Biografia
Vittorio Gobbis (Motta di Livrenza, Itália 1894 - São Paulo SP 1968). Pintor, desenhista, gravador e restaurador. Filho e neto de pintor e decorador, frequenta academias em Veneza e Roma, contrariando a opinião do pai, que deseja que ele siga carreira no comércio. Gobbis trabalha como pintor e restaurador em Veneza até 1923, quando resolve abandonar a profissão e partir para o Brasil. Segundo depoimentos de seus contemporâneos,1 vem guiado pelo espírito aventureiro e decidido a não mais pintar. Mas rapidamente retoma os pincéis. Segundo Sérgio Milliet, sua melhor fase vai de 1928 a 1932. Em 1931 participa do Salão Revolucionário, realizado por Lucio Costa na Escola Nacional de Belas Artes - Enba, e a qualidade técnica de sua obra chama a atenção de Mário de Andrade. No decorrer da década Gobbis participa ativamente da cena artística paulistana, torna-se sócio-fundador da Sociedade Pró-Arte Moderna - Spam e do Clube dos Artistas Modernos - CAM, criados em 1932. Realiza sua primeira mostra individual, na rua Barão de Itapetininga, em São Paulo, em 1933. Nesse mesmo ano é agraciado com a medalha de ouro do Salão Nacional de Belas Artes - SNBA. Em 1935 participa, ao lado de Candido Portinari, da International Exhibition of Painting [Exposição Internacional de Pintura], no Carnegie Institute, em Pittsburgh, Estados Unidos. Destaca-se também sua participação como idealizador e membro da Família Artística Paulista - FAP, grupo formado em 1937 e dirigido por Rossi Osir; seu envolvimento na criação do Salão de Maio; e a proximidade com os artistas do Grupo Santa Helena, 1934, em sua maioria artesãos que trabalham em um ateliê comum no Palacete Santa Helena, localizado na praça da Sé, em São Paulo. Organiza o 1º Salão de Arte da Feira Nacional de Indústrias, em 1941. Nas décadas de 1930 e 1940, o próprio ateliê de Gobbis funciona como um núcleo disseminador de arte. Expõe na 1ª e 2ª Bienal Internacional de São Paulo. Em 1965, em função de sua experiência no campo do restauro, é incumbido de transportar e restaurar o afresco da Santa Ceia, de Antonio Gomide, que acaba de ser doado ao Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo - MAC/USP, num trabalho que, segundo Aracy Amaral,2 tem resultados polêmicos.
Comentário crítico
O virtuosismo técnico, a tradição classicizante que ele traz de seu país natal e o engajamento no processo de modernização da arte brasileira - que desemboca na formação da Família Artística Paulista - FAP, em 1937 - fazem de Vittorio Gobbis figura de destaque na produção artística nacional do período entre guerras (1918-1939). Ao lado de alguns poucos artistas de formação italiana, como Hugo Adami e Rossi Osir, o que enfatiza ainda mais a aproximação entre o modernismo bem-comportado de segunda geração no Brasil e as experiências do Novecento Italiano -, Gobbis materializa em suas obras alguns dos principais aspectos do "retorno à ordem", o fenômeno artístico que marca fortemente a produção entre as décadas de 1920 e 1940.
Sua formação em academias de arte de Roma e Veneza bem como a importância da tradição familiar (avô e pai já trabalhavam com pintura e restauro e é o pai que lhe ensina os primeiros procedimentos do metiê), refletem-se no apurado acabamento de suas telas. O tratamento das cores, a escolha dos temas e a estrutura sintética acompanham essa combinação entre virtuosismo técnico e apreço ao naturalismo e à sensualidade plástica.
Mário de Andrade, que descobre Gobbis no 38º Salão da Escola Nacional de Belas Artes - Enba, ou Salão Revolucionário, de 1931, destaca sua "lógica de construção" e fala em "sensualidade realmente esplêndida" ao referir-se a um dos retratos de sua autoria expostos no salão. Em outra ocasião, Andrade aponta a vinda de Gobbis e de Osir ao Brasil como fator importante de renovação, afirmando que o fato de eles serem "homens capazes de conversar sobre as diferenças de pincelada de um Rafael e de um Ticiano e sabendo o que é ligar uma cor à sua vizinha, veio mansamente destruir o nosso analfabetismo pictórico".
Sua escolha de temas é ampla, da natureza-morta (com destaque para elegantes vasos de flores) à paisagem, e as cores são quentes e harmônicas, como se pode ver em uma de suas mais célebres telas, Nu Recostado, de 1931, pertencente ao acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo - MAM/SP. Para o crítico Tadeu Chiarelli, essa tela mostra como Gobbis é "um artista sensível à luz, sabendo porém conter a cor nos limites plásticos do desenho que contorna sensualmente a figura".3 Chiarelli também enfatiza a estrutura sintética de suas obras, sem enveredar nunca por experimentalismos, permanecendo sempre fiel aos preceitos do realismo e ao tratamento virtuoso da matéria pictórica.
