quinta-feira, 3 de julho de 2014


 Sobre o centro, Degas e Klee

Conheço o diagrama cromático de Klee há anos, mas só agora me apercebi de outros desdobramentos que aumentam sua complexidade. Será sua estrutura topológica? Creio que sim. Há deformações e transformações contínuas tanto como em Cézanne, mas dentro de outra abordagem. No diagrama elaborado por Klee há um eixo vertical para os brancos e pretos, e suas gradações, e em torno dele, uma circularidade cromática baseada nas cores por ele consideradas primárias, o azul ou ciano, vermelho ou magenta e amarelo, onde fim e começo se encontram e se interpenetram por uma circularidade dinâmica, gerando as secundárias laranja, verde e violeta. Não percebia sua dinâmica porque Klee não conseguiu se livrar dos conceitos de cores primárias e do cinza neutro, os quais descartei. E, também, não explorou o fenômeno do rompimento do tom e nem de um certo cinza, como Cézanne. Cito o aforismo de Klee: “O crepúsculo incerto do centro.” Este o coloca entre os grandes pensadores das questões cromáticas. Diderot dizia que em cada dez pintores há somente um colorista. Digo mais, são poucos os pintores que, além de coloristas, são também pensadores. Afinal, a cor é enigmática, e enfrentá-la é uma tarefa das mais complexas. Pelas cores, Klee interroga a centralidade, e esta está também pre- sente em Degas como uma questão, além de cromática, de espa- cialidade. (Ver figura IV). Para irmos mais adiante vale vermos a reprodução de um pastel do Degas. Nele uma mulher está no centro do quadro, mas não está no centro do espaço; está tão dentro de si que talvez esteja fora de tudo. Mas ela está iluminada, dentro da sua juventude, por
uma luz azul que não é a mesma do ambiente noturno. Será que não nota essa outra luz? Será que a luz que lhe espreita não é aquela que procuramos? Uma que ilumine o outro lado de nossas vaidades? Mas há, no fundo, atrás dela, uma sombra vertical que coincide com o eixo do quadro, sombra esta tão misteriosa... Há no pastel, ainda, no lado direito, a mulher sentada, mais velha e mais vivida que a olha de dentro de uma sombra com um chapéu enfeitado por um buquê de flores estranhamente iluminado e, do lado esquerdo, uma outra, alheia a tudo, com um chapéu também com enfeites em cores bem contrastantes. Lá fora, o movimento apressado de passantes, um deles, um homem com um fato preto, meio encoberto por uma coluna, caminhando sempre para o mesmo destino de todas as noites. O que vemos se ficarmos só com as formas perceptuais? Mas se entrarmos nas formas estruturais afirmaremos com certeza que realmente são vários os espaços e os tempos em várias dimensões. Uma linha estrutural horizontal, considerando esses pontos focais periféricos, dá aquilo que Cézanne diz que é a extensão. Diz ainda este mestre que as verticais dão a profundidade, que, no caso do pastel de Degas, aparecem nas colunas e, misteriosamente, no eixo vertical central da estrutura subjacente do suporte, muito forte na construção desse pastel.  Mas voltemos aos adornos femininos. Eles se parecem com esses pontos focais periféricos que dão à mulher de azul uma po- sição como a de um “crepúsculo incerto do centro.” Das formas estruturais passamos, quase sem sentir, para as formas poéticas.

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