domingo, 10 de março de 2019

Teoria das cores, de Aristóteles até hoje 8


Curiosa é a afirmação de Duchamp quando diz que o cubismo começa com Cézanne e passa pelos fauves. Há, sem dúvida, pintores cubistas que são mais gráficos, e que seus quadros têm apenas duas dimensões quando o vemos de uma forma não prospectiva. Como nos adverte Poussin, em um olhar prospectivo temos que considerar o saber do olho, as diversas distâncias e os eixos visuais. No quadro abaixo de Braque podemos observar rompimentos de verdes, vermelhos, amarelos, azuis e tons claros e escuros. Portanto há um colorido e o cinza sempiterno se manifesta, e uma atmosfera se interpõe à frente do quadro. Assim, considerando-se a geometria fractal,  tem mais de duas e menos de três dimensões. Seguindo Poussin que faz referência às diversas distâncias e aos eixos visuais, podemos afirmar que nesse espaço à frente do quadro de Braque esses objetos podem ser observados em suas diversas faces.


Braque
Segue um gráfico:


O cubismo em Picasso é menos pictórico, como mostramos em uma reprodução bem acima e nessa imagem que segue abaixo, na qual os planos são mais modelados que modulados e as linhas de contorno são mais visíveis. Aqui apenas queremos mostrar que Picasso está mais perto da tradição aristotélica que prioriza a representação do volume pelo claro escuro.  O espaço plástico é mais remoto que imediato. As diversas faces são realizadas por linhas de contorno euclidianas. E há nesse quadro de Picasso uma grande área cinza, mas esse como cor, e não o sempiterno. 



Picasso

Hélio Oiticica, como escrevi acima, apontava para um problema da PINTURA (O grifo é meu) e anunciava o fim da pintura na qual o espaço plástico criado era o remoto.  Sua obra é enorme. Entre muitas realizou, então, os Relevos espaciais. Esses relevos aproximam-se de Aristóteles em suas observações sobre as cores, mas em um primeiro nível de percepção predominam as cores. Pergunto-me: não estará Hélio Oiticica criando formas cores e fazendo-as ficarem subordinadas ao espaço da pintura sem o apoio do suporte?
Segue a imagem abaixo.



Hélio Oiticica

Desdobrando  essas ideia de Hélio Oiticica temos alguns trabalhos de Regina Vater, mas não mais observando os relevos e sim enfatizando as cores. Deixa, assim, de ser aristotélica em relação às cores. Nesse trabalho que segue abaixo temos um narrativo inteiramente subordinado ao plástico.  Esse narrativo não é linear, é bem mais remoto, portanto, poético.
Citemos o poeta Júlio Castañon Guimarães:
“Do escuro então lhe passou pela pele, num raspão, algo como uma palavra remota.” 



 Regina Vater

Seguem diversas assemblages nas quais desenvolvo minhas ideias relativas a uma outra teoria das cores.

    

 
 



Teoria das cores, de Aristóteles até hoje - 6 - Daumier e José Maria Dias da Cruz

Teoria das cores, de Aristóteles até hoje - 6


Com a industrialização várias crises surgiram: a luta de classes, por exemplo, a neocolonização da África, problemas econômicos, desemprego, concentração de renda e a consequente desigualdade social, etc. A arte as percebeu. Surgiram escritores como Charles Dickens, Vitor Hugo e artistas como Coubert,  Daumier, os impressionistas, uns mostrando o dia a dia dos menos favorecidos e esses últimos, os impressionistas, saindo do atelier para pintar ao ar livre. Têm aqueles que saíram de Paris; Van Gogh, admirador de Millet que introduz o expressionismo; Gauguin que se interessa pela arte primitiva do Taiti que depois vai influenciar Picasso; e Cézanne que cria as bases da arte moderna. A arte, para dar conta dessas crises, teve que pensar em um espaço plástico aqui, no espaço imediato, e não mais lá, no espaço remoto, ou ali, na superfície do suporte. E se lá, no espaço remoto, ou ali, na superfície do suporte, como muitos pintores continuaram a fazê-lo, passa mostrar, com novas ideias, as diversas faces dessas crises.



