sábado, 2 de março de 2013

Impressões de um pintor sobre poemas de Elaine Pauvolid



Elaine Pauvolid 

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*José Maria Dias da Cruz
A palavra imediata tudo vela, além do que indica, ou quase, para impor seu poder. Se não ficarmos atentos acreditamo-la absoluta. Assim, não merece toda nossa confiança. A palavra imediata perde seu poder quando dela surge a palavra remota.
Cito, aqui, três pensamentos do pintor George Braque: "a sobrevivência não apaga a lembrança". "O futuro é a projeção do passado condenada pelo presente". "Os que se apóiam sobre o passado para profetizar fingem ignorar que o passado é senão uma hipótese".
Por estes pensamentos adentramos nos seguintes versos de Elaine:
As melhores dicas virão depois.
Esteja certo disso.
Há o desafio de anularmos o poder das palavras imediatas e a desconfiança que delas temos. Há uma reflexão sobre o tempo. A palavra depois se torna menos imediata que remota. Uma luz de esperança surge. Se há um futuro, há um presente escondido e inseguro. A certeza do presente não resolve a dúvida da verdade. A certeza fica em suspenso.
Entrelaçada à palavra imediata há a palavra remota. Um entrelaçamento simétrico e simultâneo nos revela vários níveis de realidade e percepção em diversos tempos e direções. É deste entrelaçamento que advém um raio poético. A palavra remota tenciona a imediata, esvazia seu poder. Não podemos mais estabelecer o lugar de cada uma em termos absolutos. Há as diversas distâncias entre elas.
São poemas que tenho a lhe dizer.
Espero que me compreenda.
Ou se não me compreender
espero apenas
um poema incompreendido por você
A palavra imediata e a palavra remota trazem em si uma contradição. Um discurso linear e unidimensional se contrapõe a outro, não linear e multidimensional. Uma nova mentalidade se desenha. A flecha do tempo e da informação anula a contradição e nos revela outros níveis de realidade e percepção.
A palavra imediata, quando quase tudo domina, pode obstruir caminhos e sonhos. Assim sendo, deixa intacta uma simples relação sujeito-objeto. Mas, a poeta nos alerta. Podemos estabelecer com o poema uma relação quase mágica.
No espaço esqueço
que sou no tempo.
Num intervalo tento
alcançar a margem,
a sem limites.
Reescrevo-me
para saber-me
escrava fora de alcance.
À medida que avançamos na leitura dos poemas de Elaine sentimos um adensamento. Outras relações se estabelecem. As palavras e os poemas adquirem várias dimensões.
L´espoir de rencontrer
les mots
ou les morts.
Novamente a esperança. E a dúvida. Mas, nada disso resolve o enigma. Ou como diz o filósofo, o enigma é que não há enigma nenhum.
E no silêncio do frio
a voz dela recortava
palavras que eram gotas
em ciranda aberta
no nublado dos sons vãos.
Tarefa difícil. Somos levados pelos poemas de Elaine a mares profundos sem perdermos o horizonte da superfície.
Sussurro palavras mal colocadas.
E não se perceba o que digo,
Ou soe como exagero.
As palavras-conta mal colocadas se espalham em busca de outros lugares, outros tempos. Saem da ordem de um determinado nível de realidade e percepção e procuram se articular em outra instância, dentro de outra ordem com uma lógica inesperada.
Dançam ao chão em desfile triste
as contas que do fio tênue desistem
(...)
à primeira rajada do fero mar,
erguendo não sei qual derrota,
querendo não sei qual rota
O exagero, o desfile triste, a desistência, a derrota, a indeterminada rota são os limites: a vida balizada entre nosso nascimento e morte e um espaço limitado. Além da flecha do tempo, também o tempo da vida. O passado e o futuro orbitando o presente: vida, morte e ressurreição. A ressurreição é a zona de não resistência, a transparência absoluta, o fim das contradições, o sagrado, o enigma, o cinza sempiterno, o ilimitado, o infinito...
conjeturo o infinito
vejo o abandono terrível em que vivo.
Elaine canta o que cantar é possível.
agosto, 2006
José Maria Dias da Cruz - artista plástico, professor da Escola de Artes Visuais do Parque Lage.

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