quinta-feira, 30 de outubro de 2014

O Cromatissmo cezanneano


Frases de Cézanne:
“Tratar a natureza através do cone, da esfera e do cilindro, [...].”
“Os corpos na natureza são todos convexos”
“Entre o objeto e o pintor se interpõe um plano, a atmosfera.” 
“A Natureza é mais em profundidade que em superfície.”
“Quero chegar a perspectiva unicamente pelas cores.”
Frases de Braque:
“Não é o bastante fazer ver o que se pinta, é preciso ainda fazer tocar.”
“O espaço visual. O espaço tátil. O espaço manual.”
Desdobramento
Percebemos uma superfície não em duas dimensões, mas em três, sendo que a terceira é dada pela distância entre o observador e essa superfície. Na medida em que se aproxima dessa superfície, mais presente vai se formando a necessidade de tocá-la, ou seja, mais o tátil se manifestando. Mais próximo ainda, chega-se ao espaço manual. Isso nos remete ao que Poussin afirma sobre as diversas distâncias quando nosso olhar é prospectivo. Essas distâncias demonstram que quanto mais afastado o observador estiver, mas o espaço é visual. Com a aproximação chega ao espaço manual passando pelo espaço tátil. 
Se compararmos os dois quadros de Cézanne com um de VanGogh podemos perceber que o espaço plástico cezanneano acontece à frente do quadro, e nesta atmosfera a que ele se referia, enquanto que em Van Gogh o espaço acontece além da superficie do suporte como ilusão. Cézanne rompe com o conceito do espaço plástico proposto por Alberti. Creio que isso pode nos levar a uma investigação mais profunda das descobertas cezanneanas, inclusive para entendermos os valores hápticos que são uma das propostas destas observações. 
O que temos que investigar de início: o que ocorre neste plano que se interpões entre o modelo e o pintor? Mas se deve anotar que Cézanne conseguiu chegar a esse olhar pesrpectivo unicamente pelas cores. E um olhar, nesses últimos quadro, já totalmente desligado de quaisquer resquícios da perspectiva renescentista. 
Aqui um parêntesis. Na geometria euclidiana os sólidos geométricos são acromáticos, portanto, abstrações, uma vez que na natureza, segundo Cézanne, tudo está colorido. E mais ainda. Para ele cor e forma são uma só coisa. Daí ter dito que “quanto mais a cor se harmoniza, mais a forma se precisa.” 
Se observarmos esses dois quadros de Cézanne, realizados em sua maturidade. Veremos que o espaço plástico de manifesta como uma superfície com vários acidentes sobre o plano do suporte projetando-o para frente, vindo a coincidir com este no qual nos orientamos. Como as cores são concretas adjetivas, têm uma dimensão temporal, surgem pequenas superfícies ora cônicas, ora cilindrícas, ora esféricas (uma das formas das pequenas sensações?), pequenas superfícies em constante transformaões. Como estamos de tal forma condicionados a pensarmos no espaço a partir daqueles sólidos geométricos, temos que fazer um certo esforço para percebermos a como Cézanne rompeu com padrões culturalmente internalizados em nossos espíritos. 
Para melhor percebermos o que tento mostrar, podemos comparar esses quadros de Cézanne com a paisagem de Van Gogh. No quadro deste o espaço plástico está ainda alem da superfície do suporte, e nelas uma série de acidentes mas sem uma dimensão temporal. Tai8s fenômenos não se dão às explicações racionais e ao discurso verbal – pertencem unicamente ao pensamento plástico.
Estas anotações, assim, ficam por aqui. Que o olho as faça perceptíveis, é o que pretendemos.

