domingo, 29 de julho de 2012
Cézanne, a cor, o cinza sempiterno e o serpenteamento vinciano
Cézanne, a cor, o cinza sempiterno e o serpenteamento.
“É preciso ver a natureza como ninguem a viu antes” Paul Cézanne
Há um problema complexo para se entender a cor na obra de Cézanne. Como observa o crítico Manlio Brusanti em seu livro A História da Cores, a cor está bastante recalcada em nossa cultura. Diz mais ainda, que com isso atualmente o homem está cada vez mais perdendo uma percepção mais profunda das cores e dos coloridos. Concordo. Assim diremos parodiando o mestre que é preciso ver Cézanne como ninguém o viu antes. Afinal foi também ele quem disse que queria chegar à perspectiva unicamente pelas cores. Fica então clara que sua obra não deve se estudada a partir da frase na qual ele se refere ao cone, que muitos confundiam com o cubo, o cilindro e a esfera.
Há outras frases do mestre que merecem nossa atenção e estas duas ficaram sem resposta. Em carta a Pissarro em 1866 ele escreveu: “Você tem perfeitamente razão de falar do cinza, somente ele reina na natureza e alcançá-lo é de uma dificuldade espantosa.” Que cinza é esse, ficou a pergunta. E em suas anotações escreveu “A luz não existe para o pintor, tem que ser substituída por outra coisa, a cor. Fiquei contente comigo mesmo quando descobri isso.” Por que se diz tanto que cor é luz! E tem mais. Cézanne não aceitou a maneira como os impressionistas teorizaram a cor, ou seja, pensada a partir do espectro e de um círculo cromático absoluto. Temos que romper este cerco.
Nos meus estudos sobre a obra de Cézanne estou tentando repensá-lo levando em conta essas duas frases, e nem tanto outra, esta sempre citada pelos historiadores da arte na qual ele diz o seguinte: “Tratar a natureza através do cone, esfera e o cilindro...etc." Seguindo o mestre descartei o círculo cromático absoluto que classificava as cores em primárias e secundárias. Pensei no cinza sempiterno como um ponto sem nenhuma dimensão como um pós ou pré fenômeno e causa e efeito dos coloridos. Redefini o rompimento do tom como não mais resultante de misturas pigmentares e com um valor absoluto e sim como sobreposição na cor de sua respectiva pós imagem. Reinterpretei uma frase de Leonardo na qual ele diz: “Devemos observar com muito cuidado os limites de qualquer corpo e o modo como serpenteiam para julgar se suas voltas participam de curvaturas circulares ou concavidades angulares.” Considerei a cor abstrata substantiva como uma idéia platônica e a cor concreta adjetiva com uma dimensão temporal face aos ininterruptos rompimentos dos tons.
A cor é dentro do pensamento verbal e dentro das lógicas decorrentes desse pensamento, impossível de ser racionalizada. No século XVIII criou-se um círculo cromático no qual as cores eram classificadas em primárias, secundárias e com valores absolutos, etc. com a pretensão de explicar todos os fenômenos cromáticos da Natureza e, assim, aprisioná-las dentro de uma mentalidade quantitativa na medida em que ficavam subordinadas às formas, estas mais racionais. Com isso, ficou eclipsada a possibilidade de se pensar as cores e o colorido fora do modelo imposto por este círculo. Além do mais, este círculo cromático é regido por uma lógica que criou os conceitos de cores puras, pastéis e neutras, e assim, atrelando as questões cromáticas ao discurso verbal. Dentro do pensamento plástico a cor é enigmática, portanto passível de ser percebida por outra lógica, como diz Cézanne, nada absurda.
