terça-feira, 5 de março de 2019

A pintura de Kelly Kreis



Kelly Kreis

Há uma constância na obra de Kelly: as texturas e a invenção plástica. Ao percebermos as texturas evidenciam-se os valores hápticos. Assim como nas maçãs de Cézanne, essas texturas ganham outra realidade. Como diz Rilke, são maçãs não comestíveis.

Dito isso creio que posso afirmar que os desenhos e quadros de Kelly, graças a sua enorme capacidade de invenção, tanto de relações cromáticas como de texturas, são muito mais que desenhos ou pinturas. São pinturas e desenhos que uma vez realizados, passam a ocupar o espaço imediato, este percebido no espaço plástico, e esses percebidos descolados da superfície do suporte graças aos rompimentos de tons e ao cinza sempiterno. Têm, portanto, mais de duas e menos de três dimensões. Percebemos os valores hápticos. No caso da pintura  (ver adiante) o cinza sempiterno se manifesta. Assim esses desenhos e pinturas são verdadeiros em outro nível de percepção. São fatos pictóricos ricos em invenção plástica e presença. São desenhos verdadeiros externos de desenhos internos ou pinturas externas verdadeiras de pinturas internas.

 

Kelly Kreis

Nesse desenho acima, um quadrado interno tensinona seu centro e, consequentemente, enfraquece as bordas ou a estrutura subjacente do suporte. Com isto as linhas de contorno do quadrado interno deixam de ser euclidianas para serem vincianas. Nesse trabalho de Kellyy um cinza sempiterno se manifesta e junto com o serpenteamento as texturas são dinamizadas.


Kelly Kreis

Nesse quadro acima temos vários contrastes. Do tratamento do tomate e das bananas, mais realista, representando quase uma tridimensionalidade,  contra as jarras, panejamento e flores, mais moduladas. Esses conjuntos, por sua vez, se contrastam com o fundo, diversas áreas padronizadas, ou seja, superfícies tratadas da mesma forma em todas suas extensões, mas que criam certas texturas. A manifestação do cinza sempiterno, assim como no desenho acima referido, cria uma lógica bastante complexa. Permite uma convivência dinâmica de elementos heterogêneos. 
Em seu texto O olho e o espírito, Merleua-Ponty, referindos-se ao interesse de Cézanne pela profundidade, diz que esta não é tridimensional. Nesse quadro de Kelly os objetos representados não nos levam a uma percepção tridimensional, não mostram um relevo absoluto. É o espaço plástico, à frente do quadro, que cria essa profundidade. E esse espaço plástico é maior que a superfície do suporte.

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