COR E LINGUAGEM uma gramática das cores
Marco Giannotti
Nunca se reflete suficientemente sobre o fato de que a linguagem é
apenas simbólica, figurada, e de que jamais exprime diretamente os objetos, mas
somente por reflexos. Goethe
Já é um senso comum
afirmar que a linguagem interfere na percepção e identificação dos objetos
cromáticos ao longo da história. Porém, nosso objetivo neste ensaio consiste em
analisar como a cor no século XX passa a
ser entendida como um linguagem especifica, sujeita a regras próprias,
independente de sua utilização mimética. Desde o século XVI perdura um debate
interminável sobre a primazia da linguagem escrita sobre a linguagem visual,
bem como do desenho diante o colorido.[1] Até o século
dezoito, se uma obra representava uma paisagem, cabia ao observador narrar os
fatos observados: a história dos personagens, o que estão fazendo naquele lugar
específico, os objetos ao seu redor etc. O quadro era descrito como um
espetáculo da natureza que se desenrola diante dos nossos olhos. O aspecto
formal da composição - a disposição das cores, as relações espaciais, as
proporções - tendia a ser ocultado pela descrição realista do motivo. A obra
era analisada em função da sua capacidade de suscitar um conteúdo claro e
distinto. Os critérios de avaliação de um quadro eram literais, a pintura era
julgada conforme os critérios estabelecidos pelo escritor. Daí a famosa máxima
de Horácio: a pintura como poesia (Ut
pictura poesis)[2].
Contudo, a partir do séc. XVIII as
palavras passam a se distanciar das coisas representadas [3],
elas são interpretadas como signos que formam uma linguagem, formas de
representação. Elas não são mais vistas apenas como meios de invocar
simplesmente as coisas do mundo sensível, revelam uma singularidade tal que
devemos pensar a respeito da sua própria natureza. Este movimento, que abrangeu
todas as artes, pode ser entendido de uma maneira bastante genérica como o fim
do período clássico. Escritores começaram a pensar nas particularidades da
escrita, pintores, sobre a relação entre desenho e cor, músicos, sobre a
singularidade de cada som. Neste momento, Lessing escreve em seu Laocoonte (1766) a respeito da diferença
entre artes temporais e espaciais, ou seja, advoga a independência da pintura
(arte espacial) frente à poesia (arte temporal), quebrando a submissão da
pintura à narrativa. O pressuposto clássico de que os pintores tenham que
descrever determinadas ações também é colocado em cheque. É quando o artista se
vê livre das convenções clássicas que ele pode pensar na especificidade do seu
meio de expressão: o fato de uma pintura ser feita sempre em uma superfície
bidimensional, de que seus instrumentos básicos são desenho e cor. Os pintores
sempre tiveram consciência de trabalhar sobre uma superfície, mas a relação
entre o espaço virtual e o espaço real, bem como o compromisso com a storia, a dimensão narrativa, faziam com
que este problema fosse colocado de outra maneira. A superfície da tela não é mais vista
como um meio transparente (a janela renascentista que evoca um espaço virtual),
mas como um terreno de experimentação contínua[4].
O círculo cromático
É notável como a
utilização de esquemas geométricos
cromáticos nos tratados sobre a cor partir sec. XVIII antecipa o abstracionismo
do século XX. Em seguida, tentaremos mostrar como tais esquemas abstratos aos
poucos escapam do seu uso científico e passam a se firmar como um modo exemplar
para se refletir sobre a cor. Durante vinte anos Goethe debate as teorias
óticas de Newton acusando-o de empregar uma linguagem matemática que jamais se
adequaria ao fenômeno cromático: “números não descrevem um fenômeno” repete ele
ao longo deste anos. Entretanto, o círculo cromático newtoniano perdura em sua Doutrina das Cores. Se, por um lado,
Newton recorre ao círculo para provar uma experiência cientifica em que o
branco surge da síntese das outras cores, Goethe, ao negar esta hipótese, interpreta-o
como um fenômeno primordial, ou seja, como o próprio fundamento da sua Doutrina.
Assim como o imã é polar, positivo e negativo,
e revela uma lei até então considerada pelo autor como oculta na natureza,
o círculo demonstra uma lógica na sua disposição cromática.[5]
Para o poeta é inútil buscar uma teoria por trás dos fenômenos, pois eles
mesmos exibem os conceitos, e, ao invés
de provar uma teoria cientifica, têm um estatuto estético e espiritual.
No círculo cromático
acima feito a base da aquarela podemos
notar como Goethe se esforça em relacionar as manchas cromáticas com nossas
faculdades: razão, fantasia, entendimento e sensibilidade, e, em seguida, com
os conceitos de belo, nobre, necessário, comum, bom. A aquarela, pela sua
natureza técnica, faz com que a cor, ao ser diluída, desafie o contorno ditado
pelo desenho. Willian Turner, que chega homenagear Goethe em um de seus
quadros, busca elevar esta técnica a uma categoria artística autônoma, não mais
sendo vista como um estudo preliminar.[6]
Ao longo do sec. XIX, surge uma estética
cientifica que busca juntar a psicologia experimental, a fisiologia e a
filologia na busca de um linguagem primordial. Surge uma gramática das artes
que busca modos de representação mais sintéticos e abstratos. “Dotada de um
coeficiente, a cor entra em um sistema de relações combinatórias puras que a
retira definitivamente de sua relação primordial com a mimesis, realizando uma
das leis fundamentais da fisiologia, segundo a qual nos percebemos relações e
não realidades.”[7]
Na arte moderna os pintores progressivamente
se distanciam do estudo da natureza, eles não buscam mais representar a cor
local e registrar uma impressão visual no quadro, mas antes trabalhar com as
opções cromáticas que o pigmento oferece na própria palheta do pintor. Para que
este salto se efetue, o artista antes teve que abrir mão de conceitos clássicos
como a representação mimética da natureza, em busca de uma realidade interior.