Vale ressaltar que a partir desse círculo classificamos as harmonias em termos absolutos e em conseqüência, igualmente as cores. O mesmo em relação aos contrastes. Todos com valores absolutos e estáticos. Nesse círculo as cores são explicadas pelas misturas pigmentares, as quais foram mais tarde denunciadas por Duchamp. Claro, estudam-se alguns outros fenômenos como os contrastes simultâneos, por exemplo. Mas na base está um pensamento lógico, atualmente questionado, decorrente do discurso verbal. A partir desse círculo cromático classificaram-se as harmonias, por exemplo. Estas seriam consoantes, dissonantes e assonantes. (No pensamento plástico como a cor pode ser assonante ou neutra, vale dizer, uma não-cor?). Essas harmonias consideram uma mentalidade quantitativa, ou seja, explicam-se considerando ritmo como recorrência pressentida, que é racional e a cor ficando subordinada às formas. E assim bem longe do que Cézanne nos adverte: “Na natureza tudo está colorido.” A partir do círculo cromático absoluto ficamos presos à lógica aristotélica. Ou seja, à lógica do terceiro excluído, lógica esta que afirma que uma coisa não pode ser verdadeira e falsa simultaneamente. Esse círculo excluiu o que hoje nos é familiar, as incertezas.
Descartando-se o círculo cromático absoluto, como, parece-me, também o fez Cézanne, passamos a considerar um terceiro termo. A dimensão espaço-temporal da cor, pelo rompimento do tom, nos permite entender o cinza sempiterno como um pré ou pós-fenômeno. Vale dizer, um cinza que não existe, mas que se manifesta na natureza. Isso nos aproxima a cor e o colorido da lógica do terceiro incluído, sendo o terceiro um termo que se refere às diversas dimensões embutidas na fecha do tempo como informação.
Escrevi um livro intitulado A Cor e o Cinza utilizando-me, é claro, da linguagem verbal Nele refiro-me ao conflito entre a percepção sensível e a linguagem. Neste livro, para reforçar a disparidade entre a cor e o nome que lhe damos, cito o filósofo Mário Guerreiro, que diz:
“Sim, pois onde estão as cores puras no mundo percebido? Na verdade, elas pertencem ao mundo nomeável, mas esse mundo nomeado reparte o mundo percebido e o organiza de acordo com essa coisa enigmática que é o critério de relevância implícito na língua estruturada. Parece que se abre um abismo entre a percepção sensível e a linguagem, entre as qualidades percebidas e as qualidades nomeáveis, mas ficamos em dúvida se deveríamos concordar com a idéia de que o percebido só se faz passando pelo crivo na nomeação, como se a linguagem estivesse filtrando a percepção, canalizando-a no sentido de só poder captar certos padrões em detrimento de outros. Com certeza este é um problema que teria de ser colocado para uma fenomenologia, onde uma incursão nos domínios da pintura seria, certamente, bastante esclarecedora.”
Nesse sentido, podemos fazer com que haja uma convivência entre a percepção sensível e a linguagem verbal. Neste caso, consideramos a cor abstrata substantiva, que subsiste por si mesma na medida em que sua substância não se altera, é nomeável e é uma idéia platônica, e a cor concreta adjetiva, cuja condição é ser no colorido e está sempre se rompendo, possuindo uma dimensão temporal. Podemos, assim, lidar simultaneamente tanto com a percepção sensível e a linguagem verbal.
Procurei através do estudo das questões que os pintores discutiram chegar ao pensamento plástico. Apoiei-me em Poussin que se refere a um ver prospectivo, além de outro que considera apenas o aspecto dos objetos. Por esse olhar prospectivo Poussin considera o saber do olho, os eixos visuais e as diversas distâncias. Braque diz que explicar uma coisa é substituir a coisa pela explicação. Nos livros que escrevi, A Cor e o Cinza e O Cromatismo Cezanneano, caí em parte, nessa sutil observação. O ato de olhar permite a experimentação e, obviamente, o ato poético, criativo, etc. Procurei desenvolver um pensamento plástico para sair desse impasse.
Procurei entender a frase de Cézanne Na qual afirma que a luz não existe para o pintor, etc. Portanto o mestre de Aix não se interessou pelo cromatismo impressionista. Disse mais ainda, que somente um cinza reina na natureza. Não se trata obviamente do cinza baseado na mistura do branco com o preto, pois esse não oferece nenhuma dificuldade. Digo que Cézanne nos preparou para pensar no cinza sempiterno, como passei a denominá-lo.
