segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Kandinsky - Paisagem de Murnau com locomotiva



Kandinky – Murnau, paisagem com locomotiva – 1909
Fuja de estudar aquele que produz uma obra de arte destinada a morrer com ele.
Triste discípulo é aquele que não ultrapassa seu  mestre.
Leonardo da Vinci





1 – Uma locomotiva com sua específica velocidade e ruídos chegando a uma outrora cidade mais bucólica. Ou os novos tempos anunciados. 

2 –  Os vários espaços e tempos percebidos sincreticamente, analíticos e sincreticamente e analíticos.

2-1 – No primeiro plano: os claros abaixo da locomotiva. Vemo-los todos os claros com uma só olhada, não sentimos necessidade de saber quantos ou conta-los,  ou seja, sincreticamente.  

2-2 – No segundo plano: visões ora analíticas (uma locomotiva em movimento e os dois postes); ora sincreticamente (as lousas dos postes e a as fumaças saindo da locomotiva com um movimento mais lento que a locomotiva, vale dizer, vemo-los com uma única olhada.
2-3 – No terceiro plano a imagem do castelo: triângulos adjacentes e um único vértice, este um ponto, e como tal, sem nenhuma dimensão, uma abstração.

3 – Os diversos tempos quando percebemos uma criança, abaixo á esquerda,  acenando para a encenação. Percebemos também vários contrastes: um claro-escuro e um por cores próximas: o vermelho e laranja no mesmo valor e intensidade. Elas se rompem instantaneamente, o que permite a manifestação do cinza sempiterno.  A cor laranja se rompe e permite o surgimento de um azulado, que por contraste levemente realça o vermelho. Temos, então, nesse detalhe tanto as cores abstratas substantivas, que subsistem por si só, como as concretas adjetivas, cuja condição é ser no colorido. 

3-1 – Podemos intuir nesse detalhe do quadro um princípio e um fim. O princípio de um novo tempo, com novos ruídos, e o fim um outro, o  da aldeia bucólica e silenciosa. Percebemos o tempo denominado pelos gregos como Aión, o tempo das coisas. A memoria do tempo da aldeia bucólica e o nascimento de um novo tempo, bem mais veloz e barulhento, barulho este antes inexistente.

4 - Objeto que exige um espaço  exclusivo e como este deixa de sê-lo  quando  absorvido  pelo espaço no qual se manifesta o cinza sempiterno resultante do rompimento do tom.
4-1 Do lado direito do quadro percebemos a cor da locomotiva se rompendo  e , assim, permitindo a passagem para o seu entorno. Ou seja, um azulado bem escuro da locomotiva passando para um tom menos escuro alaranjado, e deste para diversos esverdeados.
4.2 – Uma figura azul laranja intensos surge exigindo um espaço exclusivo. A manifestação do cinza sempiterno, entretanto, absorve-o, permitido assim que este azul e laranja participe do espaço plástico que o quadro engendra.

4-3 – O lago azulado à esquerda da figura azul laranja torna-se abstratamente bidimensional. Desta forma rompe com a perspectiva renascentista. Permite uma percepção no quadro, pelos rompimentos dos tons e pela manifestação do cinza sempiterno, de um espaço plástico multidimensional.

5 – O fato plástico tanto pode ser pictórico ou gráfico. Mas eles não têm valores absolutos. Um fato pictórico ou gráfico pode ser visto pelos seus simples aspectos, ou prospectivamente. Quando vistos prospectivamente  permite um pensamento plástico criativo na medida em que esse pensamento produtivo permite novos conhecimentos. Se o objeto é a poética, surge uma obra de arte.

5-1 – O tema, os conceitos, etc. estão subordinados ao fato plástico na medida em que ele é a realização daqueles. Como diz Wittegenstein “O mundo é a totalidade dos fatos, e não das coisas.”

6 – Nesse quadro de Kandinsky percebem-se os valores hápticos, no barulho da locomotiva, no silêncio do castelo, no tátil da fumaça da locomotiva e também por ser um fato plástico.

José Maria Dias da Cruz – Florianópolis, outubro de 2016.




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