ; na anamneses fazemos constar; mas poderíamos dizer; "paciente newtoniamente normal, porém, quanticamente alienado..
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À própria linguagem constitui-se desta realidade dita newtoniana. No entanto existe, de forma não manifesta, outro nível de realidade microfísica, subatômica, quântica, melhor dizendo, tão real quanto a macrofísica, porém mais sutil, à qual o estado de consciência dito normal, acessa mal, ou não acessa, da mesma forma que sob a biologia molecular existe o universo da biologia molecular. O eixo metafórico da linguagem expressa, entre outras coisas, a tentativa de acesso ao mundo caótico e subatômico. Para melhor acessá-los precisamos "criar intuição", no dizer de Mitcchell Feigenbbaum, e, quando o fazemos ou isto acontece, nos vemos despojados das certezas que o nível newtoniano nos propicía; a partir daí, a incerteza, probalidade e ignorância tornam-se nossas companheiras mais íntimas; tornamos-nos meio beduínos ante a natureza. Este estado aleatório é, digamos assim, uma pálida expressão de uma situação caótica.

A consciência coletiva está, na medida que "cria intuição’, iluminando de beleza e fascínio, os caminhos que nos levam ao caos e deste ao cosmo e novamente deste aos caos, nesta maré de fractais que renovam e estimulam a criatividade do inconsciente coletivo.

*Há uma publicação, "The Beauty of Fractals ", de Heeinz-otto Peigen e Peter H. Richer – New York – Springer, 1986. Contém imagens de alta resolução do conjunto de Mandelbrot, obtidas a partir de computadores
Hotel Floph.

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