sexta-feira, 23 de outubro de 2015

O recalque da cor na cotemporaneidade - Morandi e Cezanne e o cinza sempiterno

O recalque da cor

Raríssimos são os pintores contemporâneos coloristas. Muitos  considerados coloristas usam em seus quadros pouquíssimas cores, uma três ou quatro. Alguns deles com trabalhados com intervalos mínimos o que resulta numa ausência de contrastes. Para compensar tal pobreza, procuram uns calores táteis (pinceladas, etc.) e o resultado é uma descompensação, nenhuma reflexão, nenhuma possibilidade dialética.

Vale, então, um olhar atento às obras de Morandi. As cores são rompidas, rebaixadas, ou tristes como diria o teórico português do círculo de Miguel Ângelo, Francisco Holanda, os intervalos mínimos, mas grandes os contrastes e os valores táteis. Leva-nos às atmosferas que se interpõem entre o objeto e o pintor, atmosferas essas tão perseguidas por Cézanne. Ou, como digo, ao cinza sempiterno.

 Morandi


 Morandi

domingo, 4 de outubro de 2015

Além do objeto - Kakati





Quando Cézanne afirmou que “entre o objeto e o pintor se interpõe um plano, a atmosfera”

fez coincidir o espaço plástico com esse no qual nos orientamos. Essa atmosfera se deve ao

rompimento do tom definido não mais por misturas pigmentares, mas pela sobreposição da

pós-imagem. Pelo aprofundamento dessa observação cezanneana diremos, então, que essa

cor que se rompe é concreta adjetiva, é um par que contém em si sua oposta e cuja condição é

ser no colorido. Opõe-se, assim, à cor abstrata substantiva, que subsiste por si mesma e é uma

ideia platônica. Topologicamente há uma fronteira (ou um intervalo) entre esse espaço

plástico resultante do rompimento do tom redefinido que permite uma passagem para o

espaço imediato no qual nos orientamos. E mais ainda: Cézanne rompe com o espaço plástico

albertiano, que acontecia além da superfície do suporte. Esse espaço deixa de ser lá, e passa a

ser ali – e nesse caso, como diz Braque, pode ser tocado, na medida em que o suporte é

coberto por uma pintura com cores que nos levam a pensa-las como abstratas substantivas, ou

seja, sem a manifestação de uma atmosfera – ou aqui, quando as cores são concretas

adjetivas. Essa percepção de Cézanne permitiu o surgimento do cubismo analítico. Os

historiadores de arte dizem que no cubismo analítico há a predominância de poucas cores

(preto, cinza e tons de marrom e ocre). O que há são rompimentos de tons, por exemplo, os

ocres, na realidade amarelados, se rompem em direção aos cinzas, ou melhor, por contrastes,

azulados. Em minha opinião, esse espaço imediato, aqui, permitiu a Duchamp, certamente por

um espírito de época, colocar sua obra, A fonte, como um objeto.

Vejamos, então, as obras de Kakati. Há um primeiro suporte pintado com um tom rompido,

que, embora criando uma atmosfera, pode ser percebido como um objeto. Mas a atmosfera

criada permite também sobrepor a esse primeiro objeto um outro suporte também pintado

com tons rompidos, portanto outro suporte. Há nisso uma estrutura topológica na medida em

que esse segundo suporte vai ocupando o espaço imediato.

É importante se dizer que não estamos considerando esses trabalhos de Kakati sendo vistos

por seus simples aspectos. Consideramos um olhar prospectivo, como nos adverte Poussin,

olhar esse que considera o saber do olho, as diversas distâncias e os eixos visuais. Esse saber

do olho nos permite ver pelos intervalos, nesse caso, as fronteiras consideradas em uma

estrutura topológica.

E assim avançamos e chegamos ao serpenteamento vinciano, ou seja, uma linha que tem uma

potência, uma oscilação, que anima o espaço plástico. Essa linha serpenteante difere da

euclidina, que é estática. Diremos, então, que Kakati está nos apontando para outra

geometria. O objeto transcende ou, em outras palavras, vai além do objeto.

José Maria Dias da Cruz -

“Estou aqui, ou ali ou mais além” Eliot

Com Alberti, o espaço plástico acontecia no plano do suporte até um ponto além dele. Como uma pirâmide e o vértice, é esse ponto além. Representava-se o espaço remoto, e a moldura servia para separar o espaço remoto do imediato. Leonardo, pelo serpenteamento, ou seja, por seus estudos dos limites dos corpos a partir de uma visão biocular, passou a representar o espaço imediato, mas o espaço plástico continuou ocorrendo além do plano do suporte, conforme preconizado por Alberti. Cézanne, pelos rompimentos dos tons e do cinza, afirma que somente ele reina. E afirma mais ainda, que entre o objeto e o pintor se interpõe um plano, a atmosfera. Faz assim coincidir o espaço remoto com o imediato. Portanto a moldura começa a ser dispensada. Podemos até indagar: não terá Duchamp, por um espírito de época, colocado a sua fonte nesse espaço intuído por Cézanne? Alguns artistas, e Mondrian é o melhor exemplo, aboliram a moldura, substituindo o quadro janela pelo quadro objeto, esse ocorrendo no espaço imediato, mas o espaço plástico coincidindo com o plano do suporte. Hélio Oiticica, com seus relevos, coloca o espaço plástico no espaço imediato.
Nessa minha natureza morta que ilustra este texto, representei uma moldura que poderia ter me levado ao quadro janela, enfatizando o plano pictórico como ali o fez Caravaggio em uma natureza morta (ver imagem).
Pelas cores simples, pelos rompimentos, o cinza sempiterno e o serpenteamento vinciano (pensado além dos limites dos corpos) procurei fazer coincidir simultaneamente o espaço remoto, o imediato, o quadro objeto e o quadro janela.
Assim, representa-se em um mesmo quadro o espaço plástico lá, ali e aqui.
José Maria Dias da Cruz – Florianópolis – abril de 2015

