domingo, 6 de julho de 2014

Cézanne e uma goemtria das cores

  • Cézanne e uma geometria das cores 
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  • As cores são enigmáticas. Cézanne fez referência a um cinza que rei-na em toda a natureza e que pintava uma secção do espaço.  O cinza oni-presente, os cinzas sempiternos, sua lógica e os acasos, as várias dimensões das cores, a questão de uma centralidade não absoluta, os rompimentos
    dos tons, os contrastes considerando-se uma dinâmica cromática, harmonias e desarmonias, o serpenteamento, as cores abstratas substantivas e as concretas adjetivas, podem nos levar a algumas reflexões. Consideramos as várias geometrias conhecidas e aquelas que, pelo acaso, hão de vir. Na década de sessenta do século passado, pensei que uma realidade poderia se desdobrar em outras. Surgiram os quadros os quais denominei formulários. As cores eram timidamente pensadas graças às impressões que tive, dez anos antes, quando pela primeira vez vi ao vivo quadros de Poussin, Cézanne e Braque. Dez anos depois, essas ideias se adensaram. Afirmei, então, que pelos diversos desdobramentos de uma realidade chegar-se-ia a um estado de confusão em nossos pensamentos a tal ponto que o acaso seria o limite daqueles. A geometria dos fractais, descoberta na década de sessenta, e a teoria do caos ainda eram desconhecidas do grande público. Foram divulgadas para os leigos em 1980. Pintei naturezas mortas considerando aquelas minhas observações. Na década de oitenta, mais próximo daqueles três grandes artistas aos quais me referi, pensei no cinza sempiterno, já inteiramente interessado nos fenômenos cromáticos. Hoje penso em uma geometria das cores. Vejamos, há o cinza onipresente que contém todos os coloridos ou um colorido total, cinza esse que nos é interditado. Restam-nos os cinzas sempiternos, causa e efeito dos coloridos. Um colorido, portanto, é uma fração e dele podemos dizer que, como fração, é maior que o todo, pois que, para nós homens, esse todo é inatingível. Como as cores possuem várias dimensões, diremos que elas estão sempre se auto-organizando dentro de um colorido. Acontecimentos ao acaso participam desse pro- cesso, pois um colorido, pela sua dinâmica própria, pode gerar outros cinzas sempiternos, ou seja, outros fracionamentos em seu interior pela agregação de alguns poucos coloridos. Os acasos seriam, portanto, as novas convivências cromáticas que surgiriam da necessidade dessa au- to-organização e do surgimento de outros cinzas sempiternos: digamos, novas cores que participariam do colorido em outro nível de realidade. Há o fato de que cada cor concreta adjetiva ao conter sua oposta, formando um par, é afirmar que contém, também, um cinza sempiterno. Cada cor poderia ser, neste caso, uma unidade irredutível por trazer em si certa potência? Cézanne afirma que a harmonia geral se dá por si só. Antes de se dar, teríamos uma desarmonia? Há um limite, entretanto, pois uma auto-organização se encami- nharia para o cinza onipresente que, como dissemos, nos é interditado. Dependendo de nós como testemunhas, um colorido se desorganizaria e se autodestruiria caso se mantivesse dentro de certos limites e em um único nível de realidade. Somos levados a escolher algumas poucas cores ou acidentes decorrentes do acaso para mantermos a dinâmica do colo- rido e não nos perdermos evitando um fim prematuro desse colorido ao se tornar estático e quando princípio, fim e perfeição são uma coisa só. Por isso falo do acaso da última pincelada em uma pintura, por exemplo, e cito Cézanne quando ele afirma que a harmonia se dá por si só. Essa seria uma pincelada-limite. Um novo processo de auto-organização se inicia, e assim sucessivamente até onde nossos sentidos são capazes de suportar. A vida de um colorido depende de seu princípio, o cinza onipresente, e de seu fim, nossa própria “morte”, quando cessam os limites de nossos sentidos. Há, contudo, uma existência que nos foi permitida. Volto a citar Braque: “É o acaso que nos revela a existência.” Para nós estes cinzas sempiternos são um princípio e um fim, pois são, um pré ou pós-fenômeno. Princípio este quando intuímos que deles surgem os coloridos. Os pós-fenômenos, os acontecimentos dentro dos coloridos, representam a permanência de uma convivência entre as cores. Um fim quando se auto desorganizam, quando nossos sentidos não mais nos permitem a percepção da manifestação dos rompimentos dos tons e dos cinzas sempiternos. Reorganizar-se-iam em outro nível de realidade, quando a convivência entre as cores se desse pelos movi- mentos concêntricos e excêntricos no sentido de um cinza sempiterno. Compreendemos Baudelaire quando ele se refere ao prazer e ao pecado. Apoiados nessa referência, diremos que as cores são simultaneamente o prazer e o pecado. O fim absoluto dos acasos coincide com o nosso fim: a nossa própria morte. Pelas cores podemos refletir sobre a ética. O nosso esforço para não nos perdermos no colorido tem um sentido ético. O enigma, entre- tanto, continua.

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