Outra observação. Cézanne afirma que só pinta uma
fração do espaço. Diremos, então, que há o cinza sempiterno do colorido e os de
cada cor. Como é um colorido fracionado diremos que há um colorido total que
nos é interditado. Pela lógica do terceiro incluído diremos que o colorido
total está na zona do sagrado.
Rilke afirma que esse cinza não existe, mas que dele
surgem as cores. Digo que as cores para o cinza sempiterno convergem e
divergem.
Seguem citações de Espinoza e Henry Atlan
respectivamente.
"A essência do que pode
ser concebido como inexistente não envolve a existência". Espinoza
"A natureza faz
acontecer coisas em suas diferentes partes que se distinguem do todo e entre
si.
Portanto há uma espécie de intercausalidade que é definição do próprio cosmo". Henry Atlan
Vasari e Francisco Holanda defendem o primado do
desenho. Consideramos tanto o colorido (pictórico) e o desenho colorido e o
próprio desenho (gráfico) com valores não absolutos quando realizados. Direi
então que todos têm uma lógica, mas no colorido as formas ficam subordinadas às
cores; no desenho colorido as cores ficam subordinadas às formas, e no desenho,
além das manchas, hachuras, etc, até mesmo traços, há algo de pictórico. E há
as diversas distâncias entre coloridos e desenhos. Cézanne diz que quanto mais
as cores se harmonizam, mais as formas se precisam. Há uma dialética entre as
cores enigmáticas e as formas racionais sem excluir as sensações e emoções.
Comparemos, agora, quadros de Poussin e Caravaggio.
Poussin
Vale citar uma frase de Poussin: “As cores na
pintura são como chamarizes que seduzem os olhos, como a beleza dos versos da
poesia.” Sabemos que Poussin estudou o Tratado
da Pintura de Leonardo da Vinci. Segue uma frase de Leonardo: “A pintura é uma poesia muda.”
Caravaggio
Em Poussin há um equilíbrio entre o colorido com o
uso de semitons e as formas e uma visão bi ocular (o serpenteamento vinciano).
Entendemos porque Cézanne afirmou que queria refazer Poussin direto da
natureza. Poussin modula, ou seja, as passagens entre luz e sombra se fazem por
diversos matizes.
Em Caravaggio a visão é
mono ocular, daí não percebermos o serpenteamento e as cores são modeladas. Caravaggio
enfatiza o plano pictórico. Caravaggio modela, ou seja, as passagens entre luz
e sombra se fazem por um único matiz,
ora claro, ora escuro.
A discussão entre
coloristas e desenhistas se adensa a ponto de Poussin ter declarado que
Caravaggio foi posto no mundo para acabar com a pintura.
Não estamos fazendo
um julgamento estético. Queremos apenas mostrar que as questões de um e de
outro eram opostas.
Caravaggio tinha outra
consciência
do espaço plástico. Segue a imagem de uma de suas naturezas mortas. Esse pintor
ocupa-se do plano pictórico. A linha horizontal abaixo funciona como um rodapé
e a partir dele sobe o plano vertical. A questão da planaridade da pintura foi
retomada por alguns artistas do século XX, inclusive Mondrian.
Caravaggio
Estamos falando de
teoria das cores. Muitos artistas mostram suas ideias teóricas sobre as cores
em seus próprios quadros. Um exemplo é Rubens. Ele não partiu de um colorido
natural e por isso foi denunciado por alguns críticos. Vejamos o quadro abaixo.
Segue a estrutura
composicional desse quadro de Caravaggio considerando-se a divina proporção:
Rubens
Ele usa tanto a
modelação, ou seja, a passagem da luz para sombra sendo feita pela mesma cor,
ora clara, ora escura, como a modulação, essas nas mulheres, ou seja, na
passagem da luz para a sombra tem-se avermelhados e nas
meias-tintas semitons levemente esverdeados, portanto, Rubens utiliza várias
claves de matiz.
No século XVIII, após as descobertas de Newton,
surge o Iluminismo. Um círculo cromático que classifica as cores em primárias e
secundárias é criado. Esse círculo, racionalmente, pretendeu explicar todos os
fenômenos cromáticos da natureza. As cores eram classificadas em puras,
pastéis, neutras e o cinza considerado uma não cor. Van Gogh e Redon chegaram a
escrever que se misturarmos duas complementares em quantidades e intensidade
iguais obteríamos um cinza absolutamente incolor. Cita-se, aqui, Cézanne, que
afirmou que na natureza tudo está colorido.
Podemos afirmar que esses pintores conheciam essas
novas teorias das cores, mas não as aplicavam em suas telas rigorosamente.
Algumas observações. Duchamp faz referência ao
retianismo. Diz ele: "Nesse ponto é que aparece o retiniano. Aquela famosa
libertação do artista, no tempo de Coubert, alterou o seu status de dependente de um patrocinador ou colecionador para o de indivíduo
livre, que por sua vez tinha o direito de aceitar ou recusar, mas apenas em
termos socialmente iguais. Essa libertação no século XIX tomou a forma de
impressionismo, que, de certo modo, foi o começo do culto para com o material
da tela – o próprio pigmento. [...] Cem anos de retianismo é bastante. Antes a pintura
era um meio para um fim, fosse religioso, decorativo ou romântico. Hoje é um
fim em si. Isso é um problema bem mais importante que o de ser arte figurativa ou abstrata".
Digo que a cor é para ser pensada e o pigmento para
ser usado. E digo mais, para se evitar o retianismo é importante classificarmos
as cores em concretas e abstratas, mas não em termos absolutos, pois o pintor
lida com as duas.
No romantismo as discussões entre coloristas e
desenhistas continuam acirradas. De um lado Delacroix defendendo o primado da
cor, de outro Ingres defendendo o primado do desenho.
Delacroix
Ingres
Em Delacroix as linhas de contorno são substituídas
por contrastes cromáticos que permitem o serpenteamento vinciano e uma visão bi
ocular. Em Ingres as linhas de contorno têm um valor absoluto, o colorido é
natural e a visão mono ocular.
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