Cabe enfatizar, que o cinza sempiterno não existe. É um pré ou pós fenômeno. Acrescento agora que ele não é objetivo na medida em que não é um fenômeno. Talvez seja apenas uma lógica. E mais, talvez nos faça compreender Cézanne quando ele afirma que a arte é uma religião. Ele, o cinza sempiterno, se manifesta na natureza. Será que podemos afirmar que essa manifestação pode nos levar a considerá-lo como uma manifestação de uma das faces de deus e e é uma lógica.
Observando-se o rompimento do tom tem-se uma idéia do cinza sempiterno.
Além dessas questões, incluiu-se na lógica da cor a questão do serpenteamento vinciano. Leonardo no Tratado da Pintura diz que devemos observar com muito cuidado os limites de qualquer corpo para julgar se suas voltas participam de curvaturas circulares e concavidades angulares, uma questão bem mais complexa do que afirmar, como se vê nas histórias das artes, que ele introduziu na pintura o esfumato. Este é apenas um procedimento e não uma questão teórica.
Podemos exemplificar. Se observarmos um objeto ora com um olho, ora com outro, podemos sentir que ele se desloca horizontalmente. Assim o que está atrás pode ser visível com um olho e encoberto com o outro. Vejamos o quadro A Cabana do Jordão. Cézanne nos mostra a chaminé como se ela houvesse se deslocado e assim permitindo que possamos ver o que está atrás dela quando vista só com um olho, no caso o esquerdo. Se a víssemos só com o direito a chaminé estaria em outra posição e não deslocada da cabana.
Para experenciar este fenômeno basta olharmos nosso dedo ora com um, ora com outro olho. Observaremos esse deslocamento. Naturalmente quanto mais afastado o objeto, menor é o deslocamento. Cézanne ao representar a chaminé a pintou como se ela estivesse muito próxima. Podemos lembrar-nos do que afirma o artista Milton Machado:"distâncias em proximidade."
A cabana do Jordão - Paul Cézanne
Podemos observar certa atenuação ou certa instabilidade do objeto, como se ele perdesse um pouco sua nitidez. Agora digo que o serpenteamento se manifesta entre as distâncias que se percebe entre uma posição e outra.
Vejamos agora como o serpeteamento pode ser perceptível no colorido. Se o cinza sempiterno é um ponto não possui nenhuma dimensão, mas é potencialmente ativo, pois nele temos todas as cores de um determinado colorido. Portanto como afirma Rilke, ele não existe como fenômeno, mas se manifesta no quadro. Ao se manifestar passa a ser um fenômeno na medida em que se contrasta com as demais cores. No trajeto de uma cor em direção a sua oposta, considerando-se os rompimentos dos tons, um vermelho e verde, por exemplo, no exato centro temos o cinza sempiterno. Ocorre que ao lado do vermelho ele passa a ser esverdeado e ao lado do verde vermelho esverdeado.
vm --------------------cz-------------------- vd
vm ---------------|------|------|-------------- vd
tr vd<--- | --->tr vm
O serpenteamento se dá entre os rompimentos esverdeado e avermelhado e pode ser de acordo com a intensidade e expressividade do quadro mais ou menos ondulante ou mais ou menos ziguezagueante.
Tr esverdeado|-----|------tr avermelhado
Há ainda a famosa frase de Cézanne na qual ele reforça que tratar a natureza através do cone, esfera e cilindro não implica em uma geometrização considerando esses sólidos geométricos como os que possibilitam a construção do espaço pictórico tomando-os como formas históricas da construção deste espaço. Além do mais Cézanne afirmava que queria chegar à perspectiva unicamente pela cor. Interessante é que podemos compreender a afirmação de Duchamp na qual diz que o cubismo tem inicio em Cézanne, e passa pelo fauvismo, (em minha opinião, sobretudo Braque).
