O recalque da cor
Raríssimos são os pintores contemporâneos
coloristas. Muitos considerados coloristas usam em seus quadros
pouquíssimas cores, uma três ou quatro. Alguns deles com trabalhados com
intervalos mínimos o que resulta numa ausência de contrastes. Para
compensar tal pobreza, procuram uns calores táteis (pinceladas, etc.) e o
resultado é uma descompensação, nenhuma reflexão, nenhuma possibilidade
dialética.
Vale, então, um olhar atento às obras de Morandi. As
cores são rompidas, rebaixadas, ou tristes como diria o teórico
português do círculo de Miguel Ângelo, Francisco Holanda, os intervalos
mínimos, mas grandes os contrastes e os valores táteis. Leva-nos às
atmosferas que se interpõem entre o objeto e o pintor, atmosferas essas
tão perseguidas por Cézanne. Ou, como digo, ao cinza sempiterno.
Morandi
Morandi
sexta-feira, 23 de outubro de 2015
quarta-feira, 14 de outubro de 2015
domingo, 4 de outubro de 2015
Além do objeto - Kakati
Quando Cézanne afirmou que “entre o objeto e o pintor se interpõe um plano, a atmosfera”
fez coincidir o espaço plástico com esse no qual nos orientamos. Essa atmosfera se deve ao
rompimento do tom definido não mais por misturas pigmentares, mas pela sobreposição da
pós-imagem. Pelo aprofundamento dessa observação cezanneana diremos, então, que essa
cor que se rompe é concreta adjetiva, é um par que contém em si sua oposta e cuja condição é
ser no colorido. Opõe-se, assim, à cor abstrata substantiva, que subsiste por si mesma e é uma
ideia platônica. Topologicamente há uma fronteira (ou um intervalo) entre esse espaço
plástico resultante do rompimento do tom redefinido que permite uma passagem para o
espaço imediato no qual nos orientamos. E mais ainda: Cézanne rompe com o espaço plástico
albertiano, que acontecia além da superfície do suporte. Esse espaço deixa de ser lá, e passa a
ser ali – e nesse caso, como diz Braque, pode ser tocado, na medida em que o suporte é
coberto por uma pintura com cores que nos levam a pensa-las como abstratas substantivas, ou
seja, sem a manifestação de uma atmosfera – ou aqui, quando as cores são concretas
adjetivas. Essa percepção de Cézanne permitiu o surgimento do cubismo analítico. Os
historiadores de arte dizem que no cubismo analítico há a predominância de poucas cores
(preto, cinza e tons de marrom e ocre). O que há são rompimentos de tons, por exemplo, os
ocres, na realidade amarelados, se rompem em direção aos cinzas, ou melhor, por contrastes,
azulados. Em minha opinião, esse espaço imediato, aqui, permitiu a Duchamp, certamente por
um espírito de época, colocar sua obra, A fonte, como um objeto.
Vejamos, então, as obras de Kakati. Há um primeiro suporte pintado com um tom rompido,
que, embora criando uma atmosfera, pode ser percebido como um objeto. Mas a atmosfera
criada permite também sobrepor a esse primeiro objeto um outro suporte também pintado
com tons rompidos, portanto outro suporte. Há nisso uma estrutura topológica na medida em
que esse segundo suporte vai ocupando o espaço imediato.
É importante se dizer que não estamos considerando esses trabalhos de Kakati sendo vistos
por seus simples aspectos. Consideramos um olhar prospectivo, como nos adverte Poussin,
olhar esse que considera o saber do olho, as diversas distâncias e os eixos visuais. Esse saber
do olho nos permite ver pelos intervalos, nesse caso, as fronteiras consideradas em uma
estrutura topológica.
E assim avançamos e chegamos ao serpenteamento vinciano, ou seja, uma linha que tem uma
potência, uma oscilação, que anima o espaço plástico. Essa linha serpenteante difere da
euclidina, que é estática. Diremos, então, que Kakati está nos apontando para outra
geometria. O objeto transcende ou, em outras palavras, vai além do objeto.