Curiosamente, Gobbis mantém, simultaneamente, dois tipos de produção pictórica. Ao mesmo tempo que não faz concessões nas telas que assina com seu verdadeiro nome, tem por hábito produzir uma outra espécie de pintura mais vendável, "à vontade do freguês", como diz Sérgio Milliet.4 Um de seus pseudônimos para esses quadrinhos, que, segundo depoimento de Quirino da Silva são produzidos em série, é Professor Bizoni. Informa o autor: "Os quadrinhos pintados eram marinhas, paisagens, todos sobre tabuazinhas de cedro. Distribuía o pintor essas tábuas sobre uma grande prancheta, e depois com um pote de tinta azul, Gobbis pintava o céu de todas elas. Isto feito, com um outro pote de tinta verde pintava o mar..."5
Essa pintura de sobrevivência, que atende aqueles que, segundo ele, não gostam e não entendem de arte, nada tem a ver com o esforço de consolidar cada vez mais um campo autônomo para a produção artística.
Quirino da Silva conta que Gobbis alugava quartos a artistas como Hélios Seelinger e Wasth Rodrigues, transformando sua casa, na praça da República, num "reduto da boemia artística de São Paulo". Ele também se engaja em todos os principais eventos do período, tornando-se sócio-fundador da Sociedade Pró-Arte Moderna - Spam e do Clube dos Artistas Modernos - CAM, criados em 1932, e articulador ativo de movimentos como o Salão de Maio e a Família Artística Paulista.
Notas
1 Ver por exemplo as seguintes reportagens: SILVA, Quirino. Vittorio Gobbis. Diário da Noite, São Paulo, Notas de Arte, 13 e 14 jan. 1959; MARANCA, Paolo. Vittorio Gobbis. Notícias de Hoje, 1º mar. 1959; MILLIET, Sergio. Vittorio Gobbis. O Estado de S. Paulo, São Paulo, Suplemento Literário, 3 mar. 1962.
2 AMARAL, Aracy. Textos do Trópico de Capricórnio: artigos e ensaios (1980-2005) - Vol. 1: Modernismo, arte moderna e o compromisso com o lugar. São Paulo: Editora 34, 2006.
3 CHIARELLI, Tadeu. Arte internacional brasileira. São Paulo, Lemos Editorial, 2002, p. 75.
4 MILLIET, Sérgio. Vittorio Gobbis. O Estado de S. Paulo, São Paulo, Suplemento Literário, 3 mar. 1962.
5 SILVA, Quirino da. Vitorio Gobbis. Diário da Noite, São Paulo, Notas de Arte, 13 e 14 jan. 1959.
Fonte Itaú Cultural
Vittorio Gobbis (Motta di Livrenza, Itália 1894 - São Paulo SP 1968). Pintor, desenhista, gravador e restaurador. Filho e neto de pintor e decorador, frequenta academias em Veneza e Roma, contrariando a opinião do pai, que deseja que ele siga carreira no comércio. Gobbis trabalha como pintor e restaurador em Veneza até 1923, quando resolve abandonar a profissão e partir para o Brasil. Segundo depoimentos de seus contemporâneos,1 vem guiado pelo espírito aventureiro e decidido a não mais pintar. Mas rapidamente retoma os pincéis. Segundo Sérgio Milliet, sua melhor fase vai de 1928 a 1932. Em 1931 participa do Salão Revolucionário, realizado por Lucio Costa na Escola Nacional de Belas Artes - Enba, e a qualidade técnica de sua obra chama a atenção de Mário de Andrade. No decorrer da década Gobbis participa ativamente da cena artística paulistana, torna-se sócio-fundador da Sociedade Pró-Arte Moderna - Spam e do Clube dos Artistas Modernos - CAM, criados em 1932. Realiza sua primeira mostra individual, na rua Barão de Itapetininga, em São Paulo, em 1933. Nesse mesmo ano é agraciado com a medalha de ouro do Salão Nacional de Belas Artes - SNBA. Em 1935 participa, ao lado de Candido Portinari, da International Exhibition of Painting [Exposição Internacional de Pintura], no Carnegie Institute, em Pittsburgh, Estados Unidos. Destaca-se também sua participação como idealizador e membro da Família Artística Paulista - FAP, grupo formado em 1937 e dirigido por Rossi Osir; seu envolvimento na criação do Salão de Maio; e a proximidade com os artistas do Grupo Santa Helena, 1934, em sua maioria artesãos que trabalham em um ateliê comum no Palacete Santa Helena, localizado na praça da Sé, em São Paulo. Organiza o 1º Salão de Arte da Feira Nacional de Indústrias, em 1941. Nas décadas de 1930 e 1940, o próprio ateliê de Gobbis funciona como um núcleo disseminador de arte. Expõe na 1ª e 2ª Bienal Internacional de São Paulo. Em 1965, em função de sua experiência no campo do restauro, é incumbido de transportar e restaurar o afresco da Santa Ceia, de Antonio Gomide, que acaba de ser doado ao Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo - MAC/USP, num trabalho que, segundo Aracy Amaral,2 tem resultados polêmicos.