Consideraríamos a geometria dos fractais, e novamente o cinza sempiterno, que estaria presente tanto no todo como nas partes. Assim em uma fração teríamos também um elemento contido no todo, no caso, o cinza sempiterno. Daí poder-se dizer que as partes são maiores que o todo. Consideraríamos, também, a teoria do caos, e a partir daí pensaríamos no processo contínuo de organização e desorganização quando estados de entropia máxima são observados, o que metaforicamente nos levaria a considerar a questão de vida, morte e ressurreição.
Tudo isso nos permite realmente pensarmos em uma geometria das cores considerando-se entre outras a topologia na qual, além das transformações e deformações contínuas, o cinza sempiterno seria uma fronteira. Ou na geometria dos fractais e novamente aquele cinza lhe dá consistência.
Podemos imaginar também que essas surdas questões pertinentes ao pensamento plástico e, por extensão, às artes visuais, poderão, talvez, ser mais bem compreendidas pelas geometrias que hão de vir. Como, por exemplo, uma geometria das cores.
Estas questões acima e outras estão estudadas no meu livro O Cromatismo Cezanneano, editado formato de e-book no seguinte endereço:
http://www.bookess.com/read/9967-o-cromatismo-cezanneano/
José Maria Dias da Cruz – Florianópolis, julho de 2012
sexta-feira, 13 de julho de 2012
quarta-feira, 11 de julho de 2012
Cézanne e a Cor
Cézanne e a cor
Há um problema complexo para se entender a cor na obra de Cézanne e por extensão, a própria obra do mestre. Como observa o crítico Manlio Brusanti em seu livro A História da Cores, ele está bastante recalcada em nossa cultura. Diz mais ainda, que com isso o homem está cada vez mais perdendo uma percepção mais profunda das cores e dos coloridos. Daí, creio, a obra de Cézanne não ser estudada considerando-os muito embora ter ele dito que queria chegar à perspectiva unicamente pelas cores.
Há duas frase do mestre que merecem nossa atenção. Em carta a Pissarro escreveu: “Você tem perfeitamente razão de falar do cinza, somente ele reina na natureaza e alcançá-lo é de uma dificuldade espantosa.” Em suas anotações escreveu o seguinte: “A luz não existe para o pintor, tem que ser substituída por outra coisa, a cor. Fiquei contente comigo mesmo quando descobri isso.”
Concluimos por conseguinte que Cézanne não aceitou a maneira como os impressionistas teorizava a cor, ou seja, a cor pensada a partir do espectro e considerando um círculo cromático absoluto. E também sua intuição ao considerar um cinza.
Nos meus estudos sobre a obra de Cézanne estou tentando repensá-lo considerando essas duas frases, e nem tanto uma outra, esta sempre citada pelos historiadores da arte na qual ele diz o seguinte: “Tratar a natureza através do cone, esfera e o cilindro...etc."
Nos meus estudos a partir da obra de Cézanne descartei o círculo cromático absoluto que classificava as cores em primárias e secundárias. Pensei no cinza sempiterno como um ponto sem nenhuma dimensão como um pós ou pré fenômeno e causa e efeito dos coloridos. Redefini o rompimento do tom como não mais resultante de misturas pigmentares e com um valor absoluto e sim como sobreposição na cor de sua respectiva pós imagem. Reiterpretei uma frase de Leonardo na qual ele diz: “Devemos observar com muito cuidado os limites de qualquer corpo e o modo como serpenteiam para julgar se suas voltas participam de curvaturas circulares ou concavidades angulares.” Considerei a cor abstrata substantiva como uma idéia platônica e a cor concreta adjetiva com uma dimensão temporal face aos ininterruptos rompimentos dos tons.
A cor é dentro do pensamento verbal e dentro das lógicas decorrentes desse pensamento, impossível de ser racionalizada. No século XVIII criou-se um círculo cromático no qual as cores eram classificadas em primárias, secundárias e com valores absolutos, etc. com a pretensão de explicar todos os fenômenos cromáticos da Natureza e, assim, aprisioná-las dentro de uma mentalidade quantitativa na medida em que ficavam subordinadas às formas, estas mais racionais. Com isso, ficou eclipsada a possibilidade de se pensar as cores e o colorido fora do modelo imposto por este círculo. Além do mais, este círculo cromático é regido por uma lógica que criou os conceitos de cores puras, pastéis e neutras, e assim, atrelando as questões cromáticas ao discurso verbal. Dentro do pensamento plástico a cor é enigmática, portanto passível de ser percebida por outra lógica, como diz Cézanne, nada absurda.
