O Símbolo
Edmond Blatchen – Professor Prigogine. Aqueles que possuem a
primeira edição de bolso dae La nouvelle aliance conhecem esse objeto; De onde
ele vem? O que ele lhe dz?
Ilya Prigogine – É uma estatueta mezcala, uma civilização
pré-colombiana que se desenvolveu nbo México, no atual Estado de Guerrero, na
cpsta do Pacífico. Trata-se de uma civilização pouco conhecida, que floresceu
num território limitado. Uma civilização neolítica, provavelmente.
Gosto muito dessa escultura porque ela representa uma
interrogação, até mesmo uma certa ansiedade. Sempre me interessei pelas
civilizações neolíticas, porque nessa época aparecem diferentes concepções do
universo. Pense no neolítico egípcio. Seus personagens sorridentes e jovens
testemunham uma confiança assegurada pela crença em deuses benevolentes e
poderosos. Ora, a América do Sul e a América Central são mundos diferentes. A
concepção aí reinante é a de um mundo “biológico”, no qual o movimento dos
planetas e o esplendor do Sol demandam energia: é preciso alimentar os deuses;
os deuses precisam do homem tanto quanto o homem dos deuses. Há uma unidade,
mas é uma unidade biológica, precária que deve ser perpetuamente reanimada.
Enquanto, por exemplo, para os gregos, o movimento dos astros é gratuito. Para
Newton, esse movimento corresponde entre força de gravitação e força
centrífuga; ao contrário, no Mpexico, trata-se de um universo inquieto. O homem
moderno é também um homem inquieto. Em nossos dias, o homem é inquieto porque
se encontra num período de transformações muito rápidas, especialmente do
conceito de natureza, da sociedade, e de sua vida.
EB – É perturbador, porqiue parece uma estatueta
contemporânea.
YP – Não é mesmo?
EB – Enquanto, se for preciso data-la, remonta-se a flecha
do tempo vários milhares de anos?
YP- Provavelmente. È difícil datá-la porque não foi achada ao mesmo tempo que objetos que
podem se datar pelo carbono; portanto há divergências de opinião. Segundo
alguns especialistas, ela remontaria à 2.500 a.C, ou seja, mais ou menos à
época da civilização das Cíclades na Grécia.
EB – Reencontra-se aqui seu apreço pela História, que quase
lhe inspirou outros estudos. Particularmente, como o senhor disse, por esse
período o neolítico chinês. Falando da China, a palavra natureza não tem um
sentido diferente do que tem para nós?
IP – O ponto de vista
chinês é mais cósmico ou cosmológico (1). Isso se encontra nos quadros da China
dos séculos X –XVI. Grandes montanhas parecem esconder minúsculos personagens.
Na arte europeia da mesma época, grandes personagens é que são valorizados por
pequanas montanhas. Já na arte neolítica chinesa, você vê objetos
“cosmológicos”, círculos, representações do espaço-tempo, e assim por diante.
Algumas vezes na minha vida, eu me senti bastante só. Só
porque a ideia de que era preciso renovar as leis da física e introduzir aí a
novidade, a criatividade, parecia quase um na´´atema na opinião de muitos
cientistas, mesmo entre meus colaboradores. Então, a contemplação de obras de arte,
tais como essa estatueta, me fortalecia na minha convicção.
EB – O senhor poderia ter contemplado obras de arte daqui?
IP – Hoje, a sociedade ocidental pode se expressar de muitas
maneiras. Enquanto a sociedade primitiva não tinha tantos meios de se expressar.
Encontra-se aí alguma coisa a mais.
EB – Aqui, encontra-se
uma ideia central em pensamento em seu pensamento, que é preciso fugir
do eurocentrismo, a ideia segundo a qual a civilização séria, adulta, digna de
futuro.
IP – Sim! È uma das consequências da evolução deste século.
E, no fundo, no fundo, de novo, está vinculado ao problema que discutimos, porque enquanto se
pensava que com as leis se Newton e as que lhe sucederam podíamos compreender o
universo, o diálogo com outras civilizações era um diálogo de professor e aluno
primário. Mas, hoje, estamos tomados pelo mistério do big bang, pela aparição
da vida, da Evolução. Nestas condições, estamos mais abertos às outras
interpretações. A outras mitologias. A outras cosmologias.
EB – O senhir diria que essa estatueta tem um olhar já
consciente do fim das certezas?
IP – Sem dúvida. Ou melhor, ela talvez exprima – é muito
difícil dizer – uma dúvida sobre a permanência do mundo. Segundo a mitologia
asteca, que conhecemos mlhor do que a mescala, porque aqui não dispomos de
documentos escritos, houve diferentes universos. E, cada vez, houve uma catástrofe
cósmoica. Surge em seguda u novo universo. Logo, não há essa permanência, não
há essa estabilidade, que caracteriza a imagem cristã, a imagem ocidental...
EB - ... e a imagem judia também, pois desde o Gênesis está
dito que o homem deve domonar a natureza.
IP - De fato, em toda a tradição judaica-cristã o homem tem uma
posição privilegiada, o homem pode e deve dominar a natureza. Mas o domador da
natureza é ele mesmo um súdito de um Deus todo-poderoso. Portanto, há uma
garantia de da permanência. E são, creio, essas garantias da permanência que
faltavam à civilização pré comlombiana. De qualquer maneira, tenho a impressão
de que essa estátua já colocaa questões contemporâneas: a questão da natureza e
da existência do homem, o do devir do homem.. e essas são questões que aainda
nos colocamos.
(1) As poucas palavras chinesas que traduzem “natureza”,
“tendência”, etc. são tão ambíguas, equivocadas e polivalentes quan to para
nós. Em compensação, a tradição taoísta, que impregnou todas as r3eligiões e
filosofias chinesas, vê efetivamente naa natureza um conjunto cósmico
harmonioso, estável, eterno. Os deuses não têm muito o que fazer aí (quando existem);
o homem é insignificante, o indivíduo inexistente. É verdade que o Céu é
concebido como o modelo da harmonia universal; é dele que o imperador recebe
seu mandato. Se a dinastia se conduz mal, perde o mandato; o Céu (ou a
natureza) derruba a dinastia e
restabelece na Terra a harmonia traída por um instante...