Sergio, você nasceu e cresceu em João Pessoa, casou-se e foi morar numa
comunidade alternativa na Chapada de Guimarães e foi estudar pintura em Berlim,
como foram esses ritos de passagem?
Minha vida
nunca foi um plano consciente, as coisas foram acontecendo e aos poucos
descobri o que eu sou, sou um pintor. Hoje percebo que por todo o tempo segui e
continuo seguindo um mapa, uma espécie de mapa da alma. Se antes eu o seguia sem saber hoje sei que o
sigo, ainda que não saiba para onde ele me leva nem o que me espera adiante. Tudo
é mistério, a diferença está na aceitação consciente do caminho. O grande rito
de passagem, aquele que reuni as qualidades que compõe a natureza de todos os
ritos, se dá quando aceito o que me traz a vida. Este é o principio, o meio e o
fim.
Quando você começou na arte, depois dos estudos em Berlim qual foi
sua formação em arte?
Minha formação
se inicia no ateliê do artista Flávio Tavares. Conheci Flávio quando tinha
dezessete anos, sua generosidade me permitiu frequentar seu ateliê durante
cinco anos, ele me iniciou na arte. Nunca tive acesso a uma educação formal em
arte. Mesmo quando ganhei bolsa para ir viver em Berlim, foi para uma
experiência de intercambio com alguns artistas alemães. Lá frequentei os museus,
o meio artístico, os ateliês e as discussões numa rica troca de experiências.
Minha grande formação foi a vida e os livros, aqueles de arte, poucos e raros
que na juventude me caiam às mãos, e, claro, os livros de ciência, literatura e
poesia. Os mestres me ensinaram a distancia. Ensinaram-me o fundamental. Com
eles eu aprendi que a arte e a vida são uma só coisa.
Que artistas influenciam seu pensamento?
No campo das
artes visuais, atualmente, cito cinco artistas que muito dizem sobre minha
busca. Gerhard Richter, Mark Rothko, Anish Kapoor, Olafur
Eliasson e James Turrell. Entretanto é
importante salientar que se hoje estes artistas são referência para mim, se
tenho acesso aos valores que eles trazem ao mundo, isto se deve ao caminho
iluminado pelos muitos grandes artistas, místicos, cientistas e pensadores que
amo e que, em dado momento, deram significado a minha vida. Eu sou a soma de
tudo o que mobiliza minha atenção.
Como você descreve sua obra?
Minha obra não
pode ser definida ainda, está em processo. Algum dia adiante se algo ela houver
trazido de significativo, isto a definirá.
Posso apenas dizer
que se trata de um movimento natural e instintivo na direção oposta ao que vejo
como um caminho alienado e autodestrutivo, conhecido por sociedade de massa.
A eliminação
do indivíduo em favor de um ser sem consciência de identidade, um zumbi a
serviço do modelo de produção e consumo industrial de massa, modelo que
despreza a natureza e dela nos afasta, eu não aceito. Nada de bom pode vir
disto, não é humano, é contrário à vida e a arte.
Por favor, fale sobre as mídias e os assuntos discutidos.
Arte
é o meu assunto e sua discussão perdeu espaço na mídia tradicional, não há mais
lugar para a reflexão, para a crítica de arte nos meios tradicionais de
comunicação, os jornais e as revistas. A reflexão foi gradualmente substituída
pela propaganda de eventos culturais. Compreensível,
assim é que se dá a implantação do processo de destituição do pensamento de
opinião em favor da unanimidade, do gosto comum tão adequado ao consumo de
massa. Existem algumas poucas revistas especializadas, mas mesmo estas, com
raras exceções, parecem ter um discurso combinado. No geral trazem um texto que
não se compromete com nada, que descreve numa linguagem hermética a obra e o
artista em questão, mas sem emitir qualquer opinião, sem dizer a que veio nem como
se situa no contexto. Não vejo paixão, não vejo comprometimento apenas
corporativismo. Isto está acontecendo em todas as áreas, de maneira que acho
que a discussão de opinião hoje acontece no paralelo, por meio dos blogs e
outras iniciativas na internet.
O que é ser um pintor no século XXI?
Você Márcio, é
médico. Diga-me, o que é ser um médico no século XXI? Para mim a única coisa
que mudou, e seguirá mudando, é que as possibilidades de expressão assim como as
possibilidades tecnológicas são maiores.
Tanto para o
pintor como para o médico, o compromisso com sua própria consciência implica
hoje nas mesmas questões com as quais se deparava o artista das cavernas, ou o
curandeiro.
Estou nesta
vida de artista pintor a mais de trinta anos e nunca dei ouvidos para aquele
papo que a pintura morreu. Claro que sinto o impacto desta falácia que seria
apenas tolice se, no mais das vezes, não se tratasse de má fé.