Vale ressaltar que a partir desse círculo classificamos as harmonias em termos absolutos e em conseqüência, igualmente as cores. O mesmo em relação aos contrastes. Todos com valores absolutos e estáticos. Nesse círculo as cores são explicadas pelas misturas pigmentares, as quais foram mais tarde denunciadas por Duchamp. Claro, estudam-se alguns outros fenômenos como os contrastes simultâneos, por exemplo. Mas na base está um pensamento lógico, atualmente questionado, decorrente do discurso verbal. A partir desse círculo cromático classificaram-se as harmonias, por exemplo. Estas seriam consoantes, dissonantes e assonantes. (No pensamento plástico como a cor pode ser assonante ou neutra, vale dizer, uma não-cor?). Essas harmonias consideram uma mentalidade quantitativa, ou seja, explicam-se considerando ritmo como recorrência pressentida, que é racional e a cor ficando subordinada às formas. E assim bem longe do que Cézanne nos adverte: “Na natureza tudo está colorido.” A partir do círculo cromático absoluto ficamos presos à lógica aristotélica. Ou seja, à lógica do terceiro excluído, lógica esta que afirma que uma coisa não pode ser verdadeira e falsa simultaneamente. Esse círculo excluiu o que hoje nos é familiar, as incertezas.
Descartando-se o círculo cromático absoluto, como, parece-me, também o fez Cézanne, passamos a considerar um terceiro termo. A dimensão espaço-temporal da cor, pelo rompimento do tom, nos permite entender o cinza sempiterno como um pré ou pós-fenômeno. Vale dizer, um cinza que não existe, mas que se manifesta na natureza. Isso nos aproxima a cor e o colorido da lógica do terceiro incluído, sendo o terceiro um termo que se refere às diversas dimensões embutidas na fecha do tempo como informação.
Escrevi um livro intitulado A Cor e o Cinza utilizando-me, é claro, da linguagem verbal Nele refiro-me ao conflito entre a percepção sensível e a linguagem. Neste livro, para reforçar a disparidade entre a cor e o nome que lhe damos, cito o filósofo Mário Guerreiro, que diz:
“Sim, pois onde estão as cores puras no mundo percebido? Na verdade, elas pertencem ao mundo nomeável, mas esse mundo nomeado reparte o mundo percebido e o organiza de acordo com essa coisa enigmática que é o critério de relevância implícito na língua estruturada. Parece que se abre um abismo entre a percepção sensível e a linguagem, entre as qualidades percebidas e as qualidades nomeáveis, mas ficamos em dúvida se deveríamos concordar com a idéia de que o percebido só se faz passando pelo crivo na nomeação, como se a linguagem estivesse filtrando a percepção, canalizando-a no sentido de só poder captar certos padrões em detrimento de outros. Com certeza este é um problema que teria de ser colocado para uma fenomenologia, onde uma incursão nos domínios da pintura seria, certamente, bastante esclarecedora.”
Nesse sentido, podemos fazer com que haja uma convivência entre a percepção sensível e a linguagem verbal. Neste caso, consideramos a cor abstrata substantiva, que subsiste por si mesma na medida em que sua substância não se altera, é nomeável e é uma idéia platônica, e a cor concreta adjetiva, cuja condição é ser no colorido e está sempre se rompendo, possuindo uma dimensão temporal. Podemos, assim, lidar simultaneamente tanto com a percepção sensível e a linguagem verbal.
Procurei através do estudo das questões que os pintores discutiram chegar ao pensamento plástico. Apoiei-me em Poussin que se refere a um ver prospectivo, além de outro que considera apenas o aspecto dos objetos. Por esse olhar prospectivo Poussin considera o saber do olho, os eixos visuais e as diversas distâncias. Braque diz que explicar uma coisa é substituir a coisa pela explicação. Nos livros que escrevi, A Cor e o Cinza e O Cromatismo Cezanneano caí, em parte, nessa sutil observação. O ato de olhar permite a experimentação e, obviamente, o ato poético, criativo, etc. Procurei desenvolver um pensamento plástico para sair desse impasse.
