quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Texto Guilherme Bueno



GRÜLP VISITA O BRASIL

Em uma fábula intitulada O conto da cor, escrita no início do século XX, o pensador alemão Georg Simmel contava a saga de uma cor que, inominável, perambulava pelo mundo em busca de si mesma. Sua dificuldade residia em jamais encontrar seu par, encontrando abrigo – primeiro provisório e depois definitivo – na paleta de um pintor parisiense e na opala. Poderíamos imaginar, sem muita margem de erro, que José Maria Dias da Cruz também adotou Grülp. O pintor dedica-se obstinadamente há alguns anos em enveredar pelos caminhos e descaminhos da cor. Talvez devamos evitar dizer que ele enfrenta seus mistérios, na medida em que se é razoável duvidar até que ponto as cores ainda lhe são um enigma; Seu desafio parece outro: partindo da noção universalmente reconhecida da cor como um valor sempre relacional, seu problema reside em inquiri-la a partir de três aspectos: a relação entre sua presença e a forma segundo a qual se apresenta; por extensão, como ela é capaz de gerar espaços dentro da tela conforme salta ou se funde às suas vizinhas; e, por último, como qualquer cor (desdobrando a lição de Cézanne) pode constituir-se simultaneamente como luz e cinza, sem que isto a condene à escravidão do tom ou renuncie a uma vibração singular.

Esta hipótese do cinza (o artista há anos examina um conceito formulado por ele mesmo nomeado cinza sempiterno) traz uma série de bons desafios à superfície da tela. Um deles, por exemplo – e, mais uma vez, dialogando com uma história da pintura moderna – consiste em suspender, dentro dela, o lugar onde reside a cor. Afinal ela (a cor), explicitando sua textura e, mais do que isso, existindo como uma luminosidade cinza (desfaçamo-nos do preconceito de que o cinza além de não ser cor é uma cor morta), estabelece um plano no qual tudo pode ser figura ou fundo. Trata-se de, por este estratagema, colocar na fronteira a capacidade da pintura situar-se entre literalidade e ilusão, o que se percebe pelas transparências propositalmente dúbias criadas pelo pintor, uma vez que elas, pela articulação dos planos, sugerem camadas interpostas, mas, pela textura das cores, empurram-nos simultaneamente para, senão o primeiro plano, aquele intermediário, no qual (somos tentados a pensar) Grülp montou sua tenda.

É, portanto, tal corporeidade da cor que pauta as obras de José. Quando insistimos no seu necessário vínculo com uma tradição moderna, fazemos-no menos para situá-la historicamente (apesar de todas as cores terem suas respectivas histórias e estórias) do que para perceber como este seu virtual – sublinhe-se esta palavra, no que ela quebra uma condição permanente, estática – cinza acaba por promover uma coincidência indissociável entre plano pictórico e plano cromático, no qual o deslocamento da cor do tubo para as tramas da tela espelha sua maleabilidade em reinventar-se. Como se Grülp se decidisse por uma longa, quiçá definitiva, estada no Brasil, ao encontrar seu par nas telas do artista.

Guilherme Bueno 

 

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