Pergunto, qual
o porquê desta discussão sobre as mídias, os suportes, a constante depreciação
de umas em favor de outras, quando a única questão em jogo é o valor, o significado
do que está sendo dito? Diante uma expressão de arte a questão é: isto diz
respeito ao que nós estamos vivenciando, isto está a nos preparar para o porvir
?? É disto que, definitivamente, temos que tratar.
Você trabalha no Brasil e na Europa e Estados Unidos, que diferença
você percebe?
Em muitas
coisas o Brasil está evoluindo, mas algumas coisas parecem teimar em continuar
como d’antes. No campo da arte podemos notar algo que reflete, ainda, muito do
nosso subdesenvolvimento. Diferente de países com identidade mais sólida, no
Brasil há um empenho por demolir toda tradição em favor de uma suposta postura
contemporânea. Temos de estar em acordo com o ultimo grito da moda, o que para
mim só denuncia um mal resolvido sentimento de inferioridade.
Mas não sou
pessimista. Creio que, aos poucos, as coisas estão mudando. Neste mundo
atônito, guiado por um modelo econômico insustentável e sem respostas ao seu
acelerado declínio, o Brasil se vê diante a oportunidade de se afirmar como uma
alternativa ao velho padrão. Se vamos conseguir é uma incógnita, ainda. Mas o
fato é que cada vez mais surgem artistas alheios às imposturas externas e
internas cujo objetivo é puramente colonizador. Em todo o país algo acontece do
grafite a musica da periferia, do cinema ao mangue beat, muita coisa intensa e
com identidade. Em reação a isto alguns tentam disseminar a ideia de que esta
postura é perigosa, é nacionalista, um retrocesso ao pitoresco, ao regional, ao
folclórico, o que eu discordo. Definitivamente não é isto o que acontece nem tão
pouco é disto que estou falando, parafraseando o Samuel Johnson, acho que o nacionalismo é o ultimo refugio do
canalha. Refiro-me à voz própria, condição sine qua non à nossa efetiva
participação num cenário global.
Repare que diante
a obra do Anselm Kiefer você se depara com uma expressão universal, a qual, por
sua vez, não abdica da sua aldeia. Diga-me, o que, sendo cósmico, pode ser mais
alemão que Anselm Kiefer?
No Brasil,
agora, e isto é o que me anima, vejo o florescimento de uma geração que se
destaca por afirmar sua identidade. Não são frutos do acaso, mas de um legado
que não foi esquecido. Cito dentre vários a Adriana Varejão, o Luiz Hermano, a
Beatriz Milhazes, o Waltércio Caldas, o Luiz Zerbini. Eles nos alertam que sem alma não somos nada,
que é preciso cantar alto nossa própria canção.
Ao que parece, de quinze anos para cá, começa a se profissionalizar e a existir como uma realidade. Acho que não tem perigo de retroagir, ao contrario, tende a se afirmar e a expandir. As feiras de arte em São Paulo e no Rio refletem isto, uma consequência direta ao crescimento do país em importância global.
Qual a importância de sua formação em Física Quântica e Psicologia no seu
trabalho?
Não posso
dizer que tenho formação nestas áreas do conhecimento, abandonei ambos os
cursos sem concluí-los, mas nunca abandonei meu interesse nos temas e segui
estudando-os de forma livre. A Física e a Psicologia, somadas ao meu interesse
por tudo o que é humano compõem a substancia da minha pintura. Estes interesses
não existem separados, eles são complementares, atuam em uníssono e me falam do
que existe por trás das representações. Minha pintura como toda arte é apenas
representação, um dedo que aponta para algo. Quem puder ver a representação
verá, em si mesmo, aquilo que é representado.
Qual o significado de sua premiação pela ABCA com o Prêmio Mário Pedroza,
2011?
Fui indicado
ao Prêmio Mário Pedrosa para artista contemporâneo da ABCA, Associação Brasileira
de Críticos de Arte, pela crítica Mariza Bertoli, em razão da minha atuação em
2011, com exposições em Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Não tinha contato
com a Mariza até então, o que me agradou muito dado à isenção da indicação. Dos
vários artistas indicados por vários outros críticos três foram escolhidos para
concorrer ao prêmio, a Lenora de Barros, o Nelson Felix e eu. Houve então uma
votação nacional dos críticos do país e por fim eu fui o escolhido. O
significado disto não diz respeito a uma competição, foi uma honra imensa estar
ao lado de artistas deste naipe, para mim isto já era o prêmio. O que se deu
foi o reconhecimento de um trabalho que fora gestado e desenvolvido durante
mais de dez anos, e que pôde vir ao mundo de forma intensa e ampla naquele ano
de 2011.
Há
um livro que recomendo a todos, especialmente àqueles que pensam em seguir uma
atividade artística, chama-se Cartas a um
Jovem Poeta, do poeta Rainer Maria Rilke. Nele está dado o único conselho
possível a um artista.
Representa luz e espaço. As condições físicas adequadas à demanda da minha pintura. Algo pelo quê agradeço aos Deuses terem me propiciado.
Quais são seus planos para o futuro?
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