 Natureza Morta - o/s/t - 60 x 50 cm - 2010



Caravaggio

José Maria Dias da Cruz - sem título - o/s/t - 80 x 100 cm - 2015


José Maria Dias da Cruz - sem título - o/s/t - 90 x 70 cm - 2015


José Maria Dias da Cruz - Sem título - o/s/t´50 x 60 cm - 2015


José Maria Dias da Cruz


O Espaço plástico em Alberti e Cezanne


Além do objeto





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“Não é bastante fazer ver o que se pinta, é preciso fazer tocar” George Braque
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O espaço albertiano
O espaço albertiano ocorre da superfície do suporte até um ponto além dele. É um espaço plástico remoto, lá. Um quadro janela.
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O espaço plástico cezanneano
Em Cézanne o espaço plástico ocorre à frente do suporte. Coincide com esse no qual nos orientamos. O espaço plástico passa a ser aqui.
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Frase de Cézanne: “Entre o objeto e o pintor se interpõe um plano, a atmosfera.  O mestre nos mostra que o espaço plástico pode coincide com esse no qual nos orientamos. Duchamp percebeu esse novo espaço. Não porque tenha seguido Cézanne, mas levado por um espirito de época, ou da sincronicidade proposta por Jung e também para romper com o retiniano. Quando colocou sua obra A Fonte no espaço imediato ligou-se à tradição. Podemos dizer: tornou-se cezanneano.
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Podemos repensar o objeto considerando a cor, o serpenteamento vinciano com um olhar não mais pelo simples aspecto, mas por um prospectivo, como nos adverte Poussin, olhar este que considera o saber do olho, as diversas distâncias e os eixos visuais. E ver por fora para compreender o que está por dentro. Ou espinosamente: intuição com conhecimento. Isso pode nos permitir uma percepção, enriquecida pelo saber do olho, além do objeto.
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“Estou aqui, ali ou além.” T.S.Eliot
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Braque, Cézanne, Duchamp, Oiticica, Leonardo da Vinci e Poussin - José Maria Dias da Cruz



Um texto sem titulo

O artista não é um ego, é um eco.

“Jamais aderir” George Braque

Ao não aderir, e considerando o momento crítico no qual vivemos, o artista é marginalizado e se marginaliza. (Leia-se a Marginalidade da arte moderna de Sérgio Milliet e veja-se a obra de Hélio Oiticica).

Frase de Cézanne: “A luz não existe para o pintor, tem que ser substituída por outra coisa, a cor.” 
Devemos descartar o círculo cromático iluminista e reintroduzir a cor na arte.
Substituir um círculo cromático absoluto por diversos diagramas, considerando-se o rompimento de tom não mais como misturas pigmentares, mas como a sobreposição em uma cor de sua pós imagem. Temos assim uma dimensão temporal da cor.

Considerar a cor abstrata substantiva, que subsiste por si só, e a concreta adjetiva, que é um par, que contém em si sua oposta e sua condição é ser no colorido. Nem uma nem outra têm valores absolutos. Ou seja, temos que considerar as incertezas. 

Outra frase de Cézanne: “Entre o objeto e o pintor se interpõe um plano, a atmosfera.” O mestre nos mostra que o espaço plástico coincide com esse no qual nos orientamos. Duchamp percebeu esse novo espaço e nele colocou um objeto, sua obra, A fonte. Repensar esses objetos considerando a cor, o serpenteamento vinciano e um olhar não mais pelo simples aspecto do objeto, mas um prospectivo, como nos adverte Poussin, olhar este que considera o saber do olho, as diversas distâncias e os eixos visuais. Isso pode nos permitir uma percepção,enriquecida pelo saber do olho, além do objeto.
Quando Poussin se refere aos eixos visuais e as diversas distâncias, e se considerarmos também o rompimento do tom e a atmosfera entre o objeto e o pintor intuída por Cézanne podemos considerar uma superfície com mais de duas e menos de três dimensões. 

Uma reinterpretação da frase de Leonardo da Vinci sobre o limite de qualquer corpo na qual ele se refere às curvaturas circulares e concavidades angulares e como serpenteiam nos permite um olhar pelos intervalos, o que descarta vermos um objeto pelo simples aspecto.
Importante também é pensarmos no conflito entra e percepção sensível e a linguagem. Se considerarmos um objeto pelo seu simples aspecto logo o nomeamos, ou seja, passamos a pensá-lo racionalmente, isto é, dentro da linguagem articulada. Cézanne não se baseia em um tema, mas em um motivo e diz que na natureza tudo é colorido. Como as cores são enigmáticas, não há como racionalizá-las. Mas podemos desenvolver nosso conhecimento também pelo saber do olho, o que só é possível pelo pensamento plástico. Daí Braque afirmar que explicar uma coisa, é substituir a coisa pela explicação.