Daumier

Se observarmos os quadros de Cézanne, e citarmos algumas de suas frases (Seguem abaixo), ou seja, partirmos das fontes primárias, , poderemos afirmar que ele criou outra teoria das cores.
"Quanto mais as cores se harmonizam, mas as formas se precisam".
“Na natureza tudo está colorido.”
Cézanne encerra a discussão entre desenhistas e coloristas. Creio que podemos dizer que no pictórico, ou em um colorido, as cores são concretas adjetivas e as formas a elas ficam subordinadas, e no gráfico as cores abstratas substantivas ficam subordinadas às formas. 
"A luz não existe para o pintor, tem que ser substituída por outra coisa, a cor".
Seguindo o mestre de Aix e observando as cores simples de Leonardo da Vinci e considerando o conflito entre a percepção sensível e a linguagem, e por extensão as cores concretas, descartei o círculo cromático iluminista. Segue uma assemblage.
 
Outra frase de Cézanne. "Somente um cinza reina na natureza e alcançá-lo é de uma dificuldade espantosa". Segue uma assemblage:




Cézanne afirmou que somente um cinza reina na natureza. Rilke em suas cartas sobre Cézanne disse que esse cinza não existe, mas que se manifesta no quadro e dele surgem as cores.
Denomino o cinza intuído com conhecimento plástico pelo mestre de Aix como sempiterno.
Um tom considerado como cor concreta adjetiva se rompe, objetivamente, quando sobre ele se sobrepõe sua oposta, sua pós-imagem. Não é, como muitos teóricos afirmam, um problema de misturas pigmentares, ou seja, uma pintura retiniana denunciada por Duchamp. Temos então uma distância entre a cor e sua oposta e a passagem entre elas é um ponto. Diremos, então, que esse ponto, que não possui nenhuma dimensão, não é mais aquele definido pela geometria euclidiana, é um não espaço, um não tempo, mas com uma potência. Como todas as cores se rompem, o cinza onipresente contém todas elas, ou seja, todos os coloridos, e assim este cinza é causa e efeito de todas as cores e coloridos. Como na natureza tudo está colorido, o cinza onipresente nela se manifesta como um pré ou pós-fenômeno.
Mas não percebemos todos os coloridos, esses nos são interditados. Daí entendermos porque Cézanne dizia que só pinta uma fração do espaço. Cada colorido, então, terá seu exclusivo cinza sempiterno e com a mesma lógica do cinza onipresente, ou seja, ambos são causa de si mesmo. E há ainda a questão de jamais sabermos quando uma cor é ela mesma. Podemos pensar na geometria dos fractais e na topologia. E mais ainda, o colorido com uma dimensão metafísica e ontológica, estas agora enriquecidas com as novas descobertas da física quântica.
Outras frases: "Entre o objeto e o pintor se interpõe um plano, a atmosfera. A natureza é mais em profundidades que em superfície".


Segue uma assemblage.
Acredito que, por um espírito de época e a sincronicidade e o inconsciente coletivo pensados por Jung, nesse espaço à frente do quadro que coincide com esse no qual nos orientamos fez Duchamp colocar nele sua obra A fonte.
Podemos considerar, partindo da geometria dos fractais, uma superfície plana na qual se transfere um colorido com mais de duas e menos de três dimensões.    
Cabe aqui uma observação sobre os cubistas. Dizem os historiadores de arte que os cubistas no período analítico criavam quadros com apenas duas dimensões e que usavam umas poucas cores: ocres, terras e cinzas não os considerando coloristas. Se Diderot diz que em cada dez pintores apenas um é colorista acrescento: no pictórico (os coloristas) a forma fica subordinada às cores e no gráfico (desenhistas) as cores ficam subordinadas às formas. Mas não há nem um nem outro de forma absoluta, e assim podemos exemplificar: Cézanne e  Braque criam um equilíbrio entre o gráfico e o pictórico.
 


quarta-feira, 6 de março de 2019


Parece-me que uma crise na pintura que eclodiu a partir da década de sessenta do século XX e os discursos sobre sua morte recalcaram ainda mais a questão da cor. Claro, isso não impediu que grandes artistas com novas ideias surgissem, como acima anotamos.

Estou imaginando a possibilidade de se pensar em uma geometria das cores. E digo que essa geometria sou eu, pois a cor é um fenômeno subjetivo. Mas assim como Cézanne, me sinto como um primitivo pelas coisas novas que descobri. Muitas são ainda as dúvidas.
Vejamos, agora, como essas questões se desdobraram nas obras de alguns artistas modernos e contemporâneos.