José Maria Dias da Cruz, Florianópolis, setembro de 2012

Livro "O cromatismo Cezanneano" by José Maria Dias da Cruz / Florianópolis, Ed. do Autor, 2010Os estudos cromáticos de Cézanne, sob o olhar atento de José Maria Dias da Cruz 

"O artista não é um ego, é um eco". Nada mais pertinente que utilizar esse pensamento do próprio José Maria Dias da Cruz para apresentar o autor de "O cromatismo cezanneano", outro dos tantos ecos reverberados pelo artista nascido no Rio de Janeiro em 1935, filho do influente Marques Rebelo, que colocou o filho em contato direto com importantes nomes da arte brasileira: Di Cavalcanti, Iberê Camargo, Pancetti, Milton Dacosta, Tarsila do Amaral. "Ele me ensinou a ser generoso", fala sobre o pai. Citado entre os 70 artistas brasileiros mais importantes do século XX, José Maria é considerado um "artesão" da pintura, tamanha a carga teórica e intelectual com a qual atravessa o manuseio das tintas e das cores. "É um pensamento cromático, altamente emotivo, que se desenvolve em cada uma de suas telas", escreve Luiz Camillo Osório.
Cristina Pape é quem vislumbra alguns dos questionamentos essenciais postos pelo autor em ‘O cromatismo cezanneano’: ‘Onde se encontra aquilo que não sabemos explicar mas que podemos sentir e que os pintores sabem procurar?’ e chega à mesma conclusão que outros artistas, mesmo os que não se debruçam no colorido das telas: ‘Existe alguma coisa que vemos mas não percebemos claramente e que transforma a realidade, sempre’. O livro mais recente de José Maria Dias da Cruz, como consta da última página, foi realizado ‘pela Premiação do Edital Elisabete Anderle de Estímulo a Cultura’, o que desde já denota a sua grande relevância para o reduto artístico. 
José Maria Dias da Cruz, um pintor renomado que escolheu a ilha-maravilha para fixar seu ateliê, é um estudioso da cor, ou, aliás, estuda o que gera a cor, o que existe antes da cor para que possamos vê-la, a base que está oculta por trás de toda cor, o miolo, a matriz do que podemos perceber com essa ferramenta espetacular e única: os olhos. Já publicou ‘A cor e o cinza’ e ‘Interiores de reflexão‘ e tem quadros espalhados pelos melhores museus e galerias do Brasil. 
Em ‘O cromatismo cezanneano’, sua percepção primeira é a de que, como Paul Cézanne intuía, a cor existe a partir de algo impalpável e indefinido que lhe é subjacente, e pode ser reduzida à pura matemática. Intuía, mais, que a cor varia especificamente com a precisão de cada uma de nossas ferramentas. De fato. A cor pode variar com a luz (brilho), com a distância de observação (a atmosfera altera a coloração), com o tempo de observação, com o grau de defeito da ‘ferramenta’, bem como com as demais cores constantes e próximas (contraste), e, óbvio, com a mistura pigmentar da paleta. Os exercícios de trompe l’oeil sugeridos pelo autor e as incríveis xilogravuras de Escher (vide site oficial) não mentem. 
José Maria, seguindo as pistas de Cézanne e outros pintores que o estudaram, afirma que ‘o cinza onipresente está em um local indeterminado’. E se põe a pensar sobre como a pintura e outras artes são feitas de contrastes, de inter-relacionamentos, rompimentos e escolhas. Se pintar é contrastar, sendo a pintura uma das Belas Artes, até que ponto escrever também não é um exercício de contrastar, dialogar, experimentar limites e influências? 
Não só músicas e poemas podem ser enigmáticos, mas a percepção das cores também. Como a pesquisa de psicólogos gestálticos e a conclusão de Gauguin mostram, a cor também é um enigma, eis que é paradoxal, relativa, nunca absoluta e única: refere-se mais à percepção do indivíduo, do que a si mesma. 
Se a cor não é absoluta e se, ainda mais incrivelmente, pode ser dividida em sub-tons até o infinito – ou até o cinza sempiterno -, é de se perguntar: você confia no que vê? Com esses e outros questionamentos, José Maria sai da pintura, atravessa os limites da tela, e vai buscar o verdadeiro móvel da Arte. 
A Arte, além de ser intangível, é também infinita na medida em que a última pincelada (assim como a última correção de um poema), na verdade só existe como gesto. Apesar de o pintor dar a sua ‘última pincelada’, a tela (o poema) continua mudando, seja conforme a interpretação de seus espectadores, seja como produto de um pensamento que pode se relacionar e se atualizar de acordo com novos paradigmas de reflexão. 
Após estudar a estrutura cromática da última obra de Cézanne, ‘A cabana do Jordão‘, José Maria aprofunda a discussão acerca da confiança exagerada que depositamos na visão, muito mais do que na intuição e na percepção, essas duas domínios inequívocos da Arte. É de se levar em conta a limitação do órgão (o olho), a diferença da cor gerada pela luz e da cor gerada pela pigmentação, com as pós-imagens e serpenteamentos, com o espaço, o campo visual, a perspectiva, a impossibilidade de se reproduzir fielmente um colorido, sob pena de ele distanciar-se da característica da imagem natural. 
O artista tem uma sensibilidade especial, já diria Cézanne e agora repete José Maria, seu saudoso discípulo. A pintura, para ser Arte, não é deve ser apenas uma reprodução fidedigna do instante: para isso já existem as câmeras, filmadoras e telefones celulares. A pintura, assim como as outras artes, e para continuar ela mesma uma Arte, deve ser uma provocação: de ânimos e reflexões, de sentimentos e atitudes. Assim é que José Maria sai da pintura e vai para a literatura, poesia e filosofia, tentando, através de outros caminhos, compreender a própria fenomenologia da arte. 
Como ele intui, para descobrir a pintura é preciso procurar o que vem antes, o que precede à pintura, o que se quer dizer ou mostrar através dela, o que antes eleva o braço do pintor à tela. É preciso, pois, investigar o místico de unicidade que cada tela encerra, a criação ímpar do que não há no mundo (pois imitar o que há é permitir a morte dupla do objeto) e que, sendo criado, irradiará eternamente em graus, cores e níveis distintos. 
Ao fim do livro, José Maria nos presenteia, em papel couché, com suas assemblages (estudos anteriores aos quadros) e as telas de Cézanne, Degas e Chardin, estudadas em sua obra. 
Paula Cajaty, poetisa.

