O Fato plástico e a questão da dicotomia belo/feio
na arte contemporânea
Os fatos no espaço lógico são o mundo.
Wittengenstein
A dicotomia belo/feio se baseia em conceitos preestabelecidos. A meu ver temos hoje que ficar mais atentos aos fatos plásticos, sejam eles pictóricos, gráficos, arquitetônicos, ou produzidos por outras suportes e meios. Temos que perceber esses fatos como atos criativos, ou seja, que nos permitam uma nova visão de mundo ética e estética. O assunto é vasto e estas anotações são apenas um pequeno comentário.
Um fato
plástico exclui a necessidade de se incluir na compreensão da arte
contemporânea um julgamento que considere o belo e o feio. Penso que o espaço
da arte contemporânea, face às crises que começaram no século XIX, com a queda
da aristocracia e a ascensão da burguesia e que se adensaram nos dias de hoje,
levaram a arte a se realizar não mais como objeto de contemplação em um espaço
remoto, mas claro, não sendo só isso, mas expondo também conceitos baseados na
sincronicidade do espírito de época e também aquilo que mais trade Jung vai teorizar,
o inconsciente coletivo, mas a se ocupar e se realizar no espaço imediato, ou
seja, neste no qual nos orientamos.
Segue um
poema de Baudelaire, e assim podemos mostrar que a crise que começara no século
XIX foi pressentida por esse grande poeta, e também para ficar claro que para
uma melhor compreensão da arte contemporânea é necessário um dimensão
histórica.
Uma Carcaça
Lembra-te,
meu amor, do objeto que encontramos
Numa bela manhã radiante:
Na curva
de um atalho, entre calhaus e ramos,
Uma carniça repugnante.
As pernas
para cima, qual mulher lasciva,
A transpirar miasmas e humores,
Eis que
as abria desleixada e repulsiva.
O ventre prenhe de livores.
Ardia o
sol naquela pútrida torpeza
Como a cozê-la em rubra pira
E para ao
cêntuplo volver à Natureza
Tudo o que ali ela reunira.
E o céu
olhava do alto a esplêndida carcaça
Como uma flor a se entreabrir.
O fedor
era tal que sobre a relva escassa
Chegaste a sucumbir.
Tradução
de Ivan Junqueira
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