José Maria Dias da Cruz -
“Estou aqui, ou ali ou mais além” Eliot
Com Alberti, o espaço plástico acontecia no plano do suporte até um ponto além dele. Como uma pirâmide e o vértice, é esse ponto além. Representava-se o espaço remoto, e a moldura servia para separar o espaço remoto do imediato. Leonardo, pelo serpenteamento, ou seja, por seus estudos dos limites dos corpos a partir de uma visão biocular, passou a representar o espaço imediato, mas o espaço plástico continuou ocorrendo além do plano do suporte, conforme preconizado por Alberti. Cézanne, pelos rompimentos dos tons e do cinza, afirma que somente ele reina. E afirma mais ainda, que entre o objeto e o pintor se interpõe um plano, a atmosfera. Faz assim coincidir o espaço remoto com o imediato. Portanto a moldura começa a ser dispensada. Podemos até indagar: não terá Duchamp, por um espírito de época, colocado a sua fonte nesse espaço intuído por Cézanne? Alguns artistas, e Mondrian é o melhor exemplo, aboliram a moldura, substituindo o quadro janela pelo quadro objeto, esse ocorrendo no espaço imediato, mas o espaço plástico coincidindo com o plano do suporte. Hélio Oiticica, com seus relevos, coloca o espaço plástico no espaço imediato.
Com Alberti, o espaço plástico acontecia no plano do suporte até um ponto além dele. Como uma pirâmide e o vértice, é esse ponto além. Representava-se o espaço remoto, e a moldura servia para separar o espaço remoto do imediato. Leonardo, pelo serpenteamento, ou seja, por seus estudos dos limites dos corpos a partir de uma visão biocular, passou a representar o espaço imediato, mas o espaço plástico continuou ocorrendo além do plano do suporte, conforme preconizado por Alberti. Cézanne, pelos rompimentos dos tons e do cinza, afirma que somente ele reina. E afirma mais ainda, que entre o objeto e o pintor se interpõe um plano, a atmosfera. Faz assim coincidir o espaço remoto com o imediato. Portanto a moldura começa a ser dispensada. Podemos até indagar: não terá Duchamp, por um espírito de época, colocado a sua fonte nesse espaço intuído por Cézanne? Alguns artistas, e Mondrian é o melhor exemplo, aboliram a moldura, substituindo o quadro janela pelo quadro objeto, esse ocorrendo no espaço imediato, mas o espaço plástico coincidindo com o plano do suporte. Hélio Oiticica, com seus relevos, coloca o espaço plástico no espaço imediato.
Nessa
minha natureza morta que ilustra este texto, representei uma moldura que
poderia ter me levado ao quadro janela, enfatizando o plano pictórico
como ali o fez Caravaggio em uma natureza morta (ver imagem).
Pelas cores simples, pelos rompimentos, o cinza sempiterno e o serpenteamento vinciano (pensado além dos limites dos corpos) procurei fazer coincidir simultaneamente o espaço remoto, o imediato, o quadro objeto e o quadro janela.
Assim, representa-se em um mesmo quadro o espaço plástico lá, ali e aqui.
José Maria Dias da Cruz – Florianópolis – abril de 2015
Natureza Morta - o/s/t - 60 x 50 cm - 2010
Pelas cores simples, pelos rompimentos, o cinza sempiterno e o serpenteamento vinciano (pensado além dos limites dos corpos) procurei fazer coincidir simultaneamente o espaço remoto, o imediato, o quadro objeto e o quadro janela.
Assim, representa-se em um mesmo quadro o espaço plástico lá, ali e aqui.
José Maria Dias da Cruz – Florianópolis – abril de 2015
Natureza Morta - o/s/t - 60 x 50 cm - 2010
Caravaggio
O Espaço plástico em Alberti e Cezanne
Além do objeto
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“Não é bastante fazer ver o que se pinta, é preciso fazer
tocar” George Braque
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O espaço albertiano
O espaço albertiano ocorre da superfície do suporte até um
ponto além dele. É um espaço plástico remoto, lá. Um quadro janela.
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O espaço plástico cezanneano
Em Cézanne o espaço plástico ocorre à frente do suporte.