Comentário crítico
O virtuosismo técnico, a tradição classicizante que ele traz de seu país natal e o engajamento no processo de modernização da arte brasileira - que desemboca na formação da Família Artística Paulista - FAP, em 1937 - fazem de Vittorio Gobbis figura de destaque na produção artística nacional do período entre guerras (1918-1939). Ao lado de alguns poucos artistas de formação italiana, como Hugo Adami e Rossi Osir, o que enfatiza ainda mais a aproximação entre o modernismo bem-comportado de segunda geração no Brasil e as experiências do Novecento Italiano -, Gobbis materializa em suas obras alguns dos principais aspectos do "retorno à ordem", o fenômeno artístico que marca fortemente a produção entre as décadas de 1920 e 1940.
Sua formação em academias de arte de Roma e Veneza bem como a importância da tradição familiar (avô e pai já trabalhavam com pintura e restauro e é o pai que lhe ensina os primeiros procedimentos do metiê), refletem-se no apurado acabamento de suas telas. O tratamento das cores, a escolha dos temas e a estrutura sintética acompanham essa combinação entre virtuosismo técnico e apreço ao naturalismo e à sensualidade plástica.
Mário de Andrade, que descobre Gobbis no 38º Salão da Escola Nacional de Belas Artes - Enba, ou Salão Revolucionário, de 1931, destaca sua "lógica de construção" e fala em "sensualidade realmente esplêndida" ao referir-se a um dos retratos de sua autoria expostos no salão. Em outra ocasião, Andrade aponta a vinda de Gobbis e de Osir ao Brasil como fator importante de renovação, afirmando que o fato de eles serem "homens capazes de conversar sobre as diferenças de pincelada de um Rafael e de um Ticiano e sabendo o que é ligar uma cor à sua vizinha, veio mansamente destruir o nosso analfabetismo pictórico".
Sua escolha de temas é ampla, da natureza-morta (com destaque para elegantes vasos de flores) à paisagem, e as cores são quentes e harmônicas, como se pode ver em uma de suas mais célebres telas, Nu Recostado, de 1931, pertencente ao acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo - MAM/SP. Para o crítico Tadeu Chiarelli, essa tela mostra como Gobbis é "um artista sensível à luz, sabendo porém conter a cor nos limites plásticos do desenho que contorna sensualmente a figura".3 Chiarelli também enfatiza a estrutura sintética de suas obras, sem enveredar nunca por experimentalismos, permanecendo sempre fiel aos preceitos do realismo e ao tratamento virtuoso da matéria pictórica.
Curiosamente, Gobbis mantém, simultaneamente, dois tipos de produção pictórica. Ao mesmo tempo que não faz concessões nas telas que assina com seu verdadeiro nome, tem por hábito produzir uma outra espécie de pintura mais vendável, "à vontade do freguês", como diz Sérgio Milliet.4 Um de seus pseudônimos para esses quadrinhos, que, segundo depoimento de Quirino da Silva são produzidos em série, é Professor Bizoni. Informa o autor: "Os quadrinhos pintados eram marinhas, paisagens, todos sobre tabuazinhas de cedro. Distribuía o pintor essas tábuas sobre uma grande prancheta, e depois com um pote de tinta azul, Gobbis pintava o céu de todas elas. Isto feito, com um outro pote de tinta verde pintava o mar..."5
Essa pintura de sobrevivência, que atende aqueles que, segundo ele, não gostam e não entendem de arte, nada tem a ver com o esforço de consolidar cada vez mais um campo autônomo para a produção artística.
Quirino da Silva conta que Gobbis alugava quartos a artistas como Hélios Seelinger e Wasth Rodrigues, transformando sua casa, na praça da República, num "reduto da boemia artística de São Paulo". Ele também se engaja em todos os principais eventos do período, tornando-se sócio-fundador da Sociedade Pró-Arte Moderna - Spam e do Clube dos Artistas Modernos - CAM, criados em 1932, e articulador ativo de movimentos como o Salão de Maio e a Família Artística Paulista.
Notas
1 Ver por exemplo as seguintes reportagens: SILVA, Quirino. Vittorio Gobbis. Diário da Noite, São Paulo, Notas de Arte, 13 e 14 jan. 1959; MARANCA, Paolo. Vittorio Gobbis. Notícias de Hoje, 1º mar. 1959; MILLIET, Sergio. Vittorio Gobbis. O Estado de S. Paulo, São Paulo, Suplemento Literário, 3 mar. 1962.
2 AMARAL, Aracy. Textos do Trópico de Capricórnio: artigos e ensaios (1980-2005) - Vol. 1: Modernismo, arte moderna e o compromisso com o lugar. São Paulo: Editora 34, 2006.
3 CHIARELLI, Tadeu. Arte internacional brasileira. São Paulo, Lemos Editorial, 2002, p. 75.
4 MILLIET, Sérgio. Vittorio Gobbis. O Estado de S. Paulo, São Paulo, Suplemento Literário, 3 mar. 1962.
5 SILVA, Quirino da. Vitorio Gobbis. Diário da Noite, São Paulo, Notas de Arte, 13 e 14 jan. 1959.
Fonte Itaú Cultural
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