JCC, HISTÓRIA PESSOAL
A bem dizer, fui inaugurado em 1914, vinte quatro horas
depois de rebentar a Primeira Guerra Mundial. Era agosto e chovia em Campos dos
Goitacazes. Comecei com jeito de grandeza.
Meu ideal era ser usineiro, viver no último andar de trezentas sacas de
açúcar. Como isso não foi possível, tratei de realizar o subideal que era ser
funcionário da Leopoldina. Sempre tive admiração toda especial por chefes de
estação, espécie de donos de trem. Como esse subideal também não veio, tratei
de escrever para os jornais de minha terra. Uma tarde, em plena década de
trinta, entrava este José parra a redação da Folha do Comércio por uma porta e
Raimundo Magalhães Júnior saía por outra. Eu para escrever notinhas de
aniversários e de casamentos de comerciantes
locais e Magalhães Júnior para iniciar sua prodigiosa carreira de grande
jornalista e grande escritor. De jornal em jornal realizei o sonho de todo o
pai brasileiro do começo do século:
ver o filho bacharel, fotografado de beca e de óculos . E bacharel saí na
fornada de 1937, depois de passar, como o diabo pela cruz, através de lombadas
de livros de alto saber jurídico. E uma ocasião, com a sacola soltando leis e
parágrafos pelo ladrão, fui extrair da unha de um subdelegado um pobre diabo
qualquer. Foi quando constatei, para desencanto do meu canudo de bacharel, que
mais vale ter a chave da cadeia do que ser Rui Barbosa. Aborrecido, dei de mão
numa resma de papel e escrevi meu primeiro romance, Olha para o céu Frederico!
Uns elogiaram, outros malharam. Embrulhado em suas páginas arrumei, no Rio de
Janeiro, o cargo de redator da velha e saudosa A Noite. E em seu manso seio
fiquei até que o governo a poder de bofetões, fechou o jornal em 1957. Dos
cacos de A Noite pulei para os Diários Associados. Nesse meio tempo, entre uma
coisa e outra, caí no serviço público, com escrivaninha no Ministério da
Indústria e Comércio, onde procuro tirar o país à beira do abismo a poder de
relatórios que ninguém lê. Quando à ficção. É mato brabo no qual raramente circulo, temente que suo de mordida de cobra
e dente de lobisomem. Vejam que não exagero. Publiquei o primeiro livro em 1939
e o segundo precisamente vinte e cinco anos depois. Entre Olha para o céu Frederico!e O Coronel e o
Lobisomem o mundo mudou de roupa.
Apareceu o imposto de renda, apareceu Hitler e o enfarte apareceu. Veio a bomba
atômica e veio o transplante. E a lua deixou de ser dos namorados. Sobrevivi a
todas essas catástrofes. E agora, não tendo mais o que inventar, inventaram a
tal da poluição, que é doença própria de máquinas e parafusos. Que mata os
verdes da terra e o azul do céu. Esse
tempo não foi feito para mim. Um dia vai haver mais azul, não vai haver mais
pássaros e rosas. Vão trocar o sabiá pelo computador. Estou certo que esse
monstro, feito de mil astúcias e mil ferrinhos, não leva em consideração o
canto do galo nem o brotar das madrugadas. Um mundo assim, primo, não está mais
por conta de Deus. Já está agindo por conta própria.
Niterói, setembro de 1970
José Cândido de Carvalho
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