terça-feira, 10 de maio de 2011
Conversando sobre Arte Entrevistado José Maria Dias da Cruz
Conheci o artista e professor José Maria Dias da Cruz
como seu aluno na Escola de Artes Visuais do Parque Lage.
Impressionou-me seu conhecimento sobre arte e, especialmente cores,
assunto estudado por ele durante anos. Ao mesmo tempo, era professor
interessado em transferir para o aluno todo seu saber. Sua educação
esmerada, sua permanente disponibilidade e sua sólida cultura causaram
em todos nós uma impressão muito significativa. Saí de lá com a sensação
que cada aluno acabava um amigo e admiridor do grande mestre. Fico
feliz em oferecer aos leitores do blog seu depoimento. O vídeo é de sua
exposição no Paço Imperial.
Como a arte entrou em sua vida?
Perde-se no passado a entrada da
pintura em minha vida. Talvez possa dar uma explicação psicanalítica.
Sou filho de um grande escritor, Marques Rebelo (Nomes como Graciliano
Ramos, Antônio Houaiss, João Cabral de Melo Neto, Millôr Fernandes e
outros o consideravam melhor que Machado de Assis. Infelizmente um
advogado psicopata e muito poderoso se apropriou do inventário de meu
pai, do formal de partilha e outros bens da família impedindo-a, assim,
de reeditá-lo, e hoje está um pouco esquecido). O fato é que,
inconscientemente, não quis enfrentá-lo e escolhi a pintura como escape,
esta que para meu pai, depois da literatura, era a arte que mais o
fascinava, muito embora fosse incapaz de desenhar ou pintar qualquer
coisa. Na condição de filho de escritor e apaixonado por pintura a arte,
fui tomado por estas paixões, mas diferente dele escolhi as artes
plásticas.
Qual foi sua formação artística?
Como disse acima, meu pai como
escritor tinha uma boa biblioteca, e muitos livros de arte. Encantava-me
com estes. Com 11 anos já pintava meus primeiros quadros a óleo. Como
recebíamos muitas visitas de artistas (Pancetti, Milton Dacosta Di
Cavalcanti, Tarsila, quando esta vinha ao Rio, e alguns outros) sempre
mostrava meus quadros e, assim, acabava sendo muito bem orientado.
Quando
completei meus12 anos comecei a estudar sistematicamente com Santa
Rosa, Aldary Toledo, Flávio de Aquino e Jean Zach. Quando terminei o
segundo grau meu pai conseguiu uma bolsa de estudos do Itamaraty e do
Governo Francês e fui estudar em Paris durante dois anos sob a
orientação de Emílio Pettoruti. Lá frequentei também Académie de la
Grande Chaumière.
Lembro-me como
fiquei deslumbrado com a minha primeira visita ao Louvre. Foi uma emoção
indescritível. Uma reprodução, por melhor que seja, jamais irá
substituir um quadro ao vivo.
Muitos, mas principalmente Poussin, Chardin, Delacroix, Braque e mais que todos, Cézanne.
Além
de estudar os quadros desses mestres ao vivo, sempre gostei de ler o
que os artistas escreviam. O Tratado da Pintura do Leonardo, por
exemplo, até hoje o estudo. O mesmo com os pensamentos de Braque. Assim
como Cézanne, acredito que Braque deve ser mais estudado.
Como você descreve sua obra?
Já tenho mais de 60 anos de carreira.
Quando voltei de Paris estava muito dividido entre ser figurativo ou
abstrato. Eram tantas as dúvidas que parei de pintar em 1962. Em 1967
voltei a pintar e surgiu o primeiro formulário, e com ele defini meu
projeto plástico. A cor já estava presente nos meus objetivos.
Infelizmente não consegui espaço para expô-los, o que me fez abandonar a
pintura por uma segunda vez. Em 1973 retornei à pintura. Dos
formulários passei para as naturezas mortas, mas na medida em que meus
estudos da cores se aprofundaram, o abstracionismo se afirmava, muito
embora hoje já não vejo essa classificação (abstrato x figurativo) como
pertinente.
Como exemplo de como se formou meu projeto plástico, segue um dos primeiros formulários.
Nessa ocasião trabalhava em uma
empresa subsidiária da Rede Ferroviária Federal, AGEF- Armazéns Gerais
Ferroviários. Trabalhava como programador visual e era incumbido, além
de outras tarefas, de projetar os formulários da empresa. Criei umas
normas para tal, mas na verdade estava criando as bases de meu projeto
plástico.
Atualmente me interessa uma geometria das cores como o quadro acima talvez possa ilustrar. Esse Azul
Você foi professor da EAV do Parque Lage por um longo período, como foi a experiência?