Procurei entender a frase de Cézanne Na qual afirma que a luz não existe para o pintor, etc. Portanto o mestre de Aix não se interessou pelo cromatismo impressionista. Disse mais ainda, que somente um cinza reina na natureza. Não se trata obviamente do cinza baseado na mistura do branco com o preto, pois esse não oferece nenhuma dificuldade. Digo que Cézanne nos preparou para pensar no cinza sempiterno, como passei a denominá-lo.
Cabe enfatizar, que o cinza sempiterno não existe. É um pré ou pós fenômeno. Acrescento agora que ele não é objetivo na medida em que não é um fenômeno. Talvez seja apenas uma lógica. E mais, talvez nos faça compreender Cézanne quando ele afirma que a arte é uma religião. Ele, o cinza sempiterno, se manifesta na natureza. Será que podemos afirmar que essa manifestação pode nos levar a considerá-lo como uma manifestação de uma das faces de deus e este uma lógica?
Além dessas questões, incluiu-se na lógica da cor a questão do serpenteamento vinciano. Leonardo no Tratado da Pintura diz que devemos observar com muito cuidado os limites de qualquer corpo para julgar se suas voltas participam de curvaturas circulares e concavidades angulares, uma questão bem mais complexa do que afirmar, como se vê nas histórias das artes, que ele introduziu na pintura o esfumato. Este é apenas um procedimento e não uma questão teórica.
Sobre esta questão vale citar a famosa frase de Cézanne na qual ele reforça que tratar a natureza através do cone, esfera e cilindro não implica em uma geometrização considerando esses sólidos geométricos como os que possibilitam a construção do espaço pictórico tomando-os como formas históricas da construção deste espaço. Além do mais Cézanne afirmava que queria chegar à perspectiva unicamente pela cor. Interessante é que podemos compreender a afirmação de Duchamp na qual diz que o cubismo tem inicio em Cézanne, e passa pelo fauvismo, (em minha opinião, sobretudo por Braque).
Consideraríamos a geometria dos fractais, e novamente o cinza sempiterno, que estaria presente tanto no todo como nas partes. Assim em uma fração teríamos também um elemento contido no todo, no caso, o cinza sempiterno. Daí poder-se dizer que as partes são maiores que o todo. Consideraríamos, também, a teoria do caos, e a partir daí pensaríamos no processo contínuo de organização e desorganização quando estados de entropia máxima são observados, o que metaforicamente nos levaria a considerar a questão de vida, morte e ressurreição.
Tudo isso nos permite realmente pensarmos em uma geometria das cores considerando-se entre outras a topologia na qual, além das transformações e deformações contínuas, o cinza sempiterno seria uma fronteira. Ou na geometria dos fractais e novamente aquele cinza lhe dá consistência.
Podemos imaginar também que essas surdas questões pertinentes ao pensamento plástico e, por extensão, às artes visuais, poderão, talvez, ser mais bem compreendidas pelas geometrias que hão de vir. Como, por exemplo, uma geometria das cores.
José Maria Dias da Cruz - julho de 2012
terça-feira, 3 de julho de 2012
Email para Guilherme Bueno
Guilherme Bueno
Como vc está? Imagino, como sempre, abarrotado de trabalho. Assim como eu, pois além daquelas obrigações com a sobrevivência, bicudas nos dias de hoje, temos essas perguntas que não dão descanso as nossas cabeças. Está uma obsessão o que venho pensando sobre uma geometria das cores e parece que a cada passo que dou pra frente, tantas dúvidas aparecem que nem sinto que há um avanço. Parece até mesmo um recuo. Ao menos consegui entender um pouco melhor a frase do Leonardo sobre o serpenteamento. Assim o cinza sempiterno seria, dentro do que penso, o correspondente ao ponto, este potencialmente ativo. O serpenteamento corresponderia à linha. Ambos construiriam um espaço com várias dimensões, pois há que se considerar o rompimento do tom que tem uma dimensão temporal. O caroço vem de um verso do Michael Palmer: "As diversas distâncias entre olho e pálpebra." Há, portanto, as cores abstratas substantivas e coladas a elas os valores hápticos e tácteis.