A cor passa a ser vista como expressão de uma subjetividade artística. O
processo da emancipação da cor na pintura coincide com o ápice do Romantismo,
que fez com que a beleza da arte consistisse não na adequação a um modelo ou a
um cânone externo de beleza, mas na beleza da expressão, isto é na íntima
coerência das figuras artísticas com o sentimento que as anima e suscita. Como
diz Baudelaire, “o Romantismo não está na escolha do tema, nem na verdade
exata, mas na maneira de sentir” [8].
A exaltação do romantismo conduz Baudelaire a valorizar a obra de Delacroix,
que imprime em suas pinturas um colorido altamente emocional, em relação ao seu
oponente Ingres, que por sua vez privilegia o desenho e os valores neoclássicos
(bem como a contenção dos sentimentos). Segundo Gombrich, os artistas já
conheciam o potencial expressivo das formas e cores antes da teoria
expressionista (por exemplo, em Lorenzo Lotto), mas é um fato incontestável que
ela se torna uma questão dominante para os artistas modernos.[9]
Se no romantismo a
cor adquire uma tonalidade interior, no impressionismo, à medida em que a pintura é entendida como um
registro de uma percepção visual, as cores são compreendidas na maneira em que
aparecem para o sujeito. O dilema entre uma dimensão subjetiva e outra mais objetiva
torna-se evidente na dúvida de Cézanne. A valorização do aspecto expressivo das
cores mescla-se ao processo de descoberta do mundo interior do artista. Em uma
carta a Joaquim Gasquet, Cézanne nos diz: “perder a consciência, descer com a
pintura às raízes sombrias presentes nas coisas e voltar a subir com as cores
para impregná-las de luz” .9 Por outro
lado, para não cair no desvario cromático, é fundamental colocar as cores em
ordem numa composição. A mudança decisiva na carreira do artista “ocorreu no
início da década de 1870, quando Cézanne, sob a proteção de Pissarro, passou de
uma pintura sombria, com tons carregados e contrastes frequentemente violentos
(influenciados por Delacroix), para uma fatura impressionista, mais delicada,
luminosa e agradável. Com essa mudança, Cézanne libertou-se da turbulência das
paixões em seu trabalho.[10] As cores para
o artista não estão na natureza, são antes abstrações do nosso espírito.[11] Neste
processo de distanciamento em relação a “realidade exterior " o artista se
identifica muitas vezes com um ser maldito, capaz de tudo criar ou destruir no
momento seguinte. Esse processo está descrito com precisão em um conto célebre
de Balzac, Le Chef d’ouvre Inconnu -
aliás, um dos contos preferidos de Cézanne. Frenhofen é um pintor que acaba enlouquecendo ao retratar um pequeno pé feminino no meio de um amontoado de manchas, a
pintura se transforma em uma muralha abstrata, não há profundidade, apenas
tinta aplicada na superfície da tela.
Na arte moderna, a matéria pictórica torna-se
expressiva, e a escolha de determinadas técnicas já é um ato expressivo. Para
Van Gogh, pintar era uma verdadeira catarse, um jorro, uma purgação de
sentimentos; não é, contudo, um ato meramente sentimental: a presença da massa
corpórea da pintura anula qualquer devaneio, sua presença material garante esta
ambiguidade necessária, uma tensão permanente entre a cor como pigmento e
simultaneamente como emoção.[12] Por isso é
que ele nos diz que a pintura é o que permitia o adiamento de um colapso iminente.
Contudo, nos momentos insanos, o pintor chegava a ingerir a própria tinta.
Ao final do século
XIX, a introdução de corantes químicos produziu uma enorme transformação na
palheta do pintor, que passa a conter cada vez mais cores artificiais. As cores
aplicadas na pintura se distanciam cada vez mais das coisas percebidas como
coloridas, são signos que se separam das cores percebidas natureza.Se não há
mais uma medida exterior como a mimesis para guiar a prática, como encontrar
novas regras para que os artistas não entrem em devaneio? A procura por uma
composição cromática mais rigorosa fez com que o artistas se apoiassem em
teorias cromáticas como a de Goethe, Chevreul, Ostwald.[13] De fato, os
pintores abstratos iniciais adotaram uma série de círculos cromáticos, o que
permitiu a eles refletir sobre a cor como uma linguagem autônoma. O próprio
conceito mimético passa a ser entendido não como a representação de uma
natureza exterior, mas a busca por certas medidas ideais que revelariam uma
natureza oculta, ideal, suprema. Não é surpreendente que o uso desta linguagem se
baseasse em um simbolismo, e que esta linguagem tenha se tornado tão hermética.
Ivan Kleiun, no manifesto suprematista de 1919 afirma que “nossas composições
cromáticas estão sujeitas somente as leis cromáticas e não às leis da
natureza.”[14]
O que era visto como teoria torna-se motivo para uma inspiração poética.
DELAUNAY, ROBERT. Formes
circulaires, 1930. Óleo sobre tela,128.9 x 194.9 cm
Um dia, em torno de 1913, abordava o problema da essência da pintura, a
técnica mesma da cor. Chamávamos de pintura pura, enquanto fazia experiências
com discos simultâneos. O disco primitivo consistiu em um tela com cores
opostas que não tinham outra significação além do que estava visível: cores em
contraste dispostas em um círculo. Robert Delaunay.
A experiência ótica
se torna mais abstrata na medida em que o artista, ao invés de olhar para a
natureza na busca de estímulos externos, usa arbitrariamente as cores dispostas
em sua palheta e busca expressar um estado interior[15].
