segunda-feira, 4 de março de 2019

Teoria das cores, de Aristóteles até hoje - 4 - Poussin, Caravaggio, Rubens, Delacroix e Ingres

Teoria das cores, de Aristóteles até hoje - 4


Outra observação. Cézanne afirma que só pinta uma fração do espaço. Diremos, então, que há o cinza sempiterno do colorido e os de cada cor. Como é um colorido fracionado diremos que há um colorido total que nos é interditado. Pela lógica do terceiro incluído diremos que o colorido total está na zona do sagrado.

Rilke afirma que esse cinza não existe, mas que dele surgem as cores. Digo que as cores para o cinza sempiterno convergem e divergem.

Seguem citações de Espinoza e Henry Atlan respectivamente.

"A essência do que pode ser concebido como inexistente não envolve a existência". Espinoza
"A natureza faz acontecer coisas em suas diferentes partes que se distinguem do todo e entre si. 

Portanto há uma espécie de intercausalidade que é definição do próprio cosmo". Henry Atlan  
Vasari e Francisco Holanda defendem o primado do desenho. Consideramos tanto o colorido (pictórico) e o desenho colorido e o próprio desenho (gráfico) com valores não absolutos quando realizados. Direi então que todos têm uma lógica, mas no colorido as formas ficam subordinadas às cores; no desenho colorido as cores ficam subordinadas às formas, e no desenho, além das manchas, hachuras, etc, até mesmo traços, há algo de pictórico. E há as diversas distâncias entre coloridos e desenhos. Cézanne diz que quanto mais as cores se harmonizam, mais as formas se precisam. Há uma dialética entre as cores enigmáticas e as formas racionais sem excluir as sensações e emoções.
Comparemos, agora, quadros de Poussin e Caravaggio.


 Poussin

Vale citar uma frase de Poussin: “As cores na pintura são como chamarizes que seduzem os olhos, como a beleza dos versos da poesia.” Sabemos que Poussin estudou o Tratado da Pintura de Leonardo da Vinci. Segue uma frase de Leonardo:  “A pintura é uma poesia muda.”



Caravaggio

Em Poussin há um equilíbrio entre o colorido com o uso de semitons e as formas e uma visão bi ocular (o serpenteamento vinciano). Entendemos porque Cézanne afirmou que queria refazer Poussin direto da natureza. Poussin modula, ou seja, as passagens entre luz e sombra se fazem por diversos matizes.

Em Caravaggio a visão é mono ocular, daí não percebermos o serpenteamento e as cores são modeladas. Caravaggio enfatiza o plano pictórico. Caravaggio modela, ou seja, as passagens entre luz e sombra se fazem por  um único matiz, ora claro, ora escuro.

A discussão entre coloristas e desenhistas se adensa a ponto de Poussin ter declarado que Caravaggio foi posto no mundo para acabar com a pintura.
Não estamos fazendo um julgamento estético. Queremos apenas mostrar que as questões de um e de outro eram opostas. 

Caravaggio tinha outra consciência do espaço plástico. Segue a imagem de uma de suas naturezas mortas. Esse pintor ocupa-se do plano pictórico. A linha horizontal abaixo funciona como um rodapé e a partir dele sobe o plano vertical. A questão da planaridade da pintura foi retomada por alguns artistas do século XX, inclusive Mondrian.




 Caravaggio

Estamos falando de teoria das cores. Muitos artistas mostram suas ideias teóricas sobre as cores em seus próprios quadros. Um exemplo é Rubens. Ele não partiu de um colorido natural e por isso foi denunciado por alguns críticos. Vejamos o quadro abaixo.
Segue a estrutura composicional desse quadro de Caravaggio considerando-se a divina proporção:




  Rubens

Ele usa tanto a modelação, ou seja, a passagem da luz para sombra sendo feita pela mesma cor, ora clara, ora escura, como a modulação, essas nas mulheres, ou seja, na passagem da luz para a sombra tem-se avermelhados e nas meias-tintas semitons levemente esverdeados, portanto, Rubens utiliza várias claves de matiz.
No século XVIII, após as descobertas de Newton, surge o Iluminismo. Um círculo cromático que classifica as cores em primárias e secundárias é criado. Esse círculo, racionalmente, pretendeu explicar todos os fenômenos cromáticos da natureza. As cores eram classificadas em puras, pastéis, neutras e o cinza considerado uma não cor. Van Gogh e Redon chegaram a escrever que se misturarmos duas complementares em quantidades e intensidade iguais obteríamos um cinza absolutamente incolor.  Cita-se, aqui, Cézanne, que afirmou que na natureza tudo está colorido.
Podemos afirmar que esses pintores conheciam essas novas teorias das cores, mas não as aplicavam em suas telas rigorosamente.
Algumas observações. Duchamp faz referência ao retianismo.  Diz ele: "Nesse ponto é que aparece o retiniano. Aquela famosa libertação do artista, no tempo de Coubert, alterou o seu status de dependente de um patrocinador ou colecionador para o de indivíduo livre, que por sua vez tinha o direito de aceitar ou recusar, mas apenas em termos socialmente iguais. Essa libertação no século XIX tomou a forma de impressionismo, que, de certo modo, foi o começo do culto para com o material da tela o próprio pigmento. [...] Cem anos de retianismo é bastante. Antes a pintura era um meio para um fim, fosse religioso, decorativo ou romântico. Hoje é um fim em si. Isso é um problema bem  mais importante  que o de ser arte figurativa ou abstrata".
Digo que a cor é para ser pensada e o pigmento para ser usado. E digo mais, para se evitar o retianismo é importante classificarmos as cores em concretas e abstratas, mas não em termos absolutos, pois o pintor lida com as duas.         
No romantismo as discussões entre coloristas e desenhistas continuam acirradas. De um lado Delacroix defendendo o primado da cor, de outro Ingres defendendo o primado do desenho.
 

Delacroix

 

Ingres

Em Delacroix as linhas de contorno são substituídas por contrastes cromáticos que permitem o serpenteamento vinciano e uma visão bi ocular. Em Ingres as linhas de contorno têm um valor absoluto, o colorido é natural e a visão mono ocular.

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