Certamente Hélio Oiticica percebeu o impasse a que chegara a pintura ao insistir na utilização de uma teoria cromática baseada no círculo cromático pós-newtoniano. Afirmou que havia um problema importante na pintura contemporânea, a cor. Penso que ele, ao afirmar o fim da pintura de cavalete, não estava endossando o que muitos artistas e críticos afirmavam: a morte da pintura. Penso que condenava as pinturas realizadas no espaço remoto. Disse que a era da pintura de cavalete estava definitivamente encerrada.  Hélio Oiticica pensou no núcleo da cor, em sua dimensão temporal e espacializou a pintura ao realizar os relevos e os parangolés. Pergunto-me: não estaria também esse artista seguindo Cézanne, que nos mostrou um espaço da pintura coincidindo com esse no qual nos orientamos? Lida menos com o conceito da cor abstrata substantiva e enfatiza mais a concreta adjetiva, muito embora ainda não as diferenciasse. E mais ainda: estará nos apontando para repensar o que Leonardo da Vinci nos diz sobre o serpenteamento e uma visão  bi ocular, e como o pintor deve evitar a segunda morte da pintura?

Com a industrialização várias crises surgiram: a luta de classes, por exemplo, a neocolonização da África, problemas econômicos, desemprego, concentração de renda e a consequente desigualdade social, etc. A arte as percebeu. Surgiram escritores como Charles Dickens, Vitor Hugo e artistas como Coubert,  Daumier, os impressionistas, uns mostrando o dia a dia dos menos favorecidos e esses últimos, os impressionistas, saindo do atelier para pintar ao ar livre. Têm aqueles que saíram de Paris; Van Gogh, admirador de Millet que introduz o expressionismo; Gauguin que se interessa pela arte primitiva do Taiti que depois vai influenciar Picasso; e Cézanne que cria as bases da arte moderna. A arte, para dar conta dessas crises, teve que pensar em um espaço plástico aqui, no espaço imediato, e não mais lá, no espaço remoto, ou ali, na superfície do suporte. E se lá, no espaço remoto, ou ali, na superfície do suporte, como muitos pintores continuaram a fazê-lo, passa mostrar, com novas ideias, as diversas faces dessas crises.


Daumier

Se observarmos os quadros de Cézanne, e citarmos algumas de suas frases (Seguem abaixo), ou seja, partirmos das fontes primárias, , poderemos afirmar que ele criou outra teoria das cores.
"Quanto mais as cores se harmonizam, mas as formas se precisam".
“Na natureza tudo está colorido.”
Cézanne encerra a discussão entre desenhistas e coloristas. Creio que podemos dizer que no pictórico, ou em um colorido, as cores são concretas adjetivas e as formas a elas ficam subordinadas, e no gráfico as cores abstratas substantivas ficam subordinadas às formas. 
"A luz não existe para o pintor, tem que ser substituída por outra coisa, a cor".
Seguindo o mestre de Aix e observando as cores simples de Leonardo da Vinci e considerando o conflito entre a percepção sensível e a linguagem, e por extensão as cores concretas, descartei o círculo cromático iluminista. Segue uma assemblage. 


 
Outra frase de Cézanne. "Somente um cinza reina na natureza e alcançá-lo é de uma dificuldade espantosa". Segue uma assemblage:



Cézanne afirmou que somente um cinza reina na natureza. Rilke em suas cartas sobre Cézanne disse que esse cinza não existe, mas que se manifesta no quadro e dele surgem as cores.
Denomino o cinza intuído com conhecimento plástico pelo mestre de Aix como sempiterno.
Um tom considerado como cor concreta adjetiva se rompe, objetivamente, quando sobre ele se sobrepõe sua oposta, sua pós-imagem. Não é, como muitos teóricos afirmam, um problema de misturas pigmentares, ou seja, um pintura retiniana denunciada por Duchamp. Temos então uma distância entre a cor e sua oposta e a passagem entre elas é um ponto. Diremos, então, que esse ponto, que não possui nenhuma dimensão, não é mais aquele definido pela geometria euclidiana, é um não espaço, um não tempo, mas com uma potência. Como todas as cores se rompem, o cinza onipresente contém todas elas, ou seja, todos os coloridos, e assim este cinza é causa e efeito de todas as cores e coloridos. Como na natureza tudo está colorido, o cinza onipresente nela se manifesta como um pré ou pós-fenômeno. 

Mas não percebemos todos os coloridos, esses nos são interditados. Daí entendermos porque Cézanne dizia que só pinta uma fração do espaço. Cada colorido, então, terá seu exclusivo cinza sempiterno e com a mesma lógica do cinza onipresente, ou seja, ambos são causa de si mesmo. E há ainda a questão de jamais sabermos quando uma cor é ela mesma. Podemos pensar na geometria dos fractais e na topologia. E mais ainda, o colorido com uma dimensão metafísica e ontológica, estas agora enriquecidas com as novas descobertas da física quântica. 