Email para Luiz Chysóstomo

Luiz

Estou escrevendo meu quarto livro e realizando meu livro de artista.

Qdo estive na sua casa comentamos um trabalho, está no canto da sala, umas formas pretas projetada para frente. É do Cruz Diez?

Um breve resumo: Com Alberti o espaço da pintura acontecia além da superfície do quadro, lá e a visão era monocular. Leonardo e o serpenteamento introduz uma visão biocular. Os historiadores afirmam q ele introduziu o esfumato, mas a frase de Leonardo sobre os limites qualquer corpo é bem mais complexa. Esfumato é um procedimento e ñ uma questão teórica. Leonardo tenta representar o espaço aqui. Caravaggio dá os primeiros passos para mostrar o espaço da pintura na superfície do suporte. No seculo XX temos o exemplo, entre outros, de Mondrian. Cézanne ao afirmar q entre o pintor e o objeto se interpões um plano, a atmosfera, aponta para um espaço plástico aqui. O espaço da pintura começa a a se aproximar do espaço imediato. Os resultados: a fonte de Duchamp. e muitos outros, de Oiticica com os relevos e parangolés considerando um espaço cromático, ou se vc quiser, um colorido. O espaço aqui é monocular e trá de volta a visão biocular. 

As consequências dessa descoberta de Cézanne são muitas e merecem um estudo profundo. Digo q o pensamento plástico pode chegar à filosofia or seu próprios meios. No caso dos coloridos a uma ontologia das cores. Ñ há mais a necessidade do pintor partir de um pensamento filosófico para chegar à pintura. E digo mais. Pensar a arte contemorânea ocorrendo no espaço imediato aqui e agora.

No meu caso, considerando os coloridos, creio q posso permanecer na pintura sobre o suporte, pois as cores, nas    suas multidimensionalidades podem estar tanto lá, ali como aqui. O cinza sempiterno recupera o serpenteamento vinciano e a insinuação de uma  visão biocular.

Então te pergunto o seguinte. Seria possível vc me enviar uma foto  do trabalho q acima me referi?

Um forte abraço