Pedro Rocha Lima
Psiquiatra, Analista Junguiano e
Homeopata
Resumo
O artigo estabelece relações
entre o pensamento newtoniano e a Física Quântica, caos, cosmo e fractais.
Nesse contexto, localiza a relação entre obras de arte e seu espectador,
enquanto possibilidade de morte e renascimento, situando o universo de
fractais, que se renovam, como um manancial de criatividade no inconsciente
coletivo.
FRACTAIS: UNIDADES ARQUETÍPICAS DO CAOS?
"Hesitar como a cachoeira, que ainda hesita ao precipitar-se...
"(Nietzche, em Assim falou
Zaratrusta)
O termo fractal foi cunhado em
1975, por Benpôt Mandelbrot, um dos pioneiros da então emergente ciência do
caos.
Mandelbrolt precisava de um termo
para expressar seus conceitos sobre forma e dimensões . Seu filho retornava da
escola e Mandrelbrot, folheando um dicionário de latim, esbarrou mo termo fractus – do verbo frangere (fraturar) –
daí, concluiu: fractal, isto é, algo que se origina de uma estrutura que se
quebra, se desfaz: nuvens, por exemplo, um rio que se precipita em cachoeira,
um fluxo de trânsito que se congestiona, uma bolsa de valores que se
desestruturam em crise, um ego que se dissipa ou cinde diante de
conteúdos inconscientes, terremotos, maremotos... Enfim, são inúmeros os
exemplos de situações caóticas (ou não lineares ou instáveis) que poderíamos
enumerar.
A ciência clássica desde sempre
manifestou um quase horror aos fenômenos. Físicos (experimentação e
matemáticos (teoria) têm como primado: "Quanto dura? Qual o tamanho?"
Desde sempre a ciência ocidental
procurou desvendar os segredos da natureza para então de apossar-se e
controlá-la para usá-la sob seus propósitos, nem sempre ecologicamente
defensáveis; já agora o pensamento científico, principalmente através da
intuição, inaugura e desbrava um obscuro setor da natureza, inaugura-se uma
nova dependência na evolução histórica do saber: o caos determinístico.
A natureza, uma vez
surpreendida em seus "mistérios", torna-se refém dos mais diversos
propósitos do homem. Na China e no Japão, entende-se natureza como "o que
existe por si mesmo", isto é, algo cuja identidade dá-se "por si
mesmo".
O homem ao "conquistar"
a natureza não estabelece um "encontro", no sentido existencial do
termo, ao contrário, o faz de forma invasiva, predatória; enfim, nada
ecológica.
O advento do caos
determinístico, que de início encontrou forte resistência no meio acadêmico
mundial, poderá ensejar uma postura menos onipotente e mais amistosa do homem
face à natureza.
Dizia Noël Rosa: No século do progresso, o revólver teve
ingresso para acabar com a valentia." (a valentia do malandro, à
época, era a navalha, de preferência Soligem, alemã...)
Parodiando o sambista, poderíamos
enumerar os "ingressos" que têm ocorrido na história da ciência: a
soberania do tempo absoluto das leis de Newton cedeu lugar à
relatividade (espaço/tempo). Posteriormente a Física Quântica chega para
desfazer, no nível subatômico, a diferença absoluta entre sujeito e objeto. (a
natureza – também atômica – do instrumento que mede interfere na evolução e
aferição do fenômeno observado. A própria linguagem convencional, instrumento
adequado à comunicação de fenômenos macro físicos (newtonianos) mostra-se
ineficaz quando se trata de descrever, relatar fenômenos quânticos
(subatômicos), onde a incerteza é o apanágio.
Por último, mas não o derradeiro,
a emergente ciência do caos destrona a pretendida e aspirada precisão laplaciana
da mecânica celeste. Diz-se que Laplace, em 1773. Questionado por Napoleão
onde ficava Deus, em suas abordagens das perturbações do sistema solar
pelas influências interplanetárias teria respondido: "Sir, não precisei desta hipótese..." Mas tarde Einstein
diria: ‘Deus é sutil, mas não
malicioso".
