terça-feira, 12 de novembro de 2013

Texto de Bernardo Magina sobre José Maria Dias da Cruz



José Maria Dias da Cruz é continuidade, daí sua frase marcante: “O artista não é um ego, é um eco”. Ela serve tanto para descrever seu trabalho e sua pesquisa artística quanto para descrever sua personalidade.
  Seus livros refletem sua obra de maneira paradoxalmente assertiva. É necessário dizer isto, pois o próprio frisa aos seus discípulos que para se compreender o pensamento plástico é preciso distinguir a percepção sensível da linguagem verbal. Ora, Zé consegue transitar entre os dois. Ele sempre relembra que é preciso recorrer às fontes primárias, sejam elas imagens ou textos. Assim como Cézanne enunciou que desejava refazer Poussin diretamente da natureza, ele tem como fim tornar acessível toda sabedoria da enigmática e secular tradição colorista.
  O trajeto desta geometria das cores, desde Leonardo, passando por Ticiano, Poussin, Cézanne, Braque, Oiticica etc... está na contemporaneidade em suas mãos e nas daqueles que tem a dádiva de estudar o pensamento de pintura tão cuidadosamente amarrado por ele. Certa vez, em uma conversa antes de sua aula, disse-me que não pretendia formar um bando de “Zé-Mariazinhos” e sim que cada um de seus alunos tivesse contato com o universo das cores e dali fazer o suco que quiser. Isto lembra muito Cézanne ao afirmar que “pretendia criar uma tradição e não uma escola” ou Braque ao afirmar que “ O eco responde ao eco, tudo se repercute.” É interessante ver a força de um pensamento que não obedece a doutrina iluminista da razão nos dias de hoje. Aquela necessidade típica do século XVIII se refletiu no estudo das cores, resultando no círculo cromático tradicional o que na prática suprimiu os estudos do olhar realizado pelos pintores coloristas. A cor ficou, então, subordinada à forma quando, na verdade, nenhuma das duas reina absoluta, vivem em um grande bailado diante de nossas retinas.
  Aliás, quem reina absoluto na natureza é só o cinza sempiterno que para Cézanne era de uma dificuldade espantosa de se obter. É um ponto potencial de onde as cores divergem e para onde convergem, sendo causa e efeito dos coloridos. Isso fez Zé ir ao encontro dos estudos de Espinosa que em seus Axiomas filosofa neste sentido ao abordar Deus como a Natureza. Ética e Estética viram um só.
Voltando a questão de sua personalidade, ser um eco representa toda sua humildade e sua generosidade. Diz que tem muito o que aprender, mas nunca se nega a ensinar tudo que sabe. Durante um exercício, em uma de suas aulas no Parque Lage, em que estou recebendo o privilégio de ser seu assistente, ainda acostumando-me a receber perguntas sobre o rompimento do tom, oposição cromática etc... Uma aluna se vira e me pergunta: “Como faço para ter o Zé na minha família?” - Em tom de brincadeira, respondi rápido: Seilá, pede ele em casamento! Após nossas breves risadas, perguntei ao aluno sentado do lado oposto da mesa que ouvira o diálogo como eu poderia respondê-la e ele me deu uma bela solução retirada de “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry: Tu te tornas eternamente responsável pelo que cativas!”
  Se Cézanne disse que Arte é religião, pode-se dizer que nosso Zé é mais que um mestre, é nosso guru.

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