GRÜLP VISITA O
BRASIL
Em uma fábula
intitulada O conto da cor, escrita no início do século XX, o pensador
alemão Georg Simmel contava a saga de uma cor que, inominável, perambulava pelo
mundo em busca de si mesma. Sua dificuldade residia em jamais encontrar seu
par, encontrando abrigo – primeiro provisório e depois definitivo – na paleta
de um pintor parisiense e na opala. Poderíamos imaginar, sem muita margem de
erro, que José Maria Dias da Cruz também adotou Grülp. O pintor dedica-se
obstinadamente há alguns anos em enveredar pelos caminhos e descaminhos da cor.
Talvez devamos evitar dizer que ele enfrenta seus mistérios, na medida em que
se é razoável duvidar até que ponto as cores ainda lhe são um enigma; Seu
desafio parece outro: partindo da noção universalmente reconhecida da cor como
um valor sempre relacional, seu problema reside em inquiri-la a partir de três
aspectos: a relação entre sua presença e a forma segundo a qual se apresenta;
por extensão, como ela é capaz de gerar espaços dentro da tela conforme salta
ou se funde às suas vizinhas; e, por último, como qualquer cor (desdobrando a
lição de Cézanne) pode constituir-se simultaneamente como luz e cinza, sem que
isto a condene à escravidão do tom ou renuncie a uma vibração singular.
Esta hipótese do
cinza (o artista há anos examina um conceito formulado por ele mesmo
nomeado cinza sempiterno) traz uma série de bons desafios à superfície
da tela. Um deles, por exemplo – e, mais uma vez, dialogando com uma história
da pintura moderna – consiste em suspender, dentro dela, o lugar onde reside a
cor. Afinal ela (a cor), explicitando sua textura e, mais do que isso,
existindo como uma luminosidade cinza (desfaçamo-nos do preconceito de que o
cinza além de não ser cor é uma cor morta), estabelece um plano no qual tudo pode
ser figura ou fundo. Trata-se de, por este estratagema, colocar na
fronteira a capacidade da pintura situar-se entre literalidade e ilusão, o que
se percebe pelas transparências propositalmente dúbias criadas pelo pintor, uma
vez que elas, pela articulação dos planos, sugerem camadas interpostas, mas,
pela textura das cores, empurram-nos simultaneamente para, senão o primeiro
plano, aquele intermediário, no qual (somos tentados a pensar) Grülp montou sua
tenda.
É, portanto, tal
corporeidade da cor que pauta as obras de José. Quando insistimos no seu
necessário vínculo com uma tradição moderna, fazemos-no menos para situá-la
historicamente (apesar de todas as cores terem suas respectivas histórias e estórias)
do que para perceber como este seu virtual – sublinhe-se esta palavra,
no que ela quebra uma condição permanente, estática – cinza acaba por promover
uma coincidência indissociável entre plano pictórico e plano cromático, no qual
o deslocamento da cor do tubo para as tramas da tela espelha sua maleabilidade em reinventar-se. Como
se Grülp se decidisse por uma longa, quiçá definitiva, estada no Brasil, ao
encontrar seu par nas telas do artista.
Guilherme
Bueno
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