Fui professor do Parque Lage e também
do MAM-Rio durante 30 anos. Creio que aprendi mais do que ensinei, tal
riqueza e profundidade das trocas de ideias. E tanto numa como noutra
instituição conversava muito com outros professores. Felizmente sempre
tive bons alunos.
Como você vê a pintura no século XXI?
Vejo a pintura como uma manifestação,
não obstante tantos meios técnicos à disposição dos artistas atualmente,
com muitas questões que podem ser exploradas por ela somente. No meu
caso, por exemplo, vejo a cor, que sempre foi recalcada em nossa
cultura, desde os filósofos gregos, passando por Kant, que
consideravam-na supérflua, como uma campo enorme para ser explorado. E
tem muitas outras questões bem específicas da pintura. Infelizmente
vemos muita pouca pintura nas Bienais ou exposições oficiais. Pintores
coloristas, então, quase nada. Não foi à toa que Sêneca afirmou que em
cada 10 pintores um apenas é colorista. Há ainda o fato ocorrido nas
décadas de 60 e 70. Artistas importantes, como o Hélio Oiticica, por
exemplo, embora tivesse dito que havia uma questão importante para ser
resolvida na pintura, a cor, disse também que a era do quadro de
cavalete estava definitivamente inaugurada.
Que sugestões você daria a um jovem artista para conduzir sua carreira?
Repetiria o que me disseram meus
orientadores. Do arquiteto Aladary Toledo: “Aprende-se mais pintura
lendo-se poesia.” Do Pancetti: “O importante é a obra circular. Se não
conseguimos vendê-la, é melhor doá-las” (É curioso acrescentar-se que a
coleção do Gilberto Chateuabrinad foi iniciada com um quadro presenteado
por Pancetti.) Do Goeldi: “Não existe artista mau caráter.” É bom
sempre lembrar que a arte não é somente uma questão estética, mas também
ética.
O Cromatismo Cezaneanno foi seu último livro, que mensagem podemos retirar dele?
Escrevi dois livros; A Cor e o Cinza e O Cromatismo Cezanneano, e ambos considero inconclusos.
Estou
tentando mostrar que podemos pensar não considerando as coisas com
valores absolutos. E mais, como nosso pensamento pode ser
simultaneamente sincrético e analítico ou quantitativo e qualitativo.
Estudando a obra de Cézanne compreendi porque ele disse que a luz não
existe para o pintor, tem que ser substituída por uma outra coisa, a
cor. Percebi, então, que um círculo cromático que classifica as cores em
primárias e secundárias é limitante. Por ele as cores têm um valor
absoluto. Compreendi também o que Cézanne estava pensando quando afirmou
que somente um cinza dificílimo de se alcançar reina na natureza.
Denominei esse cinza de sempiterno e percebi que ele é, simultaneamente,
a causa e efeito dos coloridos. Compreendi, também, uma frase de
Leonardo que está no Tratado da Pintura na qual ele diz que devemos
observar com muito cuidado os limites de qualquer corpo e o modo como
serpenteiam para julgar se suas voltas participam de curvaturas
circulares ou concavidades angulares. Isso me fez ver que devemos
observar com muito cuidado as questões teóricas levantadas pelos “homens
de letras”, como assim se referia Gauguin ao afirmar que esses teóricos
acabam criando dogmas que desorientam não somente os artistas, mas o
público em geral. Lemos em quase todas as histórias das artes que
Leonardo introduziu o esfumato na pintura. Esfumato é um procedimento e
não uma questão teórica e no Tratado da Pintura nada sobre essa questão é
dito. Leonardo faz uma referência teórica sobre o serpenteamento bem
complexa quando escreve sobre os limites dos corpos.
Tento
abordar as questões acima, entre outras, no livro sobre o cromatismo
cezanneano. Acredito que os leitores possam se interessar em explorar
mais profundamente essas questões.
Quais são seus planos para o futuro?
Como disse acima já publiquei dois livros os quais considero ambos inconclusos. Portanto, planejo ir em frente com meus estudos.
Cézanne é um pintor muito complexo. Se ele disse que devemos ver a natureza como ninguém a viu antes, creio que hoje podemos dizer que devemos ver Cézanne como ninguém o viu antes.
O número de novas galerias inauguradas recentemente no Rio e São Paulo é impressionante, você sente o mercado aquecido?
Sem dúvida o mercado, aqui no Brasil,
sobretudo, está bastante aquecido, mas devemos considerar esse fato com
muitas reservas. Hoje vivemos um momento crítico onde predomina um
neoliberalismo selvagem no qual o poder do dinheiro praticamente tudo
domina. Nesse sentido concordo com Sérgio Milliet que afirma no livro
Marginalidade da Arte Moderna, editado na década de 40 que, em momentos
de crises profundas, o artista é um marginal.
José Maria Dias da Cruz
Maio 2011
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