Mas porque tudo isso em uma
revista de arte terapia? Vejamos: a psicologia junguiana embasa, de forma
significativa, a psicologia transpessoal e esta, por sua vez, cresce na
vertente dita holística e, exatamente, a holística vai abranger todas as
diferenças, inclusive as ditas caóticas.
No momento em que os
"hardwares" parecem superar os "softwares" somos todos
remetidos à reflexão: continente maior, menor ou igual ao contigente?
Suponhamos o litoral brasileiro
cuja costa se estende por cerca de 7408km, medido, digamos, através de um
satélite, em determinada altitude; e suponhamos depois sucessivas medições da
extensão da costa a partir de aproximações mais detalhadas ( por exemplo, com a
objetiva mais potente de um microscópio); reentrâncias etc., até chegar às
cadeias de moléculas, farão com que a extensão supra se estenda-se para o
infinito, enquanto a superfície quadrada se mantém a mesma. Do mesmo modo,
estima-se que os alvéolos pulmonares do homem ocupem uma área superior a de uma
quadra de tênis. Suponhamos um pedágio de estrada da ordem de R$1,09: ao
término de um fim de semana, a fração aumentará significativamente a cifra
total recolhida.
Consideremos agora o binômio
continente/contigente em função da obra de arte.
O continente (tela, por exemplo)
ao ser contemplada, por um instante, absorve e anula todo o contigente de possibilidades
oferecidas pela realidade do real, inclusive do contemplador envolvido pelo
fascínio e êxtase. Quando tal acontece, a obra de arte afirma-se como
tal, isto é, expressa a criatividade e causa impacto.
A partir do caos (palheta,
pincéis, tintas e emoções) coordenado pelas mãos do artista emerge o cosmos
impactante da obra de arte, que encontra um depositário adequado onde se
processa, por um instante, a anulação da diferença entre continente e
contigente o que, segundo o princípio da termo dinâmica, é a anulação da
diferença entre dois sistemas, isto é, um estado de entropia máxima, enfim,
extinção da vida (por um instante, é claro, no caso da obra de arte), seguida
de renascimento e êxtase... Poderíamos então, metaforicamente, dizer que o
impacto da obra de arte é tal que possibilita-nos morrer e renascer, isto é,
caminhar extasiadamente entre o caos e o cosmos.
A Holística procura
restaurar a harmonia dinâmica e instável entre o caos e o cosmos ( ou
entre o ego e o inconsciente, se quisermos falar em termos psicólogos).
A vida somente pode surgir e manter-se graças à instabilidade do mundo físico
(daí a importância de valorizarmos o comportamento quântico da matéria) e a
prevalência do tempo irreversível ("flecha do tempo" de I.
Prigogine). Sartre assim se expressava: "como
nascemos um dia e morreremos um dia, nascemos e morremos todos os dias."
Sabemos, hoje, que a vida se mantém à custa de um processo permanente de
termogênese a nível das microcôndrias celulares, do qual resultam os radicais
livres (RL) Os RL quando em excesso dão origem às várias doenças degenerativas
crônicas, hoje tão bem estudadas pela medicina molecular.
Tal digressão nos ilustra que o
processo de oxi-redução estrutura e desestrutura átomos de diferentes
moléculas, ou seja, há um ritmo permanente do caos ao cosmo (ordenação e
desordenação e vice versa, a nível de nossa própria corporeidade). Criar
intuição (ou recuperar intuição significa criar uma ponte entre a ciência
clássica e o caos, pois a ciência clássica com sua racionalidade (pensamento/sensação)
se estarrece e não "elabora" o caos.