Estou pintando um politípico (oito quadros que ainda não foram fotografados). O suporte é madeira, aquelas tábuas de pinho para obras. São diversos os comprimentos, de 40cm a 60cm, e a altura uma só, 30cm. Não tratei a madeira. Deixei-a crua, com as marcas dos veios e das nódoas. Em uma parte pintei um colorido no qual se manifesta o cinza sempiterno. Na outra uma cor, um rosa, por exemplo, não me importando em relacionar as duas pelos princípios de proporcionalidade que se dá às formas, ou seja, aqueles princípios vasarianos. Lidei, portanto com os valores tácteis do suporte, que fica bem evidente que é um pedaço de uma tábua. Apesar de pintadas vê-se que é madeira não tratada para outro fim senão o de servir para armação de concretagem em obras de construção. A pintura em rosa não vela os veios e as nódoas. As laterais ficaram só na madeira, bem visível. Assim ficam evidente os valores tácteis da tábua. Mas a cor pintada chapada nos leva ao conceito de cor abstrata substantiva, em apenas duas dimensões, e assim os valores hápticos se manifestam.
Isso está me levando a pensar em outra coisa. Parece que estou desenvolvendo um pensamento, além de plástico, mais diagramático e menos analógico. Andei lendo um livro do Deleuze sobre o Bacon que expões bem essas questões. Entretanto quando ele se refere a Cézanne sempre fico questionando. Há coisas que para mim se tornam tão confusas! Por exemplo, nesse livro que li do Deleuze, "Francis Bacon, lógica da sensação". Veja, ele diz " A luz é o tempo, mas o espaço é a cor." Para mim a cor, pelo rompimento e pelo cinza sempiterno é tempo também. Continua o autor. "O colorismo pretende extrair um sentido particular da visão: uma visão háptica da cor-espaço diferente da visão ótica da luz-tempo." Fica difícil para mim, face à primeira frase citada, uma compreensão clara em relação a essa, muito embora considere importante a discussão do táctil e do háptico.
E há uma terceira frase. "A modulação por toques distintos puros (o grifo é meu), e segundo a ordem do espectro, foi a invenção propriamente cezanneana para atingir o sentido háptico da cor."
Primeiro não acredito em uma pureza com esse sentido absoluto. Segundo, se falar em ordem do espectro quando Cézanne afirmou que a luz não existe para o pintor! E além do mais ignorar o que Cézanne disse que somente o cinza reina na natureza. Enfim, vou me virando. Basta ver uma montanha que segue anexo. Repare que no corpo da montanha há uma escala que vai, em forma de um arco, de um azulado até um alaranjado passando pelo cinza sempiterno. Além do azul, por afinidade, Cézanne utiliza de um tom verde. Essa é a escala básica do quadro, que resulta em diversas variações dessas escalas diagramáticas e que em nada se aproxima da ordem das cores no espectro.
Como vc está? Imagino, como sempre, abarrotado de trabalho. Assim como eu, pois além daquelas obrigações com a sobrevivência, bicudas nos dias de hoje, temos essas perguntas que não dão descanso as nossas cabeças. Está uma obsessão o que venho pensando sobre uma geometria das cores e parece que a cada passo que dou pra frente, tantas dúvidas aparecem que nem sinto que há um avanço. Parece até mesmo um recuo. Ao menos consegui entender um pouco melhor a frase do Leonardo sobre o serpenteamento. Assim o cinza sempiterno seria, dentro do que penso, o correspondente ao ponto, este potencialmente ativo. O serpenteamento corresponderia à linha. Ambos construiriam um espaço com várias dimensões, pois há que se considerar o rompimento do tom que tem uma dimensão temporal. O caroço vem de um verso do Michael Palmer: "As diversas distâncias entre olho e pálpebra." Há, portanto, as cores abstratas substantivas e coladas a elas os valores hápticos e tácteis.