Outras frases: "Entre o objeto e o pintor se interpõe um plano, a atmosfera. A natureza é mais em profundidades que em superfície".


Segue uma assemblage.




Segue uma assemblage. 



Teoria das cores, de Aristóteles até hoje, - 5 - José Maria Dias da Cruz, Cézanne, Matisse e Derain



 Teoria das cores, de Aristóteles até hoje, - 5
Seurat, no final do século XIX e início do XX, baseado no livro de Chevreul, Da lei dos contrastes simultâneos, realizou uma obra ancorada em princípios científicos. Estudou a divisão do tom baseado no círculo cromático iluminista. Seurat foi seguido por Paul Signac e esse método foi classificado pela crítica como pontilhismo, que pode indicar, talvez, bem mais um procedimento que uma questão teórica. Seurat preferia que fosse classificado como divisionismo, ou seja, que um tom, visto a curta distância, poderia ser divido em pequenas pinceladas de cor, que quando vistas a longa distância resultariam no tom original da cor local. Por outro lado seus quadros eram construídos a partir do número de ouro, ou seja, baseados na geometria euclidiana, que o colocava próximo à tradição grega retomada durante a Renascença.
Os impressionistas ocuparam-se com as variações cambiantes da luz. São importantes coloristas e basearam-se no círculo iluminista.
Alguns impressionistas utilizaram em seus quadros duas escalas básicas para a passagem luz-sombra que obedeciam à ordem das cores do espectro. As duas escalas: 1 - laranja, amarelo, verde e azul; 2 - laranja, vermelho, violeta e azul. ´
André Lhote em seu livro Tratado da paisagem dizia que o pintor devia escolher uma ou outra escala. Em vários quadros meus utilizei as duas escalas. Segue um exemplo.




José Maria Dias da Cruz
Kandisnky pensou, sobretudo, no simbolismo das cores. Em relação às formas e cores  considerou o quadrado, o triângulo e o círculo formas primárias, sendo o primeiro vermelho, o segundo amarelo e o terceiro azul. Reconstruiu um circulo cromático no qual o oposto do laranja era o violeta.
Para Klee os coloridos possuíam um ritmo e um movimento como a música. Em minha assemblage mostro como diagramou um esquema de cores. Um eixo representando os claros e escuros e em torno, em movimento, os amarelos, vermelhos e azuis. 



Aristóteles ao enfatizar a relação claro-escuro e considerar a cor supérflua fez com que os artistas, mesmo os coloristas, respeitassem as cores locais. Cézanne em seus retratos começa a romper com a cor local e é seguido por Matisse. Os fauves abolem totalmente a cor local. Seguem umas imagens. 


 Cézanne


 Matisse


 Derain


Derain

Parece-me que uma crise na pintura que eclodiu a partir da década de sessenta do século XX e os discursos sobre sua morte recalcaram ainda mais a questão da cor. Claro, isso não impediu que grandes artistas com novas ideias surgissem, como acima anotamos.

Estou imaginando a possibilidade de se pensar em uma geometria das cores. E digo que essa geometria sou eu, pois a cor é um fenômeno subjetivo. Mas assim como Cézanne, me sinto como um primitivo pelas coisas novas que descobri. Muitas são ainda as dúvidas.
Vejamos, agora, como essas questões se desdobraram nas obras de alguns artistas modernos e contemporâneos.
Certamente Hélio Oiticica percebeu o impasse a que chegara a pintura ao insistir na utilização de uma teoria cromática baseada no círculo cromático pós-newtoniano. Afirmou que havia um problema importante na pintura contemporânea, a cor. Penso que ele, ao afirmar o fim da pintura de cavalete, não estava endossando o que muitos artistas e críticos afirmavam: a morte da pintura. Penso que condenava as pinturas realizadas no espaço remoto. Disse que a era da pintura de cavalete estava definitivamente encerrada.  Hélio Oiticica pensou no núcleo da cor, em sua dimensão temporal e espacializou a pintura ao realizar os relevos e os parangolés. Pergunto-me: não estaria também esse artista seguindo Cézanne, que nos mostrou um espaço da pintura coincidindo com esse no qual nos orientamos? Lida menos com o conceito da cor abstrata substantiva e enfatiza mais a concreta adjetiva, muito embora ainda não as diferenciasse. E mais ainda: estará nos apontando para repensar o que Leonardo da Vinci nos diz sobre o serpenteamento e uma visão  bi ocular, e como o pintor deve evitar a segunda morte da pintura?