A natureza é muito mais holística
do que o homem pode imaginar, veja-se por exemplo, a expressão "efeito
borboleta" , uma metáfora cunhada por Edward Lorentz, em 29 de
dezembro de 1979, em conferência na Sociedade Americana para o Progresso da
Ciência. Nessa ocasião Lorentz apresentou, sob o título de "predicabity: does of a butterflly’s wings in in Brazil set off a
tornado in Texas?", uma alegoria para ilustrar e relação que existe
entre os dois sistemas estáveis e instáveis, onde uma determinada cadeia de
eventos pode provocar determinadas crises. Pontos instáveis, onde uma
determinada cadeia de eventos pode provocar determinadas crises. Pontos caóticos
gêneses estão em todos os lugares: na psiquê (neurose/psicose). No trânsito
(congestionamentos), na saúde (epidemias/pandemias – AIDS), no sistema
imunológico (doenças auto-imunes, cancer), nas bolsas de valores
("queda" e "boom"), na natureza (alterações meteorológicas,
ciclones, maremotos, etc.).
O caos é considerado
determinístico por ter uma unidade primordial, que é os fractal (que lhe
concede um certo grau de ordenação). Uma vez deflagrado evento caótico, o
fractal tende à dissipação e mais cedo ou mais tarde 1a
estabilização ("não há tempestade que sempre dure" diz, em sua visão
intuitiva, o nosso Homem simples do interior quando a situação não está
boa...).
A dissipação da energia caótica
faz-se segundo a orientação de um "atrator estranho" (também chamado
caótico). Segundo Ruelle. Uma expressão psicanaliticamente
"sugestiva".
Parodiando Höderlin, o
poeta alemão: "Lá onde está o caos,
nasce o cosmo."
Os físicos perceberam que os
computadores poderiam, com muito maior rapidez e perfeição, produzir imagens
seguindo os padrões da geometria fractal. A geometria fractal ingressou nos
computadores através da união de números e imagens; daí o surgimento do "Conjunto
de Mandeeelbrot*. Este conjunto, pela sua beleza, tornou-se quase um
logotipo do caos. Apareceu em capas de anais de congressos, bem como em
publicações de engenharia – a arte através do computador. E, tanto o conjunto
de Mandelbrott" como as diversas produções fractais, encerram grande
beleza e fascínio estético e vêm sendo gradualmente elucidados pelos
matemáticos.
A existência Humana, nos termos
históricos convencionais que conhecemos, flui e processa-se a partir do estado
de consciência que a ciência clássica designa de normal. Isto é, nossa
biografia constrói-se a nível macrofísico, macroscópico, rígida e estruturada
pelo espaço e tempo absolutos newtonianos. ; na anamneses fazemos constar; mas
poderíamos dizer; "paciente
newtoniamente normal, porém, quanticamente alienado..
.
À própria linguagem constitui-se
desta realidade dita newtoniana. No entanto existe, de forma não manifesta,
outro nível de realidade microfísica, subatômica, quântica, melhor dizendo, tão
real quanto a macrofísica, porém mais sutil, à qual o estado de consciência
dito normal, acessa mal, ou não acessa, da mesma forma que sob a biologia
molecular existe o universo da biologia molecular. O eixo metafórico da
linguagem expressa, entre outras coisas, a tentativa de acesso ao mundo caótico
e subatômico. Para melhor acessá-los precisamos "criar intuição",
no dizer de Mitcchell Feigenbbaum, e, quando o fazemos ou isto acontece, nos
vemos despojados das certezas que o nível newtoniano nos propicía; a partir
daí, a incerteza, probalidade e ignorância tornam-se nossas companheiras mais
íntimas; tornamos-nos meio beduínos ante a natureza. Este estado aleatório é, digamos
assim, uma pálida expressão de uma situação caótica.
A consciência coletiva está, na
medida que "cria intuição’, iluminando de beleza e fascínio, os caminhos
que nos levam ao caos e deste ao cosmo e novamente deste aos caos,
nesta maré de fractais que renovam e estimulam a criatividade do inconsciente
coletivo.
*Há uma publicação, "The Beauty of
Fractals ", de Heeinz-otto Peigen e Peter H. Richer – New York – Springer, 1986. Contém
imagens de alta resolução do conjunto de Mandelbrot, obtidas a partir de
computadores
Hotel Floph.
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