As cores são vistas na sua dimensão fisiológica, nos efeitos que produzem
internamente na retina do observador. É neste momento que a obra de Goethe
passa a ser discutida seriamente entre os artistas. Ao invés de descrever um comportamento
físico da luz, o círculo cromático se torna um recurso para explorar as
dimensões fisiológicas, psíquicas e espirituais da cor. Para Kandinsky, a
abstração seria o contrário de uma postura intelectualista e sim uma busca das
camadas ocultas do psiquismo: “Só num estágio avançado da evolução do homem é
que se amplia o círculo das características que incluem diferentes objetos e
seres. Nesse estágio tais objetos e seres adquirem um valor interno e,
finalmente uma ressonância interna. O mesmo ocorre com a cor que, num estágio
mais rudimentar da alma, só é capaz de produzir um efeito superficial, que
desaparece apenas terminado o estímulo...Num estágio posterior de evolução,
porém tal efeito elementar dá origem a outro, mais penetrante, que provoca um
abalo interior. Nesse caso, verifica-se o segundo resultado básico da
observação da cor, ou seja, seu efeito psíquico, que provoca uma vibração
espiritual. E a primeira força psíquica elementar torna-se então um meio
através do qual a cor chega à alma”[16] Este estado
interior precisa no entanto ser objetivado, há um “ocultamento do espírito na
matéria”. A forma é a expressão exterior de um conteúdo interior.
A viagem para países
mediterrâneos em busca da luz mescla-se a uma viagem interior de formação: Goethe
inicia sua investigação sobre a cor após ter descoberto o colorido da pintura
italiana, Paul Klee, após uma viagem a Tunísia, se encontra na cor: “a cor me
possui, bem o sei” escreve em seu diário. “ é um momento feliz, eu e a cor
somos um só. Sou pintor.” Exímio violinista, Klee, cria uma linguagem extremamente
original, uma espécie de ideograma, onde a palavra é graphein: letra, nota musical e desenho ao mesmo tempo.
- "O cinza da noite acaba de ir" (1918). Aquarela, pena e lápis sobre papel, colagem sobre cartão (22,6 x 15,8 cm). Zentrum Paul Klee, Bern
Neste poema-pintura
de Klee, a letra surge a partir de um solo cromático, a aquarela adquire uma
dimensão sinestésica, a escrita possui sonoridade, timbre e matiz
simultaneamente.[17] Ao invés de imitar, o artista busca
criar um segunda natureza. A utilização das cores um uma grade geométrica por
sua vez advém dos esquemas cromáticos descritos acima, onde a cor chega a
articular uma gramática própria. A presença de um cinza bem no meio da
composição nos faz pensar ainda nos recursos acromáticos que serão utilizados
posteriormente por Jasper Johns, discutidos um pouco mais adiante.
Os artistas
franceses[18],
advindos de uma tradição mais empírica, impressionista da cor, tomam o livro de
Chevreul como guia, um tratado menos metafísico e mais pautado na observação da
mistura ótica advinda da tapeçaria, quando, por exemplo, fios vermelhos e
verdes produzem uma sensação fisiológica de cinza. Se por um lado os neoimpressionistas,
em particular Seurat, irão buscar cada vez mais uma fundamentação cientifica
para este fenômeno, os fauves procuram uma dimensão expressionista, interior da
cor, e assumem uma postura mais as reticente frente à teoria. Como afirma um
dos seu percussores, Matisse, uma das grandes conquistas modernas foi ter
encontrado o segredo da expressão pela cor. Cor e forma articulam uma nova
linguagem.
Gramática das cores
Quando
digo, por exemplo, que tal ou tal ponto no campo é azul, não digo apenas isso,
mas igualmente que esse ponto não é verde, nem vermelho, nem amarelo. Apliquei
de uma só vez toda a escala cromática. Pela mesma razão um ponto não pode ter,
ao mesmo tempo cores diferentes.
Wittgenstein
As cores subjetivas
ou fisiológicas são as mais importantes da Doutrina
das Cores e o ponto de partida para
a análise e compreensão de toda as cores resultantes. Mas é justamente neste
ponto crucial que Wittgenstein discorda de Goethe, pois este conceito se baseia
em uma experiência fenomenológica primordial, ou seja, na busca de um fenômeno
anterior a todos os outros, que, paradoxalmente, nos leva a uma contemplação
das ideias. Ao invés de buscar um conceito único sintético para as cores,
Wittgenstein analisa as relações conceituais que elas estabelecem entre si ao
formarem uma gramática ou uma linguagem. Um azul, por exemplo, só pode ser
compreendido na medida em que sabemos que não se trata de um amarelo ou
laranja, etc. Este sistema cromático varia de cultura para cultura, de modo que
as cores só podem ser interpretadas a partir de suas diferentes práticas que se
inserem num determinado contexto. Torna-se impossível deste modo aplicar uma
teoria geral para um fenômeno tão instável como a cor. Para Wittgenstein, os
problemas fenomenológicos perduram à revelia de uma fenomenologia. [19]Goethe
como Wittgenstein escreve aforismas sobre a cor. É como se a própria linguagem
não pudesse dar conta integralmente do fenômeno cromático. Quanto se faz um
aforisma abre-se espaço para o que não está dito. Goethe, em sua Doutrina das Cores, oscila entre uma
linguagem de natureza cientifica e outra mais poética e fenomenológica, de modo
que temos a impressão que nenhuma linguagem é capaz de dar conta integralmente
dos fenômenos cromáticos. Isto porque as cores podem ser vistas tanto sob a
ótica física, como sob a artística, poética.