Coincide com esse no qual nos orientamos. O espaço plástico passa a ser aqui.
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Frase de Cézanne: “Entre o objeto e o pintor se interpõe um
plano, a atmosfera. O mestre nos mostra
que o espaço plástico pode coincide com esse no qual nos orientamos. Duchamp
percebeu esse novo espaço. Não porque tenha seguido Cézanne, mas levado por um
espirito de época, ou da sincronicidade proposta por Jung e também para romper
com o retiniano. Quando colocou sua obra A Fonte no espaço imediato ligou-se à
tradição. Podemos dizer: tornou-se cezanneano.
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Podemos repensar o objeto considerando a cor, o
serpenteamento vinciano com um olhar não mais pelo simples aspecto, mas por um
prospectivo, como nos adverte Poussin, olhar este que considera o saber do
olho, as diversas distâncias e os eixos visuais. E ver por fora para
compreender o que está por dentro. Ou espinosamente: intuição com conhecimento.
Isso pode nos permitir uma percepção, enriquecida pelo saber do olho, além do
objeto.
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“Estou aqui, ali ou além.” T.S.Eliot
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Braque, Cézanne, Duchamp, Oiticica, Leonardo da Vinci e Poussin - José Maria Dias da Cruz
Um texto sem titulo
O artista não é um ego, é um eco.
“Jamais aderir” George Braque
Ao não aderir, e considerando o momento crítico no qual vivemos,
o artista é marginalizado e se marginaliza. (Leia-se a Marginalidade da arte
moderna de Sérgio Milliet e veja-se a obra de Hélio Oiticica).
Frase de Cézanne: “A luz não existe para o pintor, tem que
ser substituída por outra coisa, a cor.”
Devemos descartar o círculo cromático
iluminista e reintroduzir a cor na arte.
Substituir um círculo cromático absoluto por diversos
diagramas, considerando-se o rompimento de tom não mais como misturas
pigmentares, mas como a sobreposição em uma cor de sua pós imagem. Temos assim
uma dimensão temporal da cor.
Considerar a cor abstrata substantiva, que subsiste por si
só, e a concreta adjetiva, que é um par, que contém em si sua oposta e sua
condição é ser no colorido. Nem uma nem outra têm valores absolutos. Ou seja,
temos que considerar as incertezas.
Outra frase de Cézanne: “Entre o objeto e o pintor se
interpõe um plano, a atmosfera.” O mestre nos mostra que o espaço plástico
coincide com esse no qual nos orientamos. Duchamp percebeu esse novo espaço e nele
colocou um objeto, sua obra, A fonte. Repensar esses objetos considerando a cor,
o serpenteamento vinciano e um olhar não mais pelo simples aspecto do objeto,
mas um prospectivo, como nos adverte Poussin, olhar este que considera o saber do
olho, as diversas distâncias e os eixos visuais. Isso pode nos permitir uma
percepção,enriquecida pelo saber do olho, além do objeto.
Quando Poussin se refere aos eixos visuais e as diversas
distâncias, e se considerarmos também o rompimento do tom e a atmosfera entre o
objeto e o pintor intuída por Cézanne podemos considerar uma superfície com
mais de duas e menos de três dimensões.
Uma reinterpretação da frase de Leonardo da Vinci sobre o limite
de qualquer corpo na qual ele se refere às curvaturas circulares e concavidades
angulares e como serpenteiam nos permite um olhar pelos intervalos, o que
descarta vermos um objeto pelo simples aspecto.
Importante também é pensarmos no conflito entra e percepção
sensível e a linguagem. Se considerarmos um objeto pelo seu simples aspecto
logo o nomeamos, ou seja, passamos a pensá-lo racionalmente, isto é, dentro da
linguagem articulada. Cézanne não se baseia em um tema, mas em um motivo e diz
que na natureza tudo é colorido. Como as cores são enigmáticas, não há como
racionalizá-las. Mas podemos desenvolver nosso conhecimento também pelo saber
do olho, o que só é possível pelo pensamento plástico. Daí Braque afirmar que
explicar uma coisa, é substituir a coisa pela explicação.
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