Estou pintando um politípico (oito quadros que ainda não foram fotografados). O suporte é madeira, aquelas tábuas de pinho para obras. São diversos os comprimentos, de 40cm a 60cm, e a altura uma só, 30cm. Não tratei a madeira. Deixei-a crua, com as marcas dos veios e das nódoas. Em uma parte pintei um colorido no qual se manifesta o cinza sempiterno. Na outra uma cor, um rosa, por exemplo, não me importando em relacionar as duas pelos princípios de proporcionalidade que se dá às formas, ou seja, aqueles princípios vasarianos. Lidei, portanto com os valores tácteis do suporte, que fica bem evidente que é um pedaço de uma tábua. Apesar de pintadas vê-se que é madeira não tratada para outro fim senão o de servir para armação de concretagem em obras de construção. A pintura em rosa não vela os veios e as nódoas. As laterais ficaram só na madeira, bem visível. Assim ficam evidente os valores tácteis da tábua. Mas a cor pintada chapada nos leva ao conceito de cor abstrata substantiva, em apenas duas dimensões, e assim os valores hápticos se manifestam.
Isso está me levando a pensar em outra coisa. Parece que estou desenvolvendo um pensamento, além de plástico, mais diagramático e menos analógico. Andei lendo um livro do Deleuze sobre o Bacon que expões bem essas questões. Entretanto quando ele se refere a Cézanne sempre fico questionando. Há coisas que para mim se tornam tão confusas! Por exemplo, nesse livro que li do Deleuze, "Francis Bacon, lógica da sensação". Veja, ele diz " A luz é o tempo, mas o espaço é a cor." Para mim a cor, pelo rompimento e pelo cinza sempiterno é tempo também. Continua o autor. "O colorismo pretende extrair um sentido particular da visão: uma visão háptica da cor-espaço diferente da visão ótica da luz-tempo." Fica difícil para mim, face à primeira frase citada, uma compreensão clara em relação a essa, muito embora considere importante a discussão do táctil e do háptico.
E há uma terceira frase. "A modulação por toques distintos puros (o grifo é meu), e segundo a ordem do espectro, foi a invenção propriamente cezanneana para atingir o sentido háptico da cor."
Primeiro não acredito em uma pureza com esse sentido absoluto. Segundo, se falar em ordem do espectro quando Cézanne afirmou que a luz não existe para o pintor! E além do mais ignorar o que Cézanne disse que somente o cinza reina na natureza. Enfim, vou me virando. Basta ver uma montanha que segue anexo. Repare que no corpo da montanha há uma escala que vai, em forma de um arco, de um azulado até um alaranjado passando pelo cinza sempiterno. Além do azul, por afinidade, Cézanne utiliza de um tom verde. Essa é a escala básica do quadro, que resulta em diversas variações dessas escalas diagramáticas e que em nada se aproxima da ordem das cores no espectro.
Não sei se estou sendo claro, escrevendo sem mostrar graficamente o que penso. Estou anexando também um desenho onde mostro um diagrama cromático com seu específico cinza sempiterno. Desde cinza mostro uma outra escala que vai de um violeta escuro a um amarelo esverdeado claro que não pertence ao círculo diagramático acima. A essa escala posso acrescentar por aproximação ao violeta um azul. É um esquema cezanneano. Ele diz que pinta sempre uma secção do espaço, o que podemos entender como uma secção de um colorido maior uma vez que temos nossos limites, vale dizer, nos é interditado um colorido total. E nisso há um enigma.
Estou sendo claro? A complexidade advém do fato de que cada intervalo dessas escalas ter seus respectivos cinzas sempiternos com uma dimensão temporal. É por isso que Cézanne dizia que somente um cinza reina na natureza. Creio que não podemos visualizar toda essa complexidade, salvo se nos apoiarmos na generalização que nos permitem os diagramas.
Segue uma assemblage de minha autoria realizada em 2007.
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