O que acontece
quando a nossa percepção de uma cor é desafiada pela palavra? Os fenômenos visuais
são codificados como uma linguagem, e a compreensão de uma obra parece implicar
um entendimento prévio dos códigos de cada cultura. A pintura efetivamente
parece cada vez mais falar de si mesma, de seus esquemas de representação, de
suas regras espaciais, das maneiras como podemos captar um fenômeno cromático.
Jasper Johns joga
com as ambiguidades semânticas de cada linguagem, questiona a cada instante a
maneira como estamos predispostos a olhar uma obra de arte. Isto aparece quando
nossas expectativas são de certa forma frustradas. Do ponto de vista cromático,
embora esta atitude inovadora de criar uma ambiguidade visual já esteja
presente em suas primeiras obras (onde uma bandeira é tanto uma bandeira como
uma pintura), False Start é o
primeiro quadro onde Johns joga radicalmente com as diferentes maneiras que
podemos perceber as cores. Nesta obra, as manchas cromáticas entram em conflito
com as palavras aplicadas sobre elas: Johns denomina de amarelo uma superfície
azul, uma mancha vermelha tem o nome de laranja e assim por diante. A presença
da cor na nossa sensação não mais corresponde ao significado da palavra aplicada.
A identidade da cor é posta em xeque, pois dois critérios de identificação da
cor são utilizados simultaneamente, um se contrapondo ao outro: o conceito que
define o que são as cores entra em choque com a nossa percepção, que parece
aturdida, desqualificada. O titulo do trabalho “False Start” justamente reitera
esta experiência, visto que um falso começo remete a uma largada queimada em
uma corrida de cavalos, é preciso assim recomeçar o jogo. Johns foi profundamente
influenciado pela critica que Duchamp faz da maneira como vemos um objeto de
arte. A pintura explicita a maneira como nos preparamos para vê-la: “o ato de
ver uma obra de arte é transformado em um ato de voyeurismo. Olhar não é uma
experiência neutra: é uma cumplicidade, pois ilumina o objeto. O contemplador é
um observador (...) Olhar é uma transgressão, mas a transgressão é um jogo
criador.”[20] De certa
forma, toda pintura explicita seus esquemas conceituais que moldam o nosso
olhar. Jasper Johns, refazendo no plano sensível a crítica de Wittgenstein a
uma interpretação fenomenológica das cores, nos mostra que não há mais um
critério único para identificar as cores.[21] Os critérios
para distinguir um fenômeno visual estão imbricados com o uso da nossa
linguagem, do que entendemos pela palavra vermelho, de como podemos distinguir
um amarelo-alaranjado de um laranja-avermelhado, enfim, como o fenômeno
cromático pressupõe uma gramática das cores. Cores e formas deixam de ser o
repertório único do artista, que se volta cada vez mais para os limites do
fenômeno visual, já que a linguagem passa a interferir no modo como percebemos
as coisas.[22] A sua critica
à autonomia da imagem pura retiniana se baseia no fato que nossa percepção
pressupõe uma articulação com a linguagem. Nota-se deste modo uma critica
radical à pintura como algo que se realiza exclusivamente na retina do
observador. Johns é um dos artistas que coloca novos limites para o uso da cor,
quando a utiliza de forma cada vez mais objetiva e impessoal. Não é de se
estranhar que suas pinturas tenham uma grande quantidade de cinza, uma cor a
seus olhos interessante porque “evita toda qualidade emocional e dramática”.[23] Ao buscar uma
pintura literal, a fim de conduzir o espectador a regiões mais verbais do que
retinianas, Johns evoca a atitude de Duchamp de buscar, através dos títulos que
atribui as obras, uma cor invisível.[24]Porém,
na medida em que a cor se torna um fenômeno cada vez mais mediado por outras
formas de linguagem, não corremos o risco de perder este componente irredutível
da representação? É possível resgatar atualmente uma experiência expressiva da
cor? Será possível ainda dizer que “a cor é o sensível na, ou melhor, da
pintura, componente irredutível da representação escapando da hegemonia da
linguagem, experiência pura de um visível silencioso que constitui a imagem
como tal?”
Óleo sobre tela (170.2 x 121.9 cm), coleção do artista.
Duchamp explicita a
maneira como deciframos uma imagem utilizando critérios linguísticos: “os
títulos são escolhidos de tal maneira que impedem de situar meus quadros numa
região familiar que o automatismo do pensamento não deixaria de suscitar a fim
de subtrair a inquietação”. O principio que reinou durante quinhentos anos, ou
seja, o que afirma a separação (ou uma relação hierárquica) entre a
representação plástica (que implica semelhança) e a referência linguística (que
a exclui), se quebra na medida em que passam a ocupar o mesmo campo visual, de
modo que há uma justaposição de figuras com a sintaxe dos signos. Nesta rede
inextricável de imagens e palavras, muitas vezes “uma palavra pode tomar o
lugar de um objeto na realidade assim como uma imagem pode tomar o lugar de uma
palavra numa proposição”.[25] A experiência
estética da cor parece se diluir no mundo contemporâneo, onde práticas
diferentes de utilização das cores parecem se misturar. Técnicas diversas como
a colagem, aquarela, móbiles, tintas automotivas, pigmentação etc. passam a
apresentar a cor de diferentes modos.
O emprego da cor
torna-se mediado por um conceito específico, percebemos cores de diferentes
modos, pois a interpretação do fenômeno cromático está condicionada a uma
determinada prática e a uma poética: Jasper Johns usa a encáustica, técnica que
mistura o pigmento com a cera, para mostrar a opacidade da linguagem. Mark
Rothko utiliza a têmpera a fim de garantir a presença luminosa do pigmento,
pois a cor parece se desprender desta fina poeira e começa a habitar o espaço.
Jackson Pollock aplica uma tinta veloz, automotiva, para poder implodir a
pincelada em um gesto para além da tela. Yves Klein, Hélio Oiticica e mais
recentemente Anish Kapoor procuram questionar os limites do objeto e do espaço
ao trabalhar com a cor como um pigmento que se transforma em luz. Se não
pensarmos neste jogo de resistência entre as cores e o seu meio material,
corremos o perigo de lidar com a cor como algo exclusivamente ótico, um jogo
virtual de cores. Devemos evitar tratar a cor como uma relação abstrata, onde
“x” cor se relaciona com “y” cor.
A cor não pode ser
abstraída da técnica empregada bem como do seu contexto espacial. Um amarelo pintado com
têmpera é radicalmente diferente do mesmo pigmento utilizado na encáustica. Uma
pintura é um jogo permanente entre os significados múltiplos de seus elementos.
As cores ainda podem revelar um olhar subjetivo, uma forma de interpretar o
mundo ao redor, mas, a fim de resgatar este seu potencial, é preciso entender a
cor como um fenômeno complexo, que muda de característica conforme sua
utilização. O processo de nomeação cromática está intimamente ligado ao
processo da manufatura de objetos cromáticos, sendo que estes muitas vezes
adquirem nomenclaturas distintas ao longo da história. Por outro lado, a alquimia fazia com que os próprios matérias
se transmutassem, necessitando, logo, de outros nomes.
Um pintor
contemporâneo que contrapõe uma gramática das cores frente à antiga storia é Brice Marden. As cores
aparecem como uma revelação em seus quadros: Conturbatio, Cogitatio, Interrogatio, Humiliatio, Meritatio (título
de uma série de pinturas de 1978) são os diversos momentos representados que
fazem parte do ciclo da anunciação à Virgem, da sua surpresa e hesitação ao
instante da submissão a uma ordem divina. Durante o Renascimento a diferença de
atitude da Virgem frente ao anjo era facilmente reconhecida por um homem
razoavelmente culto. Entretanto, atualmente, se não fosse o livro de Baxandall,[26] não seriamos
capazes de captar a sutileza de cada gesto. As pinturas de Marden são como um
mistério revelado a um olhar iniciado, há nelas um jogo sutil de cores que só
pode ser percebido com tempo. Os pigmentos são misturados com uma base de óleo
e cera, de modo que a cor deve vencer a opacidade da cera para aparecer.
Contudo, justamente por esta dificuldade, seus quadros apresentam em alto grau
uma emoção contida. Neste caso, a variação de escala e matiz cromático em cada
pintura produz significações diversas, o observador saberá destrinchar o
sentido de cada uma destas telas se estiver mais familiarizado com as teorias
cromáticas do que com a bíblia. A semelhança visual entre estas pinturas e os
estudos de passagem cromáticas feitas por Goethe há cento e cinquenta anos
chega a ser notável.
Nomear e ver
Ao invés de condenar estas imperfeições
ás palavras, devemos atribuí-las a nosso entendimento, visto que as palavras se
colocam entre nosso espírito de verdade das coisas. Leibniz
A interpretação da
cor como um fenômeno visual que se articula com uma linguagem não impede uma
discussão questões propriamente fenomenológicas. Neste sentido as cores
aparecem ora como fenômenos espaciais, ora como temporais. Chamamos muitas
vezes de uma mesma cor dois fenômenos distintos, por outro lado, um só fenômeno
pode ter muitos nomes.
Por que vemos em geral uma maçã sempre vermelha (ou verde)
apesar de suas variações de luminosidade? A constância cromática explicita o
quanto estamos condicionados a ver o que conhecemos. Por outro lado, se
buscarmos efetivamente comparar o que estamos vendo com o que nomeamos há um
enorme o descompasso. Sabe-se que a percepção da cor é tardia nas crianças e
está atrelada a própria educação dos sentidos, sempre mediada pela linguagem. Um
esquimó tem mais acuidade em perceber as diferentes nuances de branco, e sua
linguagem tem mais termos para este fim, pois saber discernir a neve recente da neve mais antiga pode ajuda-lo na
sua sobrevivência. Do mesmo modo os índios da América do Sul criaram mais
termos para o verde e azul, associando-os a diferentes formas e texturas de
plantas. Neste sentido, cabe indagar por que temos ainda esta crença mítica sobre
a existência de cores puras. “Quem tem medo do vermelho, azul e amarelo” é o
titulo de um quadro de Barnet Newman que explicita esta crença.
Do mesmo modo, teimamos em ver as sete cores no arco Iris, enquanto seu
espectro cromático é infinito. Newton escolheu
sete cores para o seu círculo cromático muito mais por questões cabalísticas do
que por questões propriamente cientificas. E no entanto, “a concepção espectral
da cor se impôs progressivamente e suas consequências sobre a classificação e
provavelmente sobre a denominação da cor são profundas. A ordem espectral pouco
a pouco substitui a antiga ordem simbólica que predominou durante a idade media[27]”.
Para combater estes
“preconceitos” basta ampliar nossos horizontes e verificar que “a noção de cor
não é explicitada por um vocábulo próprio em todas as linguagens: a cor é
apreendida, em muitas culturas, paralelamente a outros parâmetros sensoriais,
em particular táteis, gustativos, olfativos ou até mesmo auditivos”.[28] Wittgenstein
por sua vez nos alerta que um dos grandes desafios da filosofia é desfazer as
ilusões fomentadas por nossa linguagem.
Uma tribo africana como os Mursi não utilizam
o conceito de cor pura. Essa tribo, dependente da coleta do sangue do gado,
utiliza como padrão conceitual a pele de vaca, de forma que ao invés de dizerem
que a montanha é verde, eles a atribuem um termo que remete a pele estriada do
gado. Logo, quando estão falando a
respeito da pele de vaca, sempre
utilizam termos básicos, mas quando discorrem sobre outros fenômenos, muitas
vezes utilizam dois termos e a partir dai, conseguem diversas gradações que lhes
permitem descrever o mundo sensível.[29]
Sob esta ótica é questionável a empreitada feita na década de
sessenta por Berlin e Kay, que utilizaram tabelas de cores padronizadas
(Munsell) a fim de estabelecer um padrão geral de desenvolvimento na percepção
da cor entre as sociedades mais primitivas, que vai do par binário branco e
preto, em seguida o vermelho e assim por diante.[30]O
fenômeno cromático é um conceito culturalmente construído, sendo que no caso
dos Mursi, por exemplo, nem podemos afirmar que estamos empregando o conceito
adequado. Não há nenhuma visão, nenhuma linguagem pura, imediata e transparente,
ao contrário do que algumas posições cientificas pretendem postular.
Ao invés de buscar
uma linguagem primordial, grande sonho iluminista de uma babel cromática,
devemos antes nos ater na diversidade com que a linguagem se metamorfoseia no
mundo da cor no espaço histórico e cultural, sempre nos colocando novos
problemas fenomenológicos. O emprego de determinados termos como por exemplo o
cerúleo, varia de contexto bem como de época, podendo designar além do azul, o
amarelo e o verde.[31]
Os Maoris tem cerca de 3.000 nomes de cor, isto não significa que
tenham uma acuidade particular, mas que justamente não identificam os mesmos
termos em situações distintas, eles tem uma apreensão mais concreta, menos
abstrata deste fenômeno. No entanto, para o mundo ocidental a abstração se
tornou uma constante no principio de identificação cromática, seja no emprego
de cores puras, seja na tentativa de catalogar e sistematizar este fenômeno. Portanto,
determinadas polaridades, ou antagonismos cromáticos, só podem ser
compreendidos no interior da gramática de uma cultura especifica: em muitas
civilizações o antagonismo entre verde e vermelho ou entre azul e amarelo
simplesmente não existe. Desde a Antiguidade se discute em que medida os termos
utilizados na linguagem podem corresponder efetivamente a vasta gama do
espectro visível.[32]
Se, como vimos
acima, Jasper Johns e Brice Marden utilizaram a cera em suas pinturas com o
intuito de acentuar a imbricação entre cor e técnica, de tal forma que a
opacidade presente na encáustica torna a apreensão da cor menos imediata, Bruce
Nauman confere materialidade a cor na sua articulação com a linguagem. O signo
se desprende da frase e adquire um corpo próprio. Estamos longe de uma obra que
busca uma percepção meramente visual: a palavra “HOT”-quente em inglês-
claramente associa cor a calor, visto que a cor vermelha é associada as “cores
quentes”, por outro lado, a palavra está sendo polida com a cera derretida,
quente. Mas, por que acreditamos que o vermelho é uma cor “quente”, embora sua
frequência seja menor do que a da cor azul, que é considerada “fria”? Na chama
de uma vela a parte mais intensa é justamente a parte azul. A visão da imagem Hot produz um serie de associações
táteis, de forma que a apreensão da obra se faz quando o observador passa a
trabalhar sinestesicamente com estas sensações que vão além da imagem visual. A
obra é feita no ato de polir bem como no ato de sentir o calor produzido pela
palavra. O texto nestas imagens produzidas em 1966 adquire uma dimensão tátil
ou até mesmo gustativa, quando vemos o artista passar geleia sobre palavras
feitas nos biscoitos. Como afirma o artista: “Quando a linguagem começa a se
quebrar aos poucos, ela se torna instigante e comunica da maneira mais simples:
somos forçados a notar o sons e as partes poéticas das palavras” .
Bruce Nauman, Waxing Hot, 1966 e Eating My Words from Eleven Color
Photographs 1966-67/70 © ARS, N Y and DACS, London 2006 Whitney Museum of
American Art, New York
Uma arte de palavras e quase palavras
onde o signo gráfico veste e desveste vela e desvela...Uma arte onde a cor pode
ser o nome da cor.
Haroldo de Campos
No meio de uma
floresta de grafismos, uma palavra em alemão aparece calcada no centro desta monotipia.
Rot significa vermelho e está
desenhado com a cor vermelha. Mesmo aquele que não sabe alemão é induzido a
esta resposta. Para Mira Schendel, que falava alemão, italiano e português com
sotaque, só o desenho se caracterizava como
ursprache, linguagem primordial que remonta ao graphein, desenho e grafia
ao mesmo tempo. Mira nos faz pensar no seu antecessor suíço Paul Klee, que traz para a arte moderna o desenho e a
grafia unidos em uma intima aventura. A monotipia embaralha a palavra frente ao
gesto gráfico, que é sempre feito de maneira invertida, como num espelho. O
gesto é rápido e deve ser produzido com a mesma velocidade do que a palavra
enunciada. Para Mira, o principio era o verbo. Escrever e desenhar, ver e nomear
são atividades simultâneas.
Referências Bibliográficas
CRARY. J. Suspensions of
perception. MIT Press , 2001
GAGE, John. Colour and
Culture. Thames and Hudson . 1993.
____Color and Meaning Thames and Hudson 1999 .
LE RIDER, Jacques Le Rider. Du
scepticisme linguistique à l’analyse des jeux de langage
JUDD. Donald.On some aspects
of colour in general
NAUMAN, Bruce. Bruce Nauman’s Word. Writings and interviews. Edited By Janet Kraynak MIT Press, 2005
RICHIR, M. Phénomenologie
des Couleurs.
TURTON, D. La catégorisation
de la Couleur en Mursi . Tradução de. Serge Tornay presente em seu livro
apud Voir et Nommer les couleurs.
Laboratoire de Ethnologie et Sociologie Comparative, Nanterre, 1978.
[1] Ver a este respeito livro organizado por LICHENSTEIN, Jacqueline, A
pintura, textos essenciais, volume 7, O
paralelo das artes e volume 9, O desenho e a cor, editora 34, 2006.
[2] “A doutrina do Ut pictura
poesis, tal como se constituiu no Renascimento e se desenvolveu ao longo da
década clássica, baseia-se num contra-senso... em Horácio a frase cria um
privilégio em favor das artes da imagem... os teóricos do Renascimento
inverteram o sentido da comparação: a poesia tornou-se o termo comparativo e a
pintura o termo comparado” idem, p.10 volume 7.
[3] FOUCAULT, As Palavras e as
Coisas. Foucault se pergunta como se reconhece um signo. Questão diante da
qual a época clássica responde por uma análise da representação, e diante da
qual o pensamento moderno responde por uma análise de sentido e da
significação. Pelo fato da linguagem não ser nada mais do que um caso
particular da representação clássica ou da significação moderna a ligação
profunda entre a linguagem e o mundo se desfaz. A primazia da escrita é
suspensa, desaparece então esta base uniforme onde se entrecruzam
indefinidamente o visto e o lido, o visível e o enunciável. As coisas e as
palavras se separam, o olho se destinará a ver, e a ver somente, a orelha a
escutar somente.
[4] A este respeito Leo Steinberg nos mostra o quanto Michelangelo já se
preocupava em tensionar a pintura com a sua moldura. STEINBERG, Outros
critérios. Cosac Naify
[5] Os primeiros diagramas
cromáticos circulares são conhecidos
como o de Forsiusem1611e Robert Fludd,c.1630 e continham o preto e o branco no
interior do círculo. A primeira tentativa de representar o a refração da luz no
círculo foi feita por Isaac Newton em na sua Optics de 1704.. (GAGE, 1993, pp.
162). http://www.huevaluechroma.com/071.php Imagens em
wanderingmoonpr.files.wordpress.com/2008/10/0
[6] Em uma carta coletiva ao diretor da Galeria Grovesvenor em 1885 os
impressionistas afirmam que na obra tardia de Turner é a cor que se torna o
“teatro”. ELIE. Couleurs & theories, p.122, Ovadia, 2009.
[7] ROUSSEAU,P. Un Langage
Universel, l’esthetique scientifique aux origines de l’abstraction, p.20 em
Aux Origines de l’ Abstraction
Catálogo da exposição realizado no Museu d’Orsay em novembro de 2003
[8] “ Delacroix traduziu melhor do que ninguém o invisível, o impalpável,
o sonho, os nervos, a alma sem utilizar outros meios do que o contorno e a cor.
BAUDELAIRE, Salon de 1846, p. 610 e, Eugène
Delacroix, ses oeuvres, ses idées, ses moyens, p. 856
[10] SCHAPIRO continua sua
análise: “ A pintura das maças também pode ser considerada um meio
deliberadamente escolhido de distanciamento emocional e autocontrole; as frutas
ofereciam ao mesmo tempo um campo objetivo de cores e formas, com uma aparente
riqueza sensual que faltava em sua apaixonada arte anterior... Ao passar da
pintura de fantasias à disciplina da observação, Cézanne fez da cor – o
princípio da arte aliada à sensualidade e ao pathos na pintura romântica, mas
não desenvolvida em suas primeiras
pinturas de paixão – a bela substância de formas-objeto sólidas e estáveis e
uma estrutura da composição profundamente coerente. SCHAPIRO, As Maças de
Cézanne em A Arte Moderna, Edusp, p. 52-77. Em suas obras de juventude, Cézanne
buscava pintar primeiro a expressão, justamente por isso que ela lhe faltava,
aos poucos percebeu que a expressão é a linguagem da pintura e nasce da sua
configuração. LE RIDER p.372 Ainda Cézanne: “Para o pintor, há duas coisas: o
olho e o cérebro, ambos devem se ajudar para seu desenvolvimento na pintura: o
olho na visão da natureza, o cérebro, mediante a uma lógica de sensações que
cria os meios de expressão. CÉZANNE, apud ELIE, Couleurs et theories, p.147.
[11] LE RIDER,Les
Couleurs et le mots,P.U.F.,1997,Paris,p.65.PICASSOa este respeito afirma:“Está vendo este tubo de cor? Na etiqueta esta escrito verde-
maça, contudo, não se trata nem de uma maça nem de uma cor, mas de uma colagem
de palavras, um titulo bom para nos deixar aturdidos. PICASSO, Propôs sur l’art
, Flammarion, Paris, 2002, p.166
[12] Ver a este respeito o ensaio de Sartre sobre Tintoretto:O rasgo
amarelo do céu de Gólgota,Tintoretto não oe scolheu para significar angústia, e
muito menos para provocá-la, ele é angústia e céu amarelo ao mesmo tempo, não é
um céu de angústia e nem um céu angustiado, é uma angústia submersa nas
qualidades próprias das coisas, sua extensão, sua permanência cega, sua
exterioridade e uma infinidade de relações que estabelecem entre si” Writers on Artists, p. 141.
[13] Idem, p. 366. John Gage a este respeito nos diz que “os objetivos da
abstração eram espirituais, mas a fim de realizar estes objetivos, os pintores
estavam prontos para utilizar o corpo sólido de teorias cromáticas publicadas
ao redor de1900” Colour and Meaning,
p. 249 Ver ainda LE RIDER, la langue
universelle non verbale. p. 388
[15] ROUSSEAU, idem, p.130. Sobre a importância crescente da palheta ver
GAGE, Color and Culture, p. 189
[16] KANDINSKY. “O efeito da cor’, 1911, citado em Chipp, Teorias da arte
moderna, p.52
Sobre
a questão da Forma, Idem, p.154.Mas, conforme, nos alerta Gombrich, Kandinsky,
na medida em que busca uma linguagem universal, corre o perigo de buscar
absolutos nas associações entre formas e cores com sentimentos espirituais.
Embora tenhamos uma reposta imediata a expressão, não podemos considerá-la
irracionalmente, pois só entendemos seu significado em um espaço semântico.
Revela-se em Kandinsky uma vontade talvez utópica de quantificar objetivamente
as nossas respostas subjetivas frente a um fenômeno cromático. Gombrich
volta-se para a teoria já tradicional da arte como expressão como um meio de
conhecimento. A falha principal do abstracionismo seria, portanto a crença numa
expressão imediata das paixões fora de qualquer articulação lingüística.
[17] KLEE,P.apud POUZOL, F. Robert
Walser et la peinture. / Mise en place d'un espace mimétique et
critique..http://www. culturactif.ch/livredumois/livredumoiswalser3.htm
[18] O recurso da sinestesia é notório entre os poetas do fim do século
XIX, Rimbaud sendo o caso o mais notório:: “ A Blanc, E jaune, I rouge, O bleu,
U noir” . RIMBAUD, Les voyelles. O
descompasso entre a palavra escrita e a sensação cromática só pode ser
resolvida no âmbito de um sujeito capaz de articular sinestesicamente todas as
sesações. No poema de Klee as metáforas cromáticas são constantes:" Einst
dem Grau der Nacht enttaucht,Dann schwer und teuer,Und stark vom Feuer,Abends
voll von Gott und gebeugt,Nun ätherlings vom Blau umschauert,Entschwebt über
Firnen,Zu klugen gestirnen."PaulKlee,1918.Once emerged from the gray of
night,Then heavy and precious and strong from the fire--In the evening filled
with God and bowed... Ethereally now rained round with blue,floating off over
mountains' snow caps to wise constellations. KLEE,P.apud POUZOL, F. Robert
Walser et la peinture. / Mise en place d'un espace mimétique et
critique..http://www.culturactif.ch/livredumois/ livredumoiswalser3.htm
[21] “As dificuldades que encontramos ao refletir sobre a essência de
cores (às quais quis Goethe fazer frente com sua Doutrina das Cores)
encerram-se já em não termos apenas um conceito de identidade cromática, mas
sim vários deles, uns aos outros aparentados.”(Wittgenstein, op. cit, # 251,
III) Os quadros de Johns não permitem uma interpretação exclusivamente
fenomenológica da cor.
Para Husserl a nossa intuição eidética (categorial) da
cor vermelha se prolongaria na nossa percepção do fenômeno cromático, de modo
que ao vermos uma mancha vermelha já teríamos o conceito do vermelho. Esta
atitude paradoxalmente implica uma volta ao platonismo, que acaba
descaracterizando o projeto fenomenológico de uma volta
às coisa mesmas.
[22] “ ́É a sensação cromática, mas também
a norma lingüística que permite de dizer ou escrever o que quer que seja
sobre as cores" WITTGENSTEIN Apud LE RIDER, op.cit, p.392
[23] JOHNS, Jasper, op. cit, p.162. John Cage escreve a este respeito que
“ Você é o único pintor que eu conheço que não pode diferenciar uma cor da
outra” in BATTOCK, A Nova Arte, p. 67
[26] Baxandall, Painting and
Experience in Fifteenth Century Italy, Oxford Press, 1972.
38 “É um
equivoco interpretar o abstracionismo maduro (Mondrian), ou ainda o
monocromatismo Malevitch, Klein, como ex- pressão de sentimentos singulares. Ao
contrário, esses artistas buscaram uma totalidade ou uma substância pura, algo
que não pode ser reduzido a singularidade, e portanto foge à dialética entre
esquema geral e aplicação particular. A obra de arte moderna tende a
literalidade, achata-se num único plano, o das sensações ou o dos conceitos, e
por essa via se coloca no limiar de qualquer sintaxe. Ela é um objeto ou o
universo inteiro ou ambas as coisas, mas quase nunca é a representação de um
objeto dentro de um universo. Com o desaparecimento da natureza, a obra de arte
assumiu para si o papel de realidade última MAMMI, Lorenzo resenha sobre
Meditações sobre um cavalinho de Pau de Gombrich. Jornal de Resenhas.
[27] TORNAY, S. Voir et Nommer les
couleurs. Laboratoire de Ethnologie et Sociologie Comparative, Nanterre,
1978, p.XII Tornay afirma ainda que Newton teria se apoiado em sete cores para
firmar a analogia entre luz e som.
[29] Não há nenhum nome de cor em Mursi que não seja aplicado ao Gado... O
gado confere aos Mursi um modelo mediante a qual clsssificam em termos de cor
todos os objetos de seu meio bem como todo objeto advindo do exterior. TURTON,
D. La catégorsation de la Couleur en Mursi (Trad. Serge Tonay apud Voir et
Nommer lês couleurs), p.354
[30] GAGE, Colour and Meaning, p.53 .Gage analisa como os conceitos
cromáticos tendem a se tornar mais abstratos e distantes do seu referente
material ao longo da historia. Ver na p. 58 como no processo de fabricação de
vidro o oxido de cobre poderia se transformar em vermelho ou verde conforme o
calor aplicado.
[31] Gage questiona também este procedimento de estabelecer a priori cores
primarias, GAGE ,Colour and Culture, p.79
Nenhum